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quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

O Cinturão da OAB

Opinião pessoal


O Cinturão da OAB
 Clóvis Barbosa
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Não discuto o momento histórico da OAB: ela vem honrando o seu passado de luta? Deixou de ser uma entidade voltada para os interesses da sociedade? Não é mais a vanguarda da cidadania, nem a verdadeira intérprete das aspirações sociais? Abandonou a defesa das prerrogativas da profissão?  E assim me comporto por estar afastado temporariamente das atividades advocatícias. Estou conselheiro do Tribunal de Contas, mas o que eu sou mesmo é advogado. Ultimamente, uma enxurrada de críticas abate-se sobre a couraça dessa instituição. No próprio Tribunal de Contas de Sergipe, uma representante do Ministério Público teceu criticas desairosas à entidade. Não sei o porquê, mas querem espinafrar a OAB. Querem dispersar os advogados. Não há registros na história de uma profissão que tenha incomodado tanto. Nem a policia desagrada como a advocacia. Policiais só chateiam bandidos. Advogados, não. Esses aborrecem todas as espécies que possam se contrapor à defesa de suas teses. Sucede que a arma do advogado está na palavra. Sabedor disso, um psicopata, Napoleão Bonaparte, chegou a declarar que mandaria cortar a língua do advogado que a usasse contra o seu império. A sorte do déspota francês é que, naquela época, não existia algo que se igualasse à OAB. Mas se houvesse, ele, certamente, mandaria destruir a entidade. Em tempos de democracia, contudo, essa conversa de destruir está meio démodé. Só a conversa. No íntimo, a destruição ainda é uma gana da humanidade. “Destruir para vencer” é o lema de alguns. Mas por que a OAB como foco da destruição? Ora, a tirania não assimila que a OAB seja o que é: combativa e independente. Com efeito, a combatividade vem da própria ossatura da Ordem. Como o próprio nome já indica, ela foi instituída para pôr “ordem” no sistema. A estrutura semântica da expressão “Ordem dos Advogados do Brasil” é, no mínimo, intrigante: “ordem ‘dos’ advogados”. Há duas interpretações. A primeira está ali onde se entende que a entidade, ou seja, a Ordem, pertence aos advogados. Assim, a preposição “dos” acenaria para um cenário de posse.
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Sede da OAB Nacional
Por outro lado, a segunda interpretação se alicerça na idéia de que a ordem, a organização da advocacia brasileira, seria levada por ela à sociedade. Numa palavra, os advogados do Brasil haveriam de impor ordem aos demais estamentos sociais. Essa parece ser a melhor exegese, até porque acha supedâneo na linguagem que a Constituição Federal emprega para tratar a advocacia. Por exemplo: um concurso para a magistratura, seja ele estadual ou federal, só vale se a Ordem o acompanhar. Concursos para delegados de polícia de carreira exigem a participação efetiva da OAB, sob pena de nulidade do certame. Um quinto das vagas dos tribunais estaduais e federais é composto, em sua metade, por juristas elencados pela OAB.  A OAB tem a prerrogativa de escalar ora cinco, ora seis advogados para a composição do Superior Tribunal de Justiça, o STJ, o que equivale à metade de um terço das vagas desse sodalício, considerada, ademais, a alternância que deve haver entre um maior número de advogados e um maior número de ministros egressos do Ministério Público. A OAB tem legitimidade universal para propor ações diretas de inconstitucionalidade em face da Constituição Federal, independentemente da origem do ato normativo questionado. Em síntese, a OAB a todos fiscaliza. Ela traduz um verdadeiro big brother, na linguagem de George Orwell: um olho que tudo vê, uma mão que tudo controla. Mas, em matéria de controle, a OAB não está só. O TCU também tem sua gênese carimbada pela alma do controle. Na verdade, o tribunal de contas da união auxilia o congresso nacional no que toca à fiscalização financeira dos órgãos públicos em sua totalidade. Entretanto, o art. 70 da CF, assim como o seu parágrafo único, estabelece que serão fiscalizadas as entidades da administração direta ou indireta do Estado, na acepção máxima: União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Ademais, também deve ser fiscalizada a entidade que use dinheiro público.
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Pois bem, a OAB integra a administração direta ou indireta? A OAB usa dinheiro público? A resposta é “não” para ambas as indagações. E isso por uma razão ímpar: a OAB é ímpar. A OAB é uma autarquia especial. Especial exatamente porque não existe outra autarquia que se compare a ela. A rigor, o Estatuto da Advocacia aduz, no art. 44, § 1º, que “a OAB não mantém com órgãos da administração pública qualquer vínculo funcional e hierárquico”, coisa que se dá com as demais autarquias. Em agosto de 2004, o Superior Tribunal de Justiça, através de voto do Ministro Castro Meira, decidiu que, “embora definida como autarquia profissional de regime especial, ou sui generis, a OAB não se confunde com as demais corporações incumbidas do exercício profissional”, arrematando que “não se encontra a entidade subordinada à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, realizada pelo Tribunal de Contas da União”. Por quê? Fácil, porque a OAB, consoante o próprio STJ, não recebe dinheiro público, já que “as contribuições pagas pelos filiados à Ordem não têm natureza tributária”. Em junho de 2006, o pleno do STF, ao julgar a ADIn 3026-DF, preconizou que “não procede a alegação de que a OAB se sujeita aos ditames impostos à administração pública direta e indireta. A OAB não é uma entidade da administração indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria impar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. Por não consubstanciar uma entidade da administração indireta, a OAB não está sujeita a controle da administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da justiça (art. 133 da CF). É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público”.
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Como, então, querer impor à OAB uma prestação de contas ao Tribunal de Contas da União nos moldes daquilo que é feito pela administração pública em geral? Estranho! Estranho mesmo! Mas algumas noções de justiça, por exemplo, são estranhas mesmo. Isso lembra um conto, “Um cinturão”, que compõe o livro “Infância”, publicado por Graciliano Ramos lá pelos idos de 1945, quando acabava a segunda guerra mundial. Nele, o mestre alagoano narra que quando tinha uns quatro anos brincava em um canto da casa, enquanto seu pai dormia na rede. De repente, o velho rabugento acordou-se. O rosto amuado; o espírito, indisposto. Onde estaria o seu cinturão? Nada de achá-lo. Graciliano ia ter que dar conta da desgraça que o pai buscava. Não deu. Caiu no pau. Uma surra da qual nunca se esqueceu. Não pela surra em si, mas pela cobrança indevida. Pela injustiça: o pai houvera esquecido o cinturão na rede em que cochilava. Após encontrar o que queria, o verdugo desapareceu. Sequer esboçou um pedido de desculpas por ter cobrado algo de quem nada devia. Por ter fustigado alguém que não merecia reprimenda. Graciliano diz que, miseravelmente, esse foi o primeiro contato que teve com a justiça. A OAB, diferentemente, já teve vários contatos com a justiça. Aliás, teve até a sua biografia estilhaçada por bombas. Que o diga agosto de 1980, quando radicais de extrema-direita enviaram uma carta-bomba à sede da Ordem, na Avenida Marechal Câmara, Castelo, no Rio de Janeiro, para matar seu então presidente, Seabra Fagundes. Terminaram assassinando a secretária, Lyda Monteiro, que morreu lúcida. Especialmente, com lucidez cívica. De fato, civismo e civilidade não são ingredientes muito comuns aos que não sabem da história da OAB. Engraçado que, agora, querem apresentá-la a uma nova espécie de justiça. Uma que cobra de quem não deve. Uma que, alem de ter os olhos vendados, anda com um cinturão a açoitar o primeiro que “vê”.

