Aracaju/Se,

segunda-feira, 5 de março de 2012

O Rei dos Reis da África

Artigo pessoal

O rei dos reis da África
Clóvis Barbosa

 
Talvez Muammar Gaddafi tenha sido o mais excêntrico dos déspotas modernos. Quando tinha 27 anos, em 1969, liderou o golpe de jovens militares que derrubou o rei Idris do poder na Líbia. Com um discurso nacionalista e revolucionário, após tomar o poder, tomou medidas antiamericanas, o que o levou a aproximar-se dos países comunistas. Durante o seu reinado de 42 anos à frente da jamahiriya ou “república das massas”, foi acusado pela explosão de um avião em Lockerbie, na Escócia, que matou 270 pessoas em 1988, por ter tramado o atentado ocorrido numa discoteca em Berlim, que matou varias pessoas, financiou guerrilhas de esquerda pelo mundo, inclusive o IRA, o Exército Republicano Irlandês. É verdade que há pouco mais de 10 anos começou a recompor as suas relações com os europeus e americanos: abriu mão da bomba nuclear, da abertura para exploração do seu petróleo por empresas multinacionais, passou a visitar países, enfim, tentava passar a idéia para o ocidente que ele tinha mudado. Não abriu mão, no entanto, do sistema político que ele instaurou na Líbia, sem Constituição, Parlamento e partidos políticos. A Lei máxima existente era o seu “Livro Verde”, um guia que pretendia demonstrar que o país vivia uma democracia direta. Das quedas dos tiranos da chamada Árabe pós-primavera, Ben Ali, na Tunísia, que se refugiou na Arábia Saudita e Hosni Mubarak, do Egito, que se encontra preso aguardando julgamento, Gaddafi foi o único, até agora, que teve morte violenta.

As circunstâncias de sua morte, acredita-se, jamais serão esclarecidas. As imagens veiculadas pela televisão mostram que ele já havia sido capturado antes de ser torturado e morto. O que leva um homem a se autointitular dono da vontade popular? O escritor egípcio Alaa AL Aswani, em entrevista ao jornalista Marcelo Ninio, da Folha de São Paulo, disse que “Ditadores tendem a criar uma realidade paralela, em que o ego e a muralha de aduladores a sua volta o isolam da realidade em que vive o resto do povo”. E é verdade. Perde a racionalidade aquele que se consola com um mundo autocriado, acreditando ser o melhor de todos! São tolos desprovidos de sentimento autocrítico e de sabedoria para percepção do momento certo de se afastar do cenário. A História é pródiga em nos ensinar que o poder não é eterno. Júlio César, imperador romano, que exerceu o poder despoticamente acabou a vida apunhalado; Dario I, rei da Pérsia, que governou um vasto e poderoso reino, mas a insensatez e a ambição desmedidas fizeram com que fosse derrotado nas Batalhas de Maratona e Platéia quando tentou conquistar a Grécia. Xerxes, percorreu o mesmo caminho do seu pai Dario I. Após subjugar o Egito, preparou um grandioso ataque à Grécia. A história mais uma vez se repetiu: foi derrotado numa batalha sangrenta, seu exército ficou em frangalhos e foi obrigado a fugir para a Ásia, onde morreu assassinado pelas mãos de um dos seus auxiliares.
Nabucodonosor, rei dos Assírios, ficou embasbacado com a vitória que obteve sobre Arfaxad, rei dos Medos em Ecbátana, tanto que comemorou com o seu exército durante 120 dias de cachaçada em Nínive, capital da Assíria. Numa ambição ilimitada e se auto-intitulando “o grande rei” ou “o senhor de toda a terra”, convocou o general Holofernes para organizar uma guerra mundial contra todos os povos. O seu exército foi formado por cento e vinte mil guerreiros a pé e uma multidão de cavalos com doze mil cavaleiros.   O fim da história está na Bíblia no livro de Judite, quando Holofernes, general de Nabucodonosor, teve a cabeça cortada por Judite, mulher de Manassés, o que fez com que os soldados ficassem desnorteados, sendo massacrados pelos israelitas. Ciro, rei persa, outro governante tirano, cujo orgulho e poder teve um triste fim, caiu numa cilada preparada pela rainha Tamiris, sua inimiga com quem guerreava. Esta, após capturá-lo, cortou-lhe a cabeça e encheu-a com o seu próprio sangue. Sísifo, tido pela mitologia grega como um homem muito astuto, achava-se o mais inteligente dos mortais, pois, chegou, inclusive, a enganar a morte quando o ludibriou e o manteve cativo. Por isso, por ter enganado Júpiter, responsável pelo envio da morte, passou o resto da vida empurrando um rochedo até o alto de uma montanha e quando a mesma chegava no cume, tornava a cair, sendo Sísifo obrigado a recomeçar a tarefa. O pior é que quando a morte estava no cativeiro ninguém morreu sobre a face da terra.

Muammar Gaddafi não fugiu à regra desses péssimos exemplos. Achava que o seu poderio nunca teria fim, desconhecendo que nenhum poder foi tão grande que não tivesse sucumbido de forma terrível, como foi o seu caso, testemunhado por milhões de pessoas. Alguns românticos têm criticado as ofensivas das potências ocidentais que culminou na queda do regime e na morte do ditador líbio. Primeiro, porque a derrubada da ditadura na Líbia seria uma violação da soberania e do princípio da autodeterminação dos povos, pois entendem, que no caso de uma guerra civil, caberia ao povo definir o seu destino; segundo, o assassinato de Gaddafi, pois, por mais vil que tenha sido o ditador, ele tinha o direito de ser julgado por um Tribunal onde lhe fossem assegurados a ampla defesa e o contraditório. Eu já disse em um dos meus artigos que creio na irrecuperabilidade. Há bandidos que não podem ser vistos apenas como tais, mas como inimigos. Com o mero malfeitor se contende tão somente  em dada circunstância; com o inimigo, contende-se a vida inteira, pois ele retrata a inevitabilidade do perigo. Não estou aqui ovacionando a forma brutal em que se deu morte do ditador, que se autodenominava “o rei dos reis da África”, mas não posso deixar de me irresignar com as atrocidades praticadas por ele contra a humanidade e contra o próprio povo líbio. Gaddafi, durante um grande período, foi um inimigo, por isso invoco a lição de Churchill, que assim o define: “é aquele que tenta matar você, não consegue e depois pede para você não matá-lo”. Foi o que aconteceu com Gaddafi.

(**) – Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 13 e 14 de novembro de 2011, Caderno A, pág. 7.

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