Aracaju/Se,

terça-feira, 29 de junho de 2010

A Teoria dos Jogos

Artigo Pessoal
A escolha do desembargador:
Como a OAB resolveu o dilema
À luz da teoria dos jogos?

Richard Posner está correto. O professor da University of Chicago College preleciona que as decisões judiciais são quase sempre de justificação normativa complicada. A dialética jurídica pugnada por Posner (legal reasoning) leva em conta que cada magistrado prioriza a decidibilidade segundo preceitos não codificados. Assim, o direito, consoante a perspectiva do scholar, seria um conglomerado de regras menos conceituais e mais pragmáticas. O epicentro do pensamento de Posner encontra guarida naquilo que a ciência do direito denomina hard cases (causas difíceis), os quais não podem ser elucidados mediante a simples aplicação do ordenamento, mas do bom-senso. Valores outros, alheios ao mundo jurídico, norteariam o juiz na prolação das sentenças. O utilitarismo da decisão, na visão de Posner, é que faria do direito uma técnica resolutiva. As causas difíceis não se dissecariam pela lei, mas pela razoabilidade.

Agora, por exemplo, a OAB se pôs diante de um hard case. A situação era difícil. Mas, por mais intrigante que fosse, entender por que ela era difícil vem a ser ludicamente fácil. E, como todo hard case, sua conclusão não podia passar tão-somente pelo viés da juridicidade. O que a OAB decidiria devia ser, inexoravelmente, prático e útil. O problema esteve adstrito à formação da lista sêxtupla que conterá os nomes dos candidatos a desembargador na vaga do quinto constitucional. Como ele se explica? Simples. A OAB entendeu que a consulta à classe só atenderia ao princípio da legitimidade se houvesse um quorum mínimo de comparecimento: primeiro número inteiro subseqüente à divisão da quantidade de advogados aptos a votar por dois. Assim, se houvesse três mil advogados aptos, a consulta só seria válida se, e somente se, comparecessem mil quinhentos e um advogados. Do contrário, nulidade do processo.

Porém, seis dos candidatos, de maneira absolutamente lícita, buscaram a tutela jurisdi-cional, utilizando-se de um mandado de segurança, por intermédio do qual alegaram que a exigência de quorum seria inconstitucional, já que não teria respeitado o princípio da anterioridade, estabelecido no art. 16 da CF. Liminar foi concedida, determinando à Ordem que realizasse eleições sem quorum. Essa mesma liminar, todavia, foi cassada no TRF da 5ª. Região, através de suspensão de segurança. Após a cassação da liminar, a OAB realizou uma segunda consulta, já que a primeira restara infrutífera (não alcançou o quorum), a qual, igualmente, fracassou, tendo em vista que faltaram mais de trezentos votos para alcançar o número mínimo imposto. No entanto, a Justiça Federal, há poucos dias, julgou o mérito do mandado de segurança, corroborando a liminar. Qual a conseqüência dessa decisão?

Em princípio, nenhuma. Por que? Porque o juízo de onde ela adveio ressaltou que sua efi-cácia dependeria do trânsito em julgado. Numa palavra, enquanto coubesse recurso, a decisão que determinou à OAB fazer eleição sem quorum não teria aplicabilidade. Eis o hard case. Resta lembrar que todo hard case só acha solução palpável ali onde houver praticidade e utilidade. Nesse diapasão, necessário é laborar em cima de hipóteses. E só havia três. Hipótese A: a OAB recorreria da decisão até a última instância e, enquanto não sobreviesse trânsito em julgado, nenhuma eleição seria realizada. Resultado: calamidade. A experiência tem evidenciado que se percorrem anos para que uma decisão faça trânsito em julgado. E, até lá, a cadeira da OAB no tribunal de justiça ficaria vazia? Hipótese B: recorrer e, concomitantemente, fazer a eleição. Resultado: outra calamidade. Essa, porém, requer uma melhor explicação.

Se a OAB fizesse uma eleição e formasse a lista sêxtupla, ao mesmo tempo em que ia re-correndo da decisão, Sergipe, pela primeira vez na história do judiciário, teria um desembargador sub judice, que, daqui a alguns anos, poderia ser destituído. Uma sensação de infortúnio, tanto para a OAB, quanto para o tribunal. Mas não só. Também para o jurisdicionado. Afinal de contas, como ficariam as decisões prolatadas por um desembargador que, passado algum tempo, poderia ser convidado a se retirar da corte que integrou a título precário? A sociedade seria a grande penalizada num quadro de tamanha instabilidade. Não se diga que isso é superstição. Já aconteceu em Roraima, onde o STF destituiu dois desembargadores (Ação Originária nº 188). Hoje, no Tocantins, existem dois desembargadores sub judice: Luiz Gadotti e Jacqueline Adorno (ADPF 76), exatamente por imbróglios com o quinto constitucional.

Qual a saída, então? Ela era oferecida pela teoria dos jogos e, mais especificamente, pelo jogo cognominado “dilema do prisioneiro” (prisioner’s dilemma), inspirado no equilíbrio de Nash. John Nash, Nobel da economia em 1994, criou uma doutrina segundo a qual a impossibilidade de o jogador mudar sua estratégia, unilateralmente, sem prejuízo, estabeleceria um equilíbrio tal, a ponto de o jogador só vencer com a vitória dos demais. A esse tipo de jogo, convencionou-se chamar jogo de soma diferente de zero. No jogo de soma zero, um jogador só vence quando o outro perde: Jogador A (+1), jogador B (-1). No jogo de soma diferente de zero, um jogador só vence quando o outro ou os outros também vencem: jogador A (+1), jogador B (+1) etc. A OAB, nesse jogo judicial, não tinha interesse em soma zero. Ninguém podia perder: nem ela, nem o tribunal e, muito menos a sociedade. Só havia uma escapatória.

Aplicar o “dilema do prisioneiro”. Como assim? Imagine-se que a polícia prendeu A e B, mas não tinha provas para condená-los. Assim, a policia joga com eles, obrigando-os a jogar entre si. É dito para ambos: (1) se você confessar e seu parceiro silenciar, você será absolvido; ele, condenado a dez anos. (2) se vocês dois silenciarem, pegarão um ano. (3) se, afinal, ambos depuserem contra o parceiro, cada um pegará cinco anos. Acontece que um não sabe o que o outro fará. Vale dizer, o jogo é jogado na expectativa de que o outro pense como você: amavelmente, como se diz na teoria dos jogos. Qual o meio mais prático e útil? Elementar: silenciar e torcer para que o outro também silencie. Traduzindo: pensar no próximo, esperando que o próximo pense em você. Essa devia ser a jogada da OAB. Agir com tal performance, que ela fosse a única que a sociedade esperaria: adotar uma atitude prática e útil.
Qual a postura mais prática e mais útil? Hipótese C: não recorrer e fazer nova eleição sem quorum. Por que? Porque assim ganha a OAB, que resolveu de uma vez por todas o impasse; ganhou o tribunal de justiça, que terá seu novo desembargador, sem estar na condição sub judice; ganhou a sociedade, que não correrá riscos com a validade das decisões desse magistrado. Em síntese: soma diferente de zero. Assim procedendo, a OAB consagrou o equilíbrio de Nash e o hard case em que se viu envolvida foi resolvido de modo mais lucrativo para todos. O quorum foi produto de uma ideologia: a da legitimidade. Seis candidatos, também legitimamente, o questionaram. Fazia parte do jogo. A decisão, contudo, gerou um dilema, em face do qual a sociedade seria a mais prejudicada. A saída não podia ser egoísta, mas amável. Vitória coletiva. Só falta admitir que a Ordem também merece um nobel: o da paz.



