Aracaju/Se,

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O Anjo das Pernas Tortas

Opinião pessoal
O anjo das pernas tortas
Clóvis Barbosa
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Copa do Mundo, Mahatma Gandhi, Macunaíma, Charles Chaplin e Garrincha, alegria do povo. Estamos vivenciando hoje mais uma Copa do Mundo. O Brasil transformou-se, desde o dia 12 de junho, na maior festa de futebol do planeta. O esporte como interação dos povos. Explosões de alegria para uns e sentimento de frustração para outros. Trinta e dois países na disputa, mais de 600 atletas participando e milhares e milhares de torcedores de todo o mundo. São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza, Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Natal, Recife, Manaus e Cuiabá são os palcos onde estão desfilando os maiores jogadores de futebol do mundo. A cada Hino que toca a emoção aflora no coração dos atletas e dos torcedores. O Brasil é uma festa só!. Mas o que tem a ver Copa do Mundo com Mahatma Gandhi, Macunaíma e Charles Chaplin? Copa do Mundo e Garrincha vá lá, contudo, o que tem a ver Garrincha com Chaplin, Gandhi e Macunaíma? Calma! Vou explicar: 2012. Estou indo de táxi de Piabetá, na Baixada Fluminense, em direção ao Cemitério de Raiz da Serra, bem próximo a Pau Grande e no pé da Serra dos Órgãos. Vou com familiares visitar o túmulo de um cunhado que havia falecido. Lá me deparo com o humilde túmulo daquele que foi um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, o mais poético driblador, um virtuose da pelota, cuja habilidade encantou a todos que tiveram o privilégio de vê-lo em ação: Garrincha, o anjo das pernas tortas. Está escrito na lápide: “Aqui descansa em paz aquele que foi a alegria do povo. (28.10.33-20.01.85). Mané Garrincha”. Um filme passa em minha cabeça. Copas do Mundo de 1958, 1962 e 1966, as duas primeiras conquistadas pelo Brasil. Na primeira, o brilho de Garrincha foi ofuscado por um menino de extraordinário talento, Pelé. Na segunda, só deu Garrincha e o mundo se quedou, inerte, àquele que se tornou insubstituível na história do futebol, numa época em que predominavam os lançamentos efetuados pelos ponteiros na área adversária.
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Recordações passeavam em minha mente. Ano de 1963. No embalo das comemorações, ainda, do bicampeonato mundial, eu era um adolescente imberbe. Fui ver o meu Bahia jogar contra o Botafogo do Rio de Janeiro, que trazia como atrações Quarentinha, Amarildo, Garrincha, Nilton Santos, Zagallo, dentre outros. Mas eu fui ver mesmo o meu Bahia? Qual nada! Eu queria mesmo era ver, como vi, a poesia que Garrincha escreveu no gramado da Fonte Nova com as suas pernas tortas. O Bahia ganhou o jogo e Garrincha não fez uma grande partida. É verdade, mas saí do estádio radiante e muito emocionado. As imagens continuavam a emergir no meu pensamento. Garrincha decadente, alcoólatra, gordo, sem os traquejos que o consagrou, apresentando-se em campos das várzeas, em jogos caça-níqueis. Vi uma dessas apresentações na Bahia e que me deixou bastante entristecido e magoado com o meu país. E perquiria a mim mesmo: por que um homem que deu tanta alegria ao povo brasileiro, que extasiou o mundo com os seus dribles sensacionais se encontrava naquela situação deprimente? Com o tempo, a gente passa a compreender os comportamentos humanos. Garrincha era um artista. Não se interessava por dinheiro ou bens materiais. Ele nunca soube, como disse Elsa Soares, da sua grandeza. E por falar em Elsa, todos sabem do romance dela com Garrincha. Viveram juntos durante 16 anos num relacionamento de muita briga, polêmica e também de muito amor. Ela enfrentou a reação das donas de casa que a acusavam de “destruidora da família brasileira”, e de torcedores do Botafogo, que a culpavam quando Garrincha jogava mal. Em recente entrevista na Folha de São Paulo, na série ‘A Minha Copa’, onde ouviu o depoimento de várias personalidades, ela afirmou que compartilhou com Mané Garrincha sua filosofia Mahatma Gandhi, sem se importar com salários, mansões, patrocínios e carrões. “Nasci nu, estou vestido”, era a filosofia dele.
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Elsa disse que no final da Copa de 1962 o governador fluminense Carlos Lacerda presenteou os jogadores com o que eles bem desejassem. Ao ser inquirido sobre o presente, Garrincha respondeu: “Meu governador, só quero um passarinho que fale. Já me contenta, não quero mais nada”, e completou: “já tenho minha crioula”. Aí está a relação que se faz com o líder pacifista indiano Mahatma Gandhi, principal personagem da independência da Índia, então colônia britânica, que ficou conhecido pelo seu projeto de não violência, pela sua vida simples e pela sua humildade. Mas há quem queira tratar Garrincha como o famoso personagem da obra de Mário de Andrade, “Macunaíma”, que tenta retratar o povo brasileiro através de um herói sem caráter. Pura cretinice fazer alusão a uma identidade que não existe. Garrincha é um ser não ficcional, enquanto o outro, ‘Macunaíma’, é fruto da narrativa mítica. O grande cronista Nelson Rodrigues ao se referir a Garrincha, perguntava: “Vocês se lembram de Charles Chaplin, em ‘Luzes da Ribalta’ fazendo o número das pulgas amestradas?” Era assim que ele via Garrincha, considerado por ele como um dos maiores gênios da história do futebol mundial. Quem o cognominou como “o anjo das pernas tortas?” A paternidade do termo ora é tida como de Nelson Rodrigues, ora do poeta Carlos Drumond de Andrade, ora do poetinha Vinícius de Moraes. Fico com este, que escreveu: “A um passe de Didi, Garrincha avança/ Colado o couro aos pés, o olhar atento/ Dribla um, dribla dois, depois descansa/ Como a medir o lance do momento/ Vem-lhe o pressentimento; ele se lança/ Mais rápido que o próprio pensamento/ Dribla mais um, mais dois; a bola trança/ Feliz, entre seus pés – um pé-de-vento/ Num só transporte a multidão contrita/ Em ato de morte se levanta e grita/ Seu uníssono canto de esperança/ Garrincha, o anjo, escuta e atende: - Gooooool!/ Dentro da meta, um gol. É pura dança”.
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Faço minhas as palavras de Albert Einstein sobre Mahatma Gandhi e as transcrevo aqui para Garrincha, o anjo das pernas tortas: “As gerações futuras dificilmente poderão acreditar que alguém assim, de carne e osso, já andou por este mundo”.
  