Post  Scriptum
Os Insultos de Churchill
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Atribui-se a Winston Churchill, um dos maiores líderes políticos do século XX, a reputação de exímio atirador de golpes devastadores contra os seus críticos e adversários políticos. Sabia, como ninguém, desvencilhar-se dos ataques que lhes eram desferidos com respostas “na lata”. Certa vez, a parlamentar inglesa Bessie Braddock, falou para ele: “Winston, você está bêbado; mais ainda, repugnantemente bêbado”. Ele respondeu: “Bessie, minha cara, você é feia; mais ainda, repugnantemente feia. Mas amanhã estarei sóbrio e você ainda será repugnantemente feia”. Em outra oportunidade, num encontro casual com a mesma parlamentar, novo embate foi travado por ambos. Ela lhe disse: “Se eu fosse sua esposa, colocaria veneno no seu café”. E Churchill: “Se eu fosse seu marido, eu beberia”. Ao oferecer uísque com soda a um visitante mórmon, este indagou de Churchill, se não poderia ser servido de água, pois “os leões bebem é água”. A resposta imediata foi: “os asnos também bebem”. Durante um tempo breve Churchill cultivou um bigode. Uma jovem moça foi apresentada a ele. Ela disse para ele: “Existem duas coisas que eu não gosto em você – seu novo bigode e seu novo partido político”. Ele: “Por favor, não se aflija, é muito pouco provável que você venha a entrar em contato com qualquer dos dois”. Falam também que certa manhã, quando estava sentado num vaso sanitário, um assessor bateu na porta do banheiro avisando que um burocrata muito chato insistia ao telefone em lhe falar. O premiê não perdeu tempo: “Diga a ele que eu só posso lidar com um cocô de cada vez”. Ao informar a um repórter que tinha visto as Cataratas de Niágara antes dele nascer, “estive aqui pela primeira vez em 1900”, o mesmo indagou “se elas têm o mesmo aspecto”? Ele respondeu: “Bem, o princípio parece que continua o mesmo. A água ainda teima em cair”. Quem quiser conhecer outras histórias desse grande estadista, recomendo a leitura de A sutileza bem-humorada – Winston Churchill – Suas Grandes Tiradas, organizado por Richard M. Langworth, Odisseia Editorial. 


- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de 03/01/2016.
- As fotos constantes da presente publicação foram retiradas do Google.

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