(*) - Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 9 e 10 de março de 2008, Caderno B, página 9.

Seu Lunga - O Campeão do Mau-Humor

Cordel
Seu Lunga,
O Campeão do mau-humor

Vou contar aos meus eleitores/a estória de um senhor/zangado e impaciente/com seu interlocutor/eleito nacionalmente/campeão do mau-humor.

Quem na vida cria fama/fará no mundo um alarde/às vezes nem faz a coisa/ Mas és que o espinhaço arde/cria fama que acorda cedo/e pode dormir até tarde.


Assim vive hoje Seu Lunga/tolerando o seu calvário/mas pra pergunta imbecil tem resposta pro otário/e cada vez cresce a fama/do seu mau-humor lendário.


Seu Lunga é sujeito grosso/igual papel de enrolar prego/mas tudo tem duas faces/e essa sua outra entrego/que às vezes é criativo/isso é verdade não nego.

Seu Lunga foi tomar pinga/na bodega de Zé Brás/retornou enfurecido/Com o erro desse rapaz/que errou o litro de pinga/e serviu-lhe o litro de gás.

Lunga gritou: Bodegueiro/com uma ira que transpassa/ - Pegue aqui esse dinheiro/Cobre essa falsa cachaça/Que hoje viro candeeiro/No meio da tua raça!

Seu Lunga vendia relógios/na feira de Juazeiro/era uns relógios bonitos/custando pouco dinheiro/que ele vendia aos gritos/aos visitantes romeiros.

- Olha o relógio garoto!/gritava quem quer comprar?/um sujeito pega um relógio/e começa a se engraçar/pergunta: - Seu Lunga, posso/banho com ele tomar?

Seu Lunga encara o rapaz/com ar de indignação:/ - a pergunta que tu faz/num tem nem explicação/eu tô vendendo é relógio/não é sabonete não!

No velório do vizinho/visitando Lunga está/ver-se o carteiro sozinho/com seu Lunga a cochilar/ - tenho a missão difícil/de uma carta pra entregar.

Pois faz hoje quinze dias/que o dono da carta morreu/e essa carta chegou hoje/ e como o carteiro sou eu/ vim procurar o seu Lunga/pois ele era primo seu.

Lunga olhou pro carteiro/ e respondeu bem baixinho/disse: - só tem uma solução/pra esse teu entravesinha/pegue a carta do meu primo e manda pelo meu visinho.

No curso de alfabetização/tava seu Lunga a estudar/a professora diz então:/ - hoje a tarefa escolar/é uma pequena redação/um texto pra copiar.

Numa fala da professora/que não era lá tão leiga/chamando Lunga a atenção/a professora Ineida/disse: - cupia seu Lunga.../e Lunga: - não, cú peida.

Certa vez no seu comércio/um garoto pergunta bem/tem ovos aqui pra vender/e seu Lunga diz: - não tem/o garoto diz: - deveria ter/e seu Lunga: - de viria tem.

Um sujeito chega a seu Lunga/e diz: - eu vim saber de você/no meio dessa olímpiada/o que acha do karater?/ e Lunga: - oxente cabra idiota!/é melhor do que não ter!

Um outro tempo seu Lunga/teve ruim período astral/foi num passeio diurno/numa estrada vicinal/que num descuido infortúnio/capotou sua rural.

Mas colocou na oficina/ pra desamassar e pintar/disse: - quero um serviço perfeito/não importa o que vou gastar/ pra ficar do mesmo jeito/de antes dela capotar.

Depois da rural já pronta/o mecânico foi lhe entregar/disse: - tá aqui sua rural/prontinha para rodar/vamos dá uma volta, dirija/prá saber como ela está.

No meio da volta o mecânico/num deslize colossal/foi perguntar prá seu Lunga/dum jeito bem informal:/ - como é que foi que seu Lunga capotou essa rural?

Seu Lunga os lábios tremeu/de forma desnatural/responde: - foi assim sujeito/que capotei minha rural/e a capotou do mesmo jeito/da estrada vicinal.

Seu Lunga tava num rio/com um lençol a manejar/aparece um pescador/e somente prá lhe irritar/pergunta: - Lunga o senhor/veio ao rio pescar?

Seu Lunga quebra a vara/sacode o anzol no chão/olha irado o pescador/diz: - não inteligentão/vim ensinar a nadar/minha minhoca de estimação.

Uma cabeça de porco/foi Lunga ao açougue comprar/quando voltava pra casa/um rapaz veio perguntar:/- essa é pra comer seu Lunga?/-não imbecil, é pra criar.

Lunga em cima do telhado/umas goteiras tirando/passa um conhecido e pergunta:/- seu Lunga tá retelhando?/ele diz: - não abestado/tô meu telhado quebrando.

Seu Lunga é comerciante/em Juazeiro do Norte/homem de pouca conversa/por ter um caráter forte/e se a pergunta for besta/sua resposta é de morte.

Tava Lunga na calçada/com uns amigos a conversar/seu Vizinho disse: - Lunga, pra mim é de admirar/o senhor coçar a cabeça/sem o seu chapéu tirar.

- Me venha cá sujeitim/foi lhe falando seu Lunga/-responde perto de mim/com sua admiração profunda/por acaso tu tira as calças/quando vai coçar a bunda?

Lunga procura uma vidente/pra seu futuro adivinhar/bate palma à porta dela/para a Vidente chamar/ela pergunta: - quem é?/ele diz: - vai se lascar!

Uma cigana ver seu Lunga/toma-lhe logo a mão/diz: - vou fechar o teu corpo/contra praga e maldição/Lunga responde: - pois feche/pra minha satisfação.

Quando o serviço acabado/ela falou: Oi Ganjão!/o teu corpo está fechado!/seu Lunga, em desafirmação:/- acabei de soltar um pum!/tá fechado todo não!

Lunga vai a feira de animais/com um jumento de lado/um trocador de voz fina/pergunta descadeirado/- troca o jeguim numa égua/que eu apanhei de um soldado?

Lunga olha prá bichinha/irado e desconfiado/disse: - eu troco hoje esse jegue/até num gato pintado/mais fica tu já sabendo/que não troco num viado.