Retratos da Vida
Nêgo Tata, o reserva de Garrincha.
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O Bamerindus abriu uma agência em Aracaju. Era a segunda do Nordeste. Depois de fazer um teste fui contratado pelo Banco. Ao meu lado, outras pessoas, todas jovens e sem qualquer experiência bancária. A turma deu certo e passou a ser referência na matriz. A agência era na Rua Itabaianinha, defronte do cinema Vitória, hoje Lojas Americanas. Dois anos depois o grupo Bamerindus comprou o Banco de Administração, que pertencia a um irmão de Augusto Franco. Com uma agência melhor e mais confortável, fomos então transferidos para ela e passamos a laborar com os então funcionários do banco adquirido. Num primeiro momento não éramos vistos com bons olhos pelos novos colegas. Todo tipo de humilhação e brincadeiras foram-nos impostos, como ir apanhar em outros bancos “a máquina de calcular diferença”, que era um pacote bem enrolado com papel de jornal contendo três paralelepípedos. Mandava também a gente buscar em outros bancos “tinta para carbono”. Enfim, o bancário neófito sofria nas mãos dos veteranos. Fomos apresentados a um colega de nome Nêgo Tata, um ex-jogador de futebol que atuou no famoso time do Botafogo de Manga, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Quarentinha e Zagallo. Ninguém ouvira falar dele, mas logo diziam que ele era ponta direita e reserva de Garrincha. Como não tivera oportunidade no alvinegro carioca, não ficou conhecido. Ficamos estupefatos. E Tata confirmava tudo e falava sem qualquer titubeio sobre as vezes em que atuou, inclusive numa turnê do clube pela América Latina. Dizia que tinha sido treinado por Gentil Cardoso, João Saldanha e outros técnicos famosos. Nilton Santos o tratava carinhosamente por ‘Tatinha’. Na época participávamos de um “baba” (pelada) todo sábado à tarde na praia de Atalaia. E começamos a convidar Nêgo Tata para participar. Dava mil desculpas. Depois de três meses, conseguimos levá-lo para o nosso entretenimento. Foi uma briga medonha. Todo mundo queria Tata. O meu time teve que dar ao adversário seus quatro melhores atletas em sua troca. Começa o jogo e Tata sempre fugindo da participação nos lances. Até que, depois de 10 minutos de partida sem ele pegar na bola, um adversário chutou com violência a bola que foi em direção de sua cabeça. Tata, ao invés de amortecê-la cabeceando, esperou quedado a bola bater na sua cabeça. Foi um Deus-nos-acuda! Tata desmaiou e tivemos que levá-lo ao Pronto Socorro do Cirurgia, onde ficou internado. Ele nunca tinha jogado futebol! E nunca mais tocou no assunto.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo, 22 de junho de 2014, Caderno A-7  
- Postado no Blog Primeira Mão, no dia 22 de junho de 2014, às 12h30min, sítio:


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