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segunda-feira, 8 de abril de 2013

Os novos donos do poder


Artigo Pessoal

Os novos donos do poder
Clóvis Barbosa
 
Alguém já disse que "a desgraça dos que não se interessam por política é serem governados pelos que se interessam". Para explicar o porquê do Brasil não deslanchar, sob os aspectos éticos, são inúmeras as obras escritas por cientistas políticos e sociais. Destaco algumas delas: Caio Prado Júnior (Formação do Brasil Contemporâneo), Darcy Ribeiro (O Povo Brasileiro – A Formação e o Sentido do Brasil), Moreira Leite (O Caráter Nacional Brasileiro – A História de uma Ideologia), Victor Nunes Leal (Coronelismo, Enxada e Voto), Josué de Castro (Geografia da Fome), Raymundo Faoro (Os Donos do Poder), Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) e Nelson Werneck Sodré (Introdução à Revolução Brasileira). Por que o Brasil ainda não deu certo? Era a pergunta que Darcy Ribeiro fazia ao chegar no exílio, no Uruguai, em abril de 1964. Com essa idéia na cabeça começou a pensar numa forma de responder à pergunta. Trinta anos depois produziu, talvez, a sua maior obra, que tomou o título de “O povo brasileiro – a formação e o sentido do Brasil”, que, para ele, foi a forma que encontrou para influenciar as pessoas que aspiram a ajudar o Brasil a se encontrar. Mas, infelizmente, a sua pergunta continua sem resposta?
 
Único país de colonização portuguesa em todo o continente americano, com uma área de 8 milhões e 500 mil quilômetros quadrados, o Brasil ocupa quase a metade da América do Sul. Tem a sua população formada por três raças básicas: o negro, o índio e o europeu. Os portugueses mandaram uma mistura do lusitano, do romano, árabe e negro. Os negros foram trazidos da África como escravos, entre o século XVI até meados do século XIX, sendo o país considerado o mais escravocrata do mundo. Já os indígenas pertencem ao chamado grupo de paleoameríndios, cujo estágio, quando da descoberta, era o neolítico, ou seja, o da pedra polida. Mais tarde, vieram os italianos, espanhóis, alemães, eslavos, japoneses, chineses e sírios, além de imigrantes de outros países em menor escala. Descoberto no início do século XVI (1500), o Brasil foi colônia de Portugal durante três séculos, exatos 322 anos (1500 a 1822). Durante 77 anos (1822 a 1899), embora independente, viveu sob a forma monárquica, governada por Dom Pedro I e II. De 1899 a 1930, exatos 31 anos, já sob a forma republicana, no período cognominado de Primeira República. Foi uma etapa da vida brasileira muito tumultuada, onde as forças dominantes, civis e militares, eram bastante heterogêneas.

Veio, em seguida, a Segunda República, de 1930 a 1937, com o cargo sendo ocupado por Getúlio Vargas após a renúncia imposta ao Presidente Washington Luís, com a interferência do cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Sebastião Leme. Foi uma etapa bastante conturbada da vida brasileira, dominada pelo extremismo de direita e de esquerda que se polarizavam influenciados pelos acontecimentos que ocorriam na Europa, com o nazismo, fascismo e comunismo. Redundou tudo isso numa das ditaduras mais violentas das Américas, de 1937 a 1945, o chamado Estado Novo, onde, depois de 7 anos no poder, Getúlio Vargas abiscoitava mais 8 anos como o ditador que mais vivenciou o poder no Brasil, em exatos 15 anos. Veio a redemocratização em 1945 e que permaneceu até 1964, durando 19 anos. Mais uma vez o Brasil não encontrou o seu caminho. Golpes e contragolpes eram tramados diuturnamente, sendo a fase mais radical das facções políticas existentes. Veio a ditadura militar, de 1964 a 1985, vivendo 21 anos entre nós. Mais uma vez o Brasil parava no tempo e no espaço, sem vivenciar o estado de direito democrático. A normalização institucional só veio a partir de 1985 com a sua redemocratização. Somos ainda imberbes em democracia.

Não sei se essa influência histórica tenha contribuído com essa nossa formação arrogante. A democracia perfeita é aquela que beneficia os nossos interesses egoísticos. O diálogo não é o instrumento de convencimento, mas o de imposição. E quando o nosso interesse se confronta com o do Estado, aí é que a coisa se transforma em pandemônio. Para nós o Estado não se estabelece para atingir o bem comum, mas o nosso. É a chamada viúva que não tem marido, e que todos se acham no direito de usufruí-la, ou como diz Chico Buarque, que dorme tão distraída, sem perceber que é subtraída vergonhosamente em inúmeras e intermináveis tenebrosas transações. É também assim com o Estado na relação com todos nós. Esquecem os mentecaptos, ou não querem saber, que o Estado somos todos nós. A tática das corporações de servidores públicos no estabelecimento de seus pleitos, por exemplo, sempre norteados por aumentos salariais, é de estarrecer qualquer perspectiva de civilidade e de seriedade na condução da coisa pública. Uma corporação ameaça investigar gestores ligados ao Poder Executivo; outro, manipula a classe e mente para a sociedade de que não está recebendo determinado reajuste, mas nunca recorre à Justiça para ver reconhecido o seu suposto direito.

Aquele outro vive de processar os próprios órgãos que deveria defender. Ameaçam as instituições, os seus dirigentes, a ordem democrática, estimulam a criminalidade quando deveriam controlá-la, a morte nos hospitais quando têm a obrigação de evitá-la, enfim, o caos foi instaurado. Repentinamente, a mentira, a peta, o logro, a corrupção, passam a ser regra. A decência, o respeito aos recursos públicos, à democracia e ao contribuinte, a exceção. Por outro lado, os políticos que gerem a máquina pública fazem de conta que o assunto não é com ele, até porque, carreiristas como são, não pretendem prejudicar o seu caminhar na busca de novos postos. É estabelecido, pois, um pacto de mediocridade entre esses atores da vida pública. Raymundo Faoro, na sua obra, “Os donos do poder”, aborda as relações de poder sobre duas óticas, uma de natureza do estamento, outra de ordem patrimonialista. Para ele, acima das classes sociais e do interesse público, está o estamento burocrático que se apropria da coisa pública a fim de sustentar os seus privilégios.

A verdade é que é preciso mudar urgentemente esse modelo que não deu certo em lugar nenhum, nem no comunismo. Não se pode pagar salários iguais a desiguais. Não se pode pagar o mesmo salário a quem trabalha e a quem nada produz, a não ser, como na fábula de Ludwig Bechestein, você também acredite no burro que espirrava dinheiro.

- Publicado no Jornal da Cidade, edição de domingo e segunda-feira, 1º e 2 de julho de 2012, Caderno B, p. 9.
- Postado no Blog Primeira Mão, http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=4049&t=os-novos-donos-do-poder, em 1º e julho de 2012, às 12h17min.  
- As fotos publicadas neste blog foram retiradas do Google

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