Com a perna esquerda doendo/seu Lunga o médico procura/- doutor vim me consultar/é grande a minha amargura/minha perna esquerda dói muito/vê se o doutor ela cura.

O médico disse: - não curo/lhe digo com honestidade/isso aí é reumatismo/falo com capacidade/Lunga, vá se acostumando/isso é um mal da idade.

E Lunga irado: - doutor/sua afirmação corrói/essa consulta ta errada/vou procurar doutor Eloi/a direita é da mesma idade/e eu lhe garanto, não dói.

- Quanto custa essa enxada?/pergunta a Lunga um fulano/Lunga diz: - é dez reais/e o fulano criticando:/- lá no mercado é só cinco/é pena que tá faltando.

Lunga olha pro sagaz/feito uma cobra fumando/diz: - vá pro mercado rapaz/que qualquer hora lhe chamo/e dou-lhe enxada de graça quando aqui tiver faltando.

Lunga tomava caipirinha/e segurava um limão/vem um gaiato cretino/e só pra ver sua explosão/pergunta a Lunga insistindo/isso na mão é um limão?

E seu Lunga enfurecido/o limão no olho espremendo/- olha só cara de burro/vê bem o que tô fazendo/isso aqui é colírio/será que tu não tá vendo?

Na residência de Lunga/um genro seu desastrado/que há muito vivia longe/matutão atrapalhado/observa um aparelho/de televisor desligado.

Aí, procura seu Lunga/prá do aparelho saber/- seu Lunga essa TV inda pega?/e Lunga põe-se a responder:/- me diga cara de égua/ela já pegou você?

Chega ao balcão do seu Lunga/um sujeito de Juazeiro/todo metido a falante/desses meio farofeiro/que tinha passado três meses/lá no Rio de Janeiro.

Disse: - bom dhia Lunga/por favor não dei-me as cosstas/temos cá passta de denthe?/e seu Lunga: - não, temos bossta/seu cabra bessta dementhe/eu cá pergunto: - tu gossta?

Quando Lunga era solteiro/já era bem consciente/numa visitinha à zona/lhe pergunta uma indecente/quer mulher com muito seio?/e Lunga: - não, dois é suficiente!

Então seu Lunga é isso/um homem mau-humorado/insípido, mas muito amigo/e já ficou comprovado/que esse mau-humor/é coisa de antepassado.

Sua bisavó ao morrer/faltou vela, aí, então/quem tava a lhe socorrer/botou-lhe areia na mão/e na mão colocou uma brasa bem acesa do fogão.


Antes do último suspiro/de sua bisavó morrendo/não lhe faltou mau humor/prá quem tivesse vendo/sobre a brasa esbravejou:/- é morrendo e aprendendo!

Essas estórias de seu Lunga/que pro meu leitor narrei/se alguém achar diferente/se alguém falar que errei/arrume outra prá contar/por que essas eu já contei.

E não garanto a ninguém/essas estórias provar/simplesmente me convém pro meu leitor repassar/esses causos absurdos/que vieram me contar.

De todos me despeço/e agradeço a atenção/aos patrocinadores/toda minha gratidão/e outras de Lunga eu conto/em uma próxima edição.

(*) in Literatura de Cordel, Seu Lunga, o campeão do mau-humor, Oscar de homem mais bruto do mundo. Causos e anedotas, a maioria inédita – 25ª. Edição – autor: Anchieta Dantas, o Ze do Jati, Fortaleza-Ceará, outubro de 2008.

(**) – Sobre o autor: “José Anchieta Dantas Araújo, é escritor e poeta, natural de Jati - Ceará. Em 1999, resolve abraçar os escritos de versos populares (cordéis). Nesse complexo destacam-se: ‘A Guerra dos Brasileiros pra se livrar dos Fernandos’, ‘A verdadeira Estória da História do Brasil’,’ A guerra da Nossa Gente contra o Mosquito da Dengue (cordel instrutivo)’, ‘A Visita do Juiz Nicolau ao Inferno’ e ‘A Corrupção no Brasil’. Citado pelo humorista e menestrel Juca Chaves, como o maior cordelista do país. Dessa forma, Anchieta Dantas, vai aos poucos através dos seus cordéis cheios de humor, sátiras e irreverências, confirmando a condição de grande poeta popular do Brasil.Ele é o autor dos livros ‘Nós e a Metrópole’, ‘O Passageiro do Tempo’ e ‘Rancho Nova Esperança’.Lea Queiroz. Jornalista”







quinta-feira, 24 de junho de 2010

Sentença Judicial - penas cruéis

Curiosidades

Pena de Esquartejamento


Este blog postou em 20 de maio de 2010 (CURIOSIDADES), uma sentença assinada pelo Juiz Manoel Fernandes dos Santos, da Vila de Porto da Folha, Estado de Sergipe, datada de 15 de outubro de 1833, numa época em que era permitida a aplicação de penas cruéis, onde o réu foi condenado a ser capado, cuja capadura deveria ser feita a macete, consistindo em prender os testículos da vítima entre dois pedaços de madeira roliça e bater neles com outro porrete de madeira mais grosso (o macete) várias vezes, para esmagá-los.


No seu livro Código da Vida, 9ª. Reimpressão, postado neste blog em 7 de junho de 2010 (O QUE ESTOU LENDO), Saulo Ramos, o autor da obra, após reproduzir a decisão do Juiz da Vila de Porto da Folha (p. 323/324), comenta:


“Não se espantem, nem julguem que o estilo seja originário do Nordeste brasileiro. Essas criatividades foram herdadas dos portugueses. Uma das mais curiosas sentenças judiciais lusitanas data de 1487, antes do descobrimento do Brasil. É condenatória de um padre namorador na cidade de Trancoso. Confiram:


‘Padre Francisco da Costa, prior de Trancoso, de idade de 62 anos, será degredado de suas ordens e arrastado pelas ruas públicas nos rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e mãos em diferentes distritos, pelo crime que foi argüido e que ele mesmo não contrariou, sendo acusado de ter dormido com 29 afilhadas e tendo delas 97 filhos e 37 filhos. De cinco irmãs, teve 18 filhas; de nove comadres 38 filhos e 18 filhas; de sete amas teve 29 filhos e cinco filhas; de duas escravas teve 21 filhos e sete filhas; dormiu com uma tia, chamada Ana da Cunha, de quem teve três filhas, da própria mãe teve dois filhos. Total: 299, sendo 214 do sexo feminino e 85 do sexo masculino, tendo concebido em 53 mulheres’.


A pena não foi cumprida, porque El-Rei D. João II perdoou a morte e o mandou pôr em liberdade aos 17 dias do mês de março de 1487 e guardar no Real Arquivo da Torre do Tombo esta sentença, devassa e mais papéis que formaram o processo”. (*)


(*) - Do arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal, sentença proferida em 1487, no processo contra o Prior de Trancoso – Autos arquivados no armário 5°, maço 7.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Deficiências - Mario Quintana

DEFICIÊNCIAS - Mario Quintana
(escritor gaúcho 30/07/1906 - 05/05/1994 )

"Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino. 

"Louco" é quem não procura ser feliz com o que possui. 

"Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores. 
 
"Surdo"
é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês. 

"Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia. 
 
"Paralítico"
é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda. 
 
"Diabético"
é quem não consegue ser doce.

 
"Anão"
é quem não sabe deixar o amor crescer. E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois: 
 
"Miseráveis"
são todos que não conseguem falar com Deus. 

A amizade é um amor que nunca morre.


segunda-feira, 21 de junho de 2010

Daniel na Cova dos Leões

As gêmeas siamesas,
a Lei de Imprensa
E Daniel na cova dos leões

A imprensa deve ser livre; e, às vezes, dissoluta. A liberdade de imprensa, contudo, passa por um quadro de sedimentação sociológica. Quanto mais evoluída uma civilização, mais livre sua imprensa. Daí, poder chegar-se à conclusão de que ditaduras refletem involuções. No mais, ditadores morrem afogados no próprio vômito. A inflexibilidade da ditadura é causa principal de sua ruína. Quando não agüenta a tensão daqueles que querem impor um regime democrático, ela se despedaça. Ditadores, no entanto, são bons em matemática. Esse é o mundo no qual eles, melhor do que ninguém, sabem dar as cartas: o dos números. Se você der um troco errado para um democrata, ele verá no erro uma espécie de contribuição com a melhor distribuição de renda. Mas se você der um troco errado para um ditador, ele pensará ou que você é burro, ou que quer intervir no patrimônio dele, algo passível de pena capital.

O ditador, no fundo, é um frágil com bases narcísicas estilhaçadas. Os ditadores reprimem a imprensa porque a temem. Covardia. Homens corajosos não reprimem os inimigos. Homens corajosos enfrentam os inimigos. Homens corajosos e fortes enfrentam e derrotam. Por isso, não abro mão do que disse. A imprensa, além de livre, deve ser dissoluta. Nem sempre. Só às vezes. Mas que deve, deve. Aprendi com H. L. Mencken que “imoralidade é a moralidade daqueles que estão se divertindo mais do que nós”. E qual o sentido da imprensa se ela não for ácida? De uma acidez tal que seja capaz de fazer com que leitor não consiga controlar o riso? Imbecis costumam dizer que jornalistas são pessimistas. Bobagem. Paulo Francis estava certo quando disse que “todo otimista é um mal-informado”. Dario, comandante militar de Ciro, era otimista. E, por causa disso, Daniel quase se deu mal.

Está tudo ali, no livro que leva o nome do profeta. Capítulo 6. Dario, objetivando promover um processo de descentralização administrativa, nomeou 120 governadores, acima dos quais havia três ministros. Dentre os ministros, o mais prestigiado era Daniel. Com inveja, os demais induziram o monarca a assinar uma lei que condenava à cova dos leões todo aquele que, durante 30 dias, adorasse outra entidade, que não fosse o próprio Dario. O rei, crendo que estava fazendo algo bom para sua popularidade, assinou o ato irrevogável. Daniel, todavia, honrava mais o seu deus do que o rei. Desconsiderando a tal lei, por conseguinte, chegou em casa e foi orar. Os invejosos o denunciaram a Dario que, deprimido, não pôde fazer nada, além de determinar que Daniel fosse jogado na cova dos leões. Sucede que Daniel foi salvo por intervenção divina. E o rei, como vingança, condenou à morte aqueles que invejavam Daniel.

É, de fato, a boa-vontade algumas vezes pode resultar em tragédias. A intenção do rei era nobre: enaltecer seu nome entre os governados. Nada de formidável. Mas, não fosse a fé de Daniel, o resultado teria sido o inverso: a desgraça de Dario, que perderia seu mais capaz ministro. Isso prova que a majestade também pode não captar todas as conseqüências de uma decisão por ela prolatada. Foi o que se deu, agora, com recente liminar concedida em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental que o Partido Democrático Trabalhista - PDT ajuizou no Supremo Tribunal Federal – STF em face da lei de imprensa. Com essa ação, o PDT pretende fazer com que o supremo declare que a Lei de Imprensa, editada no período ditatorial, não foi recepcionada pela constituição de 1988. Tudo bem. O código penal também veio à luz num período não muito democrático. Menos ditatorial do que aquele em que nasceu a lei de imprensa. Mas, nem por isso, libertário.

Ainda assim, os generais da ditadura deram aos jornalistas um tratamento melhor. Como foi dito acima, ditadores entendem mais de matemática do que democratas. Um exemplo vai elucidar a questão: o jornalista que calunia um servidor público através de um veículo de comunicação, pelo artigo 20 da Lei de Imprensa, será sancionado com uma pena que irá de seis meses a três anos de detenção, sendo que poderá chegar a quatro anos por ter sido o crime praticado contra servidor. Pouco importa. Segundo o artigo 41 da Lei de Imprensa, esse crime estará prescrito em dois anos e pronto. Porém, se o STF decidir que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição Federal, a conduta do jornalista irá para o art. 138 do código penal (calúnia): detenção de seis meses a dois anos, podendo o máximo atingir dois anos e oito meses, por ter sido o crime praticado contra servidor. Prescrição? Oito anos! É o que diz o artigo 109, inciso IV, do código penal.

Por enquanto, a liminar apenas suspendeu os processos ajuizados contra jornalistas que, em tese, praticaram ilícitos de imprensa. No entanto, se o pleno do Supremo Tribunal federal a corroborar e julgar que a Lei de Imprensa não é compatível com a ordem constitucional vigente, preparem-se os jornalistas. Com a Lei de Imprensa, o menos hábil dos advogados conduziria qualquer processo para a prescrição. Todo processo desse tipo dura muito mais do que dois anos. Com a nova realidade, isso será praticamente impossível. Oito anos são oito anos. Isso é matemática. As razões que inspiraram a decisão liminar foram democráticas, doutas, libertárias. Mas erraram no cálculo. Foi um tiro na mão, já que jornalista não escreve com o pé. Quando os jornalistas entenderem a matemática do problema, vingará novamente o gênio de Paulo Francis: “o mal da imprensa é que ela não ousa mais desagradar o leitor”.

Desagradar: eis o papel da imprensa livre. Mas o receio causado pelo hiato decorrente de uma eventual declaração de não recepção da Lei de Imprensa, sem um anteparo que oferte segurança aos jornalistas, roubará deles a energia. Esse, entretanto, não é o único impasse. Há outros, a exemplo das vantagens que a Lei de Imprensa outorga com os institutos da decadência, da retratação, etc. Aqui, iniciei o debate, que deverá protair-se no tempo, para abordar, inclusive, as conseqüências da decisão no cível. Esse intróito foi mais metafórico e ilustrativo, procurando atender a uma finalidade didática. E, por falar em metáfora, foi dito, na liminar do PDT, que democracia e imprensa são “irmãs siamesas”. Intrigante. A sociedade mineira de pediatria afirma que a cada 25 mil partos, um é de gêmeas siamesas. Destas, 40% morrem antes do nascimento. Das que nascem, 35% não sobrevivem: mais de 60% de mortalidade. Tomara que, nessa história, não morra o jornalismo dissoluto. Aquele que faz a gente se divertir.

* Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segun-da-feira, 2 e 3 de março de 2008, Caderno B. pág. 7.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Morre José Saramago

Morre aos 87 anos o escritor português José Saramago, Nobel de Literatura em 1998

Do UOL Notícias
Em São Paulo

Morreu nesta sexta-feira (18) em Lanzarote (Ilhas Canárias, na Espanha), o escritor português José Saramago, aos 87 anos. Em 1998, Saramago ganhou o único Prêmio Nobel da Literatura em língua portuguesa.

A Fundação José Saramago confirmou em comunicado que o escritor morreu às 12h30 (horário local, 7h30 em Brasília) na residência dele em Lanzarote "em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila".

Nos últimos anos, o escritor foi hospitalizado várias vezes, principalmente devido a problemas respiratórios.
O velório de José Saramago será realizado a partir das 17h no horário local (13h em Brasília) em Tías, na ilha de Lanzarote. A solenidade será na biblioteca Tías, que leva o nome do escritor.

Saramago publicou no final de 2009 seu último romance, "Caim", obra com um olhar irônico sobre o Velho Testamento e, por isso, muito criticada pela Igreja.

Ateu e integrante do Partido Comunista Português, o escritor nasceu em 1922, em Azinhaga, uma aldeia ao sul de Portugal, numa família de camponeses. Autodidata, antes de se dedicar exclusivamente à literatura trabalhou como serralheiro, mecânico, desenhista industrial e gerente de produção em uma editora.

Começou a atividade literária em 1947, com o romance Terra do Pecado. Voltou a publicar livro de poemas em 1966. Atuou como crítico literário em revistas e trabalhou no Diário de Lisboa. Em 1975, tornou-se diretor-adjunto do jornal "Diário de Notícias". A partir de 1976 passou a viver de seus escritos, inicialmente como tradutor, depois como autor.

Em 1980, alcança notoriedade com o livro Levantado do Chão, considerado por críticos como seu primeiro grande romance. Memorial do Convento confirmaria esse sucesso dois anos depois.

Em 1991, publica O Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro censurado pelo governo português -- o que leva Saramago a exilar-se em Lanzarote, onde viveu até hoje.

Entre seus outros livros estão os romances O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), A Jangada de Pedra (1986), Todos os Nomes (1997), e O Homem Duplicado (2002); a peça teatral In Nomine Dei (1993) e os dois volumes de diários recolhidos nos Cadernos de Lanzarote (1994-7).

O livro Ensaio sobre a Cegueira (1995) foi transformado em filme pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles em 2008 (veja mais ao lado).

A primeira biografia de Saramago, do escritor também português João Marques Lopes, foi lançada neste ano. A edição brasileira de "Saramago: uma Biografia" chegou às livrarias no mês passado, com uma tiragem de 20 mil exemplares pela editora LeYa.

Segundo o autor, Saramago chegou a pensar na hipótese de migrar para o Brasil na década de 1960. "Em cartas a Jorge de Sena e a Nathaniel da Costa datadas de 1963, Saramago considera estes tempos em que escreveu e reuniu as poesias que fariam parte de 'Os Poemas Possíveis' como desgastantes em termos emocionais e chega mesmo a ponderar a hipótese de migrar para o Brasil. Esta informação surpreendeu-me bastante, pois não fazia a mínima ideia de que o escritor chegara a ponderar a hipótese de emigrar para o Brasil e por a mesma coincidir com o período da história brasileira em que esteve mais iminente uma transformação socialista do país", disse Lopes em entrevista à Folha.com.

Após lançamento da biografia, Saramago classificou a obra como "um trabalho honesto, sério, sem especulações gratuitas".
             

Nobel

Saramago ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em outubro de 1998, aos 75 anos.

Em comunicado à época, Real Academia Sueca assim justificou a premiação: "A arte romanesca multifacetada e obstinadamente criada por Saramago, confere-lhe um alto estatuto. Em toda a sua independência, Saramago invoca a tradição que, de algum modo, no contexto atual, pode ser classificada de radical. A sua obra literária apresenta-se como uma série de projetos onde um, mais ou menos, desaprova o outro, mas onde todos representam novas tentativas de se aproximarem da realidade fugidia".
                

Ajuda ao Haiti

Saramago relançou em janeiro deste ano nova edição do livro A Jangada de Pedra, que tem toda a sua renda revertida para as vítimas do terremoto no Haiti. O relançamento da obra foi resultado da campanha "Uma balsa de pedra a caminho do Haiti", que doa integralmente os 15 euros que custará o livro (na União Europeia) ao fundo de emergência da Cruz Vermelha para ajudar o Haiti.

Em nota, Saramago havia explicado que a iniciativa é da sua fundação e só foi possível graças à "pronta generosidade das entidades envolvidas na edição do livro".
                  

Obras publicadas

Poesias
- Os poemas possíveis, 1966
- Provavelmente alegria, 1970
- O ano de 1993, 1975

Crônicas
 - Deste mundo e do outro, 1971
- A bagagem do viajante, 1973
- As opiniões que o DL teve, 1974
- Os apontamentos, 1976

Viagens
- Viagem a Portugal, 1981

Teatro
- A noite, 1979
- Que farei com este livro?, 1980
- A segunda vida de Francisco de Assis, 1987
- In Nomine Dei, 1993
- Don Giovanni ou O dissoluto absolvido, 2005

Contos
- Objecto quase, 1978
- Poética dos cinco sentidos - O ouvido, 1979
- O conto da ilha desconhecida, 1997

Romance
- Terra do pecado, 1947
- Manual de pintura e caligrafia, 1977
- Levantado do chão, 1980
- Memorial do convento, 1982
- O ano da morte de Ricardo Reis, 1984
- A jangada de pedra, 1986
- História do cerco de Lisboa, 1989
- O Evangelho segundo Jesus Cristo, 1991
- Ensaio sobre a cegueira, 1995
- A bagagem do viajante, 1996
- Cadernos de Lanzarote, 1997
- Todos os nomes, 1997
- A caverna, 2001
- O homem duplicado, 2002
- Ensaio sobre a lucidez, 2004
- As intermitências da morte, 2005
- As pequenas memórias, 2006
- A Viagem do Elefante, 2008
- O Caderno, 2009
- Caim, 2009

 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/internacional/2010/06/18/morre-o-escritor-portugues-jose-saramago.jhtm

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Ministro do STF antecipa saída e sucessão

     
Hoje deve ser última sessão de Eros Grau, que viaja amanhã e só deverá voltar em agosto, quando se aposenta. Arnaldo Malheiros Filho, Cesar Asfor Rocha, Luís Roberto Barroso e Luiz Fachin são os favoritos à vaga. 

FELIPE SELIGMAN
DE BRASÍLIA

O ministro Eros Grau, 69, informou aos colegas que hoje deverá ser sua última sessão no plenário do Supremo Tribunal Federal, detonando o processo de sua sucessão. Eros se aposenta oficialmente em 19 de agosto, quando completa 70 anos. Amanhã, porém, vai para Paris, de onde só deve voltar no mês em que deixará a corte.Segundo ministros e amigos ouvidos pela Folha, ele já afirmou que não deve mais participar de julgamentos em colegiado quando voltar. São nítidos os sinais dados pelo próprio Eros de que seu "pôr do sol", expressão utilizada por ele mesmo, chegou. Na semana passada, por exemplo, se despediu da 2ª Turma, quando disse que não iria mais voltar ali. Em curto discurso, disse ser grato pela amizade dos colegas, com quem teve um "convívio de muita lealdade". 
        
Além disso, grande parte dos processos julgados ontem, como os previstos para hoje, eram de sua relatoria. Ao deixar o STF, Eros possibilitará ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva sua nona e última indicação à corte. Pelo menos quatro nomes são favoritos para sucedê-lo: o criminalista Arnaldo Malheiros Filho; o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Cesar Asfor Rocha; o constitucionalista Luís Roberto Barroso e o professor da Universidade Federal do Paraná Luiz Edson Fachin. 
         
Lula deve indicar alguém com idade entre 35 e 65 anos, notório saber jurídico e reputação ilibada, que, após a indicação, passará por sabatina no Senado. O presidente não tem prazo pra fazer essa indicação.  
     
NOMES 


Segundo a Folha apurou, Malheiros Filho é o nome que mais ganhou forças nos últimos dias, tendo o apoio do próprio Eros e do advogado e seu amigo Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, cuja opinião sempre é levada em conta por Lula. Malheiros Filho tem a seu favor a carência de um criminalista nos quadros do Supremo. É bem-visto no PT e no PSDB e agrada os atuais ministros, grandes empresários e colegas advogados. Asfor Rocha também está na briga, por ser o mais antigo ministro do STJ e atual presidente do tribunal. Lula sabe que ele quer a indicação, mas há resistência de ministros do STF e até de auxiliares de Lula, que o apontam como "muito político". Barroso e Fachin foram citados em todas as últimas indicações de Lula como "fortes candidatos", mas correm por fora. O primeiro é um dos mais reconhecidos especialistas em direito constitucional do país e nome constante nos principais julgamentos.
   
Defendeu, por exemplo, a validade constitucional de pesquisas com células-tronco embrionárias, tese que prevaleceu no STF. Também foi o advogado do italiano Cesare Battisti no processo de extradição. Sua participação foi fundamental para que o STF decidisse que a última palavra deveria ser de Lula.
       
Fachin é advogado especializado em direito civil e de família. Gaúcho, fez carreira no Paraná e tem o apoio do ex-governador do Estado, Roberto Requião (PMDB). 

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po1706201010.htm

domingo, 13 de junho de 2010

O Profeta Balaão e o Jumento nosso Irmão

O profeta Balaão, o prefeito Edvaldo
e o jumento nosso irmão



Certo jornalista estúpido afirmou que um texto não presta quando obriga o leitor a consultar um dicionário. Tudo bem. Às vezes é preciso concordar com a estupidez. Dicionários também contêm disparates. A maioria deles, senão todos, dão à palavra “jumento” o significado de “indivíduo sem inteligência”. Que injustiça. O jumento é um animal santo. Montado num jumento, Cristo entrou na cidade de Jerusalém. Um jumento, ou melhor, uma jumenta salvou a vida do profeta Balaão. O episódio, como de costume, está na bíblia. No livro dos números. Capítulo 22. A história passa pelo pavor do povo moabita, governado por um poltrão, Balaque, filho de Zipor (os nomes bíblicos são escatológicos). Diz o quarto livro do pentateuco que Balaque, tendo conhecimento da fragorosa derrota que os judeus haviam imposto aos amorreus, resolveu contratar o profeta Balaão para amaldiçoar Israel.

Balaão, após uma inicial recalcitrância, aceitou a proposta, montou na jumenta e encaminhou-se ao acampamento judaico para fazer a bruxaria. No caminho, contudo, um anjo, de espada em punho, surgiu para matá-lo. Esse anjo houvera sido enviado pela divindade, que jamais admitiria que seu povo sucumbisse diante de uma nação apóstata. Sucede que Balaão não pôde ver o anjo. Mas a jumenta viu. Até nisso os jumentos são melhores do que os homens: enxergam mais. Daí, como a jumenta parou assustada, Balaão começou a espancá-la. Conseqüentemente, e diante de tamanha injustiça com a jeguinha, Deus fez como que ela falasse. Falou. E falou para repreender Balaão. Nisso também os jumentos são melhores do que os homens: na capacidade de dar conselhos. Balaão, incrivelmente, foi persuadido pela jumenta a não seguir; do contrário, morreria nas mãos do anjo.

Ora, na bíblia uma jumenta persuadiu um profeta. Como seria bom se a jumenta de Balaão ainda estivesse viva para dar aula de direito eleitoral a alguns políticos sergipanos. Não bastou o artigo da semana passada. E-mails, recados e telefonemas empaturraram a paciência deste sofrido articulista: um jumento. “Você está errado. Edvaldo, no primeiro mandato, substituiu Déda. Logo, ele não pode ser candidato em outubro”. Santa jumentalidade, como escrevera Otto Lara Resende, em 6 de abril de 1992, para a Folha de São Paulo. Obrigaram-me a retomar o tema. Obrigaram-me, ademais, a pesquisar a vida do Pe. Antônio Vieira. Não a do português, mas a do cearense. Aquele que nasceu em Várzea Alegre (Cariri). O sacerdote foi um dos maiores defensores do jumento. Pugnava pelo fim da sua matança, diante da sacralidade do animalzinho. Sua obra principal é “O jumento nosso irmão”, de 1964.

Mas o padre não parou por aí. Fundou o clube mundial dos jumentos. Para adquirir a carteirinha de sócio, explica Otto, o indivíduo deveria “reconhecer a própria burrice”. A evolução seria natural. Admitido na confraria, o novo associado faria um juramento: “até ontem fui burro; a partir de hoje, sou jumento”. O ianque William Teasdale chegou a traduzir a obra do padre para o inglês: “The donkey, our brother”. Mas para assimilar que Edvaldo pode ser candidato, não será necessário ler nenhum texto em inglês. Basta saber português, ainda que sem dicionário. Afinal de contas, não é preciso exigir tanto. O título não é de doutor, mas de jumento. Mãos à obra. Imagine o leitor que está no ano de 2002. Não faz muito tempo. 10 de setembro. Sala das sessões do TSE. Ali estão Nelson Jobim, Sepúlveda Pertence, Ellen Gracie, Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro, Luiz Carlos Madeira e Caputo Bastos.
Burro, resultado do cruzamento de uma égua mais um jumento.

Em julgamento: recurso especial eleitoral nº 19.939/SP (caso “Geraldo Alckmin”). As coligações “São Paulo quer mudanças” e “resolve São Paulo” pretextavam “que o Sr. Geraldo Alckmin é inelegível para um terceiro mandato, a teor do art. 14, § 5º, da CF, uma vez que foi eleito por duas vezes consecutivas vice-governador de São Paulo, tendo substituído o titular do executivo no primeiro mandato e, por fim, o sucedido no segundo, em virtude de seu falecimento”. Situação idêntica à de Edvaldo, salvo por duas arestas. Em primeiro lugar, Edvaldo foi eleito duas vezes vice-prefeito, e não vice-governador; em segundo, Edvaldo sucedeu Déda, no segundo mandato, não porque este tenha morrido, mas porque renunciou para ser governador, isto é, está mais vivo do que nunca. No mais, é tudo igual: substituição no primeiro mandato e sucessão no segundo. Assim, o que decidiu, por unanimidade, o TSE?

A corte, sem qualquer reticência, definiu que “havendo o vice – reeleito ou não – sucedido o titular, poderá se candidatar à reeleição, como titular, por um único mandato subseqüente (Res./TSE nº 21.026)”. Além disso, a relatora, ministra Ellen Gracie, atual presidenta do STF, destacou que “conforme ressaltado pelo eminente ministro Sepúlveda Pertence, na consulta nº 689, o preceito insculpido no art. 14, § 5º, da CF é de redação infeliz quando trata de quem ‘houver sucedido ou substituído, no curso do mandato’ o titular do executivo”. “Naquela oportunidade”, prossegue a relatora, “ficou estabelecido que o instituto da reeleição não pode ser negado a quem só precariamente tenha substituído o titular no curso do mandato, pois o vice não exerce o governo em sua plenitude. A reeleição deve ser interpretada strictu sensu, significando eleição para o mesmo cargo”.

“O exercício da titularidade do cargo, por sua vez”, arremata a ministra, “somente se dá mediante eleição ou, ainda, por sucessão. O importante é que este seja o seu primeiro mandato como titular, como de fato o é, no caso do Sr. Geraldo Alckmin. Conforme destacado pelo ministro Fernando Neves, ‘o fato de estar em seu segundo mandato de vice é irrelevante, pois sua reeleição se deu como tal, isto é, ao cargo de vice’ (CTA 689)”. Alguém ainda vai questionar? Edvaldo, assim como Alckmin, foi duas vezes eleito vice, substituiu o titular no primeiro mandato e o sucedeu no segundo. Edvaldo, assim como Alckmin, pode ser candidato ao cargo principal, pois, só agora, está exercendo esse cargo em sua plenitude. No mais, é pura jumentalidade, ou melhor, burrice. Não é lícito, numa situação de brutal clareza acadêmica, ofender o jumento. O jumento e sábio. O jumento já percebeu que Edvaldo pode ser candidato.

Não se sabe, por outro lado, o que falar do burro, espírito menos evoluído, espécie ancestral, estado arquetípico outorgado àqueles que ainda não fizeram o juramento dos sócios honorários do clube internacional do jumento. Superado o imbróglio, ficam todos os que achavam que Edvaldo não podia ser candidato convidados a se associarem com rapidez. Não é necessário saber inglês e, tampouco, latim, língua em que vai impresso o certificado. O clube já tem até hino. Letra e música de Luiz Gonzaga: “é verdade, meu senhor/ essa história do sertão/ padre Vieira falou/que o jumento é nosso irmão/ a vida desse animal/ padre Vieira escreveu/ mas na pia batismal/ ninguém sabe o nome seu/ bagre, bó, rodó ou jegue/ baba, ureche ou oropeu/ andaluz ou marca-hora/ breguedé ou azulão/ alicate de embaú/ inspetor de quarteirão/ tudo isso, minha gente/ é o jumento nosso irmão”.

* Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 10 e 11 de fevereiro de 2008, Caderno B. pág. 9.


quinta-feira, 10 de junho de 2010

Partida da Morte

Comovente: A equipe de futebol que
preferiu morrer a perder
    
A história do futebol mundial inclui milhares de episódios emocionantes e comovedores, mas seguramente nenhum seja tão terrível como o protagonizado pelos jogadores do Dínamo de Kiev nos anos 40. Os jogadores jogaram uma partida sabendo que se ganhassem seriam assassinados e, no entanto, decidiram ganhar. Na morte deram uma lição de coragem, de vida e honra, que não encontra, por seu dramatismo, outro caso similar no mundo.
    
Para compreender sua decisão, é necessário conhecer como chegaram a jogar aquela decisiva partida, e por que um simples encontro de futebol apresentou para eles o momento crucial de suas vidas.
   
Tudo começou em 19 de setembro de 1941, quando a cidade de Kiev (capital ucraniana) foi ocupada pelo exército nazista, e os homens de Hitler aplicaram um regime de castigo impiedoso e arrasaram com tudo. A cidade converteu-se num inferno controlado pelos nazistas, e durante os meses seguintes chegaram centenas de prisioneiros de guerra, que não tinham permissão para trabalhar nem viver nas casas, assim todos vagavam pelas ruas na mais absoluta indigência. Entre aqueles soldados doentes e desnutridos, estava Nikolai Trusevich, que tinha sido goleiro do Dínamo.
     
Josef Kordik, um padeiro alemão a quem os nazistas não perseguiam, precisamente por sua origem, era torcedor fanático do Dínamo. Num dia caminhava pela rua quando, surpreso, olhou um mendigo e de imediato se deu conta de que era seu ídolo: o gigante Trusevich.
     
Ainda que fosse ilegal, mediante artimanhas, o comerciante alemão enganou aos nazistas e contratou o goleiro para que trabalhasse em sua padaria. Sua ânsia por ajudá-lo foi valorizada pelo goleiro, que agradecia a possibilidade de se alimentar e dormir debaixo de um teto. Ao mesmo tempo, Kordik emocionava-se por ter feito amizade com a estrela de sua equipe.
    
Na convivência, as conversas sempre giravam em torno do futebol e do Dínamo, até que o padeiro teve uma idéia genial: encomendou a Trusevich que em lugar de trabalhar como ele, amassando pães, se dedicasse a buscar o resto de seus colegas. Não só continuaria lhe pagando, senão que juntos podiam salvar os outros jogadores.
       
O arqueiro percorreu o que restara da cidade devastada dia e noite, e entre feridos e mendigos foi descobrindo, um a um, a seus amigos do Dínamo. Kordik deu trabalho a todos, se esforçando para que ninguém descobrisse a manobra. Trusevich encontrou também alguns rivais do campeonato russo, três jogadores da Lokomotiv, e também os resgatou. Em poucas semanas, a padaria escondia entre seus empregados uma equipe completa.
   
Reunidos pelo padeiro, os jogadores não demoraram em dar o seguinte passo, e decidiram, alentados por seu protetor, voltar a jogar. Era, além de escapar dos nazistas, a única coisa que bem sabiam fazer. Muitos tinham perdido suas famílias nas mãos do exército de Hitler, e o futebol era a última sombra mantida de suas vidas anteriores.
        
Como o Dínamo estava enclausurado e proibido, deram um novo nome para aquela equipe. Assim nasceu o FC Start, que através de contatos alemães começou a desafiar a equipes de soldados inimigos e seleções formadas no III Reich.
                    
Em sete de junho de 1942, jogaram sua primeira partida. Apesar de estarem famintos e cansados por terem trabalhado toda a noite, venceram por 7 a 2. Seu seguinte rival foi a equipe de uma guarnição húngara, ganharam de 6 a 2. Depois meteram 11 gols numa equipa romena. A coisa ficou séria quando em 17 de julho enfrentaram uma equipe do exército alemão e golearam por 6 a 2. Muitos nazistas começaram a ficar chateados pela crescente fama do grupo de empregados da padaria e buscaram uma equipe melhor para ganhar deles. Trouxeram da Hungria o MSG com a missão de derrotá-los, mas o FC Start goleou mais uma vez por 5 a 1, e mais tarde, ganhou de 3 a 2 na revanche.
                                
Em seis de agosto, convencidos de sua superioridade, os alemães prepararam uma equipe com membros da Luftwaffe, o Flakelf, que era um grande time, utilizado como instrumento de propaganda de Hitler. Os nazistas tinham resolvido buscar o melhor rival possível para acabar com o FC Start, que já gozava de enorme popularidade entre o sofrido povo refém dos nazistas. A surpresa foi grande, porque apesar da violência e falta de esportividade dos alemães, o Start venceu por 5 a 1.
                             
Depois dessa escandalosa queda do time de Hitler, os alemães descobriram a manobra do padeiro. Assim, de Berlim chegou uma ordem de acabar com todos eles, inclusive com o padeiro, mas os hierarcas nazistas locais não se contentaram com isso. Não queriam que a última imagem dos russos fosse uma vitória, porque acreditavam que se fossem simplesmente assassinados não fariam nada mais que perpetuar a derrota alemã. A superioridade da raça ariana, em particular no esporte, era uma obsessão para Hitler e os altos comandos. Por essa razão, antes de fuzilá-los, queriam derrotar o time em um jogo.
     
Com um clima tremendo de pressão e ameaças por todas as partes, anunciou-se a revanche para 9 de agosto, no repleto estádio Zenit. Antes do jogo, um oficial da SS entrou no vestiário e disse em russo: - "Vou ser o juiz do jogo, respeitem as regras e saúdem com o braço levantado", exigindo que eles fizessem a saudação nazista.
    
Já no campo, os jogadores do Start (camisa vermelha e calção branco) levantaram o braço, mas no momento da saudação, levaram a mão ao peito e no lugar de dizer: - "Heil Hitler!", gritaram - "Fizculthura!", uma expressão soviética que proclamava a cultura física.
    
Os alemães (camisa branca e calção negro) marcaram o primeiro gol, mas o Start chegou ao intervalo do segundo tempo ganhando por 2 a 1. Receberam novas visitas ao vestiário, desta vez com armas e advertências claras e concretas: - "Se vocês ganharem, não sai ninguém vivo". Ameaçou outro oficial da SS. Os jogadores ficaram com muito medo e até propuseram-se a não voltar para o segundo tempo. Mas pensaram em suas famílias, nos crimes que foram cometidos, na gente sofrida que nas arquibancadas gritava desesperadamente por eles e decidiram, sim, jogar.
    
Deram um verdadeiro baile nos nazistas. E no final da partida, quando ganhavam por 5 a 3, o atacante Klimenko ficou cara a cara com o arqueiro alemão. Deu lhe um drible deixando o coitado estatelado no chão e ao ficar em frente a trave, quando todos esperavam o gol, deu meia volta e chutou a bola para o centro do campo. Foi um gesto de desprezo, de deboche, de superioridade total. O estádio veio abaixo.
     
Como toda Kiev poderia a vir falar da façanha, os nazistas deixaram que saíssem do campo como se nada tivesse ocorrido. Inclusive o Start jogou dias depois e goleou o Rukh por 8 a 0. Mas o final já estava traçado: depois dessa última partida, a Gestapo visitou a padaria.
     
O primeiro a morrer torturado em frente a todos os outros foi Kordik, o padeiro. Os demais presos foram enviados para os campos de concentração de Siretz. Ali mataram brutalmente a Kuzmenko, Klimenko e o arqueiro Trusevich, que morreu vestido com a camiseta do FC Start. Goncharenko e Sviridovsky, que não estavam na padaria naquele dia, foram os únicos que sobreviveram, escondidos, até a libertação de Kiev em novembro de 1943. O resto da equipe foi torturada até a morte.
     
Ainda hoje, os possuidores de entradas daquela partida têm direito a um assento gratuito no estádio do Dínamo de Kiev. Nas escadarias do clube, custodiado em forma permanente, conserva-se atualmente um monumento que saúda e recorda àqueles heróis do FC Start, os indomáveis prisioneiros de guerra do Exército Vermelho aos quais ninguém pôde derrotar durante uma dezena de históricas partidas, entre 1941 e 1942.
         
Foram todos mortos entre torturas e fuzilamentos, mas há uma lembrança, uma fotografia que, para os torcedores do Dínamo, vale mais que todas as jóias em conjunto do Kremlin. Ali figuram os nomes dos jogadores. Abaixo a única foto que se conserva da heróica equipe do Dínamo e o nome de seus jogadores.

Goncharenko e Sviridovsky, os únicos sobreviventes, junto ao monumento que recorda a seus colegas.
    
Na Ucrânia, os jogadores do FC Start hoje são heróis da pátria e seu exemplo de coragem é ensinado nos colégios. No estádio Zenit uma placa diz "Aos jogadores que morreram com a cabeça levantada ante o invasor nazista".
     Poster propaganda da revanche.


Esta é a história da dramática "Partida da Morte". O cineasta John Huston inspirou-se neste fato real para rodar seu filme "Fuga para a vitória" (Escape to Victory) de 1982 que chamou muita atenção à época do lançamento porque dele participaram grandes nomes do cinema como Michael Caine, Sylvester Stallone e Max Von Sydow, mas muito mais pela participação de algumas estrelas do futebol, como Bobby Moore, Osvaldo Ardiles, Kazimierz Deyna e Pelé. No filme John Huston fez o que não pôde o destino: salvar os heróis.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...