Aracaju/Se,

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Inimigos da Democracia

Opinião
Inimigos da democracia

Clóvis Barbosa

Alguns anos atrás participamos de uma reunião das comissões de Direitos Políticos e de Estudos Constitucionais da OAB Federal, em São Paulo. Eu fazia parte da primeira comissão. Ao me deslocar do Hotel para o Aeroporto de Guarulhos tive a satisfação de ter como companheiro de viagem o professor e jurista cearense, Paulo Bonavides. Lembro-me de uma frase que ele esboçou durante o trajeto após manifestar a sua contrariedade às modificações que eram introduzidas no texto constitucional pelo Congresso Nacional: “Meu filho, precisamos urgentemente criar um novo partido no Brasil: o Partido da Constituição. Um partido em defesa diuturna dos princípios consagrados na Carta de 1988”. Bonavides era um defensor ferrenho da nossa Carta Política, embora discordasse do princípio representativo da nossa democracia. Na verdade, em todas as épocas do republicanismo no Brasil, sempre prevaleceu a representação do povo pela classe política. As conquistas por uma ordem social mais justa foram bastante lentas. A Primeira República, que vai de 1891 a 1930, envolvendo, também, o período da primeira ditadura de Vargas, o chamado Governo Provisório, de 1930 a 1934; a Segunda República, de 1934 a 1937, e de 1937 a 1945, com a segunda ditadura de Vargas (Estado Novo); a Terceira República, de 1946 a 1964, de 1964 a 1985 (ditadura militar), e de 1985 a 1988 (Transição). Tivemos, finalmente, a Quarta República, a partir da promulgação da Constituição de 1988 até os dias atuais. Durante a Primeira e Segunda Repúblicas praticamente não houve democracia no Brasil. Os mecanismos eleitorais e o Estado mantinham os mesmos vícios oriundos do período colonial e monárquico, onde prevalecia o poder das oligarquias. A Terceira República, apesar de uma Constituição avançada, foi um período turbulento, primeiro pelo comportamento golpista da classe política que se instaurou de 1946 a 1964; depois, o advento da ditadura militar.
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Na Quarta República, com uma constituição avançada, as expectativas para uma mudança completa do nosso arcabouço social eram enormes. Mas o país não avançou no quesito democracia. Tudo bem que há um descrédito no princípio representativo do país. O sistema de representação política, onde o povo é substituído por representantes, só tem servido para perpetuar o domínio das oligarquias, como no passado. Estamos diante de uma viagem de aventura; ou todos nós teremos êxito ou juntos iremos fracassar. Até agora, vive-se uma crise nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas e nas duas casas do Congresso, onde predominam grupos políticos desprovidos de ética, sem nenhuma consonância com os interesses da sociedade. O Executivo, com a sua leniência, dá também a sua contribuição. Há hoje no Brasil um processo de descontrole social que assusta ao conjunto da sociedade. Na semana passada, na Bahia, a sociedade se tornou refém de uma greve organizada por um grupo de servidores, policiais militares, que se arvoraram no direito de atazanar a vida da população, implantando a cultura do medo e da opressão. Durante dois dias, a capital, Salvador, e a mais progressista cidade do interior, Feira de Santana, foram palcos de violência, onde assassinatos de pessoas inocentes e saques em patrimônio de comerciantes se tornaram regras. A desordem fez surgir um novo tipo de movimento marginal a que se deu o nome de “saqueador”. A justificativa para esse tipo de ação contra o patrimônio alheio era a do ditado popular que diz que “A ocasião faz o ladrão”. Machado de Assis, em Esaú e Jacó contesta essa máxima na boca de um dos seus personagens, que diz: A ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito. O pior de tudo é que aquele que é responsável pela segurança do cidadão, usa da chantagem para agredir a cidadania, repudiando a ética e ferindo de morte a Constituição Federal.

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O pior de tudo é que o diálogo, o instrumento mais importante da democracia, é deixado de lado pelas partes. Dá-se prioridade ao conflito que gera a desordem com o aumento da criminalidade, estabelecimentos comerciais arrombados e saqueados, falta de ônibus nas ruas, escolas e faculdades sem aula, shoppings fechados, cancelamento de shows artísticos e de partidas de futebol. Os alicerces da liberdade comunicativa cedem lugar para a beligerância e a barbárie. O pior de tudo, hoje no Brasil, é que os interesses corporativos têm superados os interesses da população. Se, como diz Bobbio, o respeito às normas e às instituições é o primeiro e mais importante passo para a renovação progressiva da sociedade; que a democracia é, no essencial, um método de governo, um conjunto de regras de procedimento para a formação das decisões coletivas, no qual está prevista e facilitada a ampla participação dos interessados; e que a democracia se resume no respeito às regras do jogo, representado pelo arcabouço jurídico que rege as relações, a quem interessa a fragilização dessa ordem jurídica e as bases do Estado Democrático de Direito? Um dos maiores inimigos da democracia ainda são os regimes totalitários representados pelas ditaduras de natureza nazista ou comunista. Esses nós conhecemos e vivemos a experiência de sua prática e que causou ao mundo milhões de mortes. O grande desafio nosso é descobrir o inimigo existente em nós e refletirmos a que tipo de sociedade queremos chegar: se o da civilização ou o da barbárie. Nelson Rodrigues dizia que vivemos numa época dominada pelos idiotas. De lá para cá, tudo continua como dantes em nosso país. O que se espera é que esses mentecaptos não nos leve a destruição. Não nos tire o sonho de uma sociedade justa e solidária. Para isso, lembremo-nos do ensinamento de Winston Churchill: “A democracia não é uma prostituta a ser apanhada na rua por um homem armado com metralhadora”.  
POST-SCRIPTUM
Platão popozudo.

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- O que você carrega aí, embaixo do braço? Parece bem pesado.
- São as obras completas de Valesca Popozuda. Uma edição bilíngue em capa dura.
- Valesca o que? De quem se trata? Nunca ouvi falar. É uma escritora russa?
- Que russa, que nada. Brasileiríssima. Segundo um professor do Distrito Federal, é uma grande pensadora contemporânea.
- O que foi que ela escreveu? Nunca li.
- Obras fundamentais para a compreensão do mundo atual. Vou citar apenas algumas: “Pica Mole Style”, “Quero te Dar”, “Hoje eu não Vou Dar” e “Beijinho no Ombro”. Veja esses versos: “Eu fiquei foi peladinha, na hora, bateu neurose/ Além do ‘piru’ pequeno, e aí, ele não sobe?”
- Perto disso, o “Lepo-Lepo” parece canção de ninar. E é assim mesmo, ‘piru’, com i?
- Sim, por isso a minha edição das obras dela é bilíngue. Muita coisa precisa ser traduzida, não é de fácil compreensão. É como tentar ler Kierkegaard no original.
- Mas que história é essa de pensadora contemporânea?
- Foi um professor do ensino médio que colocou na prova uma pergunta sobre uma música de Valesca, e a introduziu, ou melhor dizendo, a apresentou, como uma grande pensadora contemporânea. Como tudo hoje, o caso acabou na internet, com muita gente indignada.
- Mas o professor falava sério?
- Ele disse que era apenas uma brincadeira para atrair a mídia e mostrar que os jornalistas só se interessam por notícias ruins.
- Profundo isso, sem duplo sentido. E como é que se chama o professor?
- Antônio Kubitschek.
- Parente do presidente?
- Nada. O pai dele também era um pensador contemporâneo e para homenagear o presidente Juscelino deu o sobrenome ao filho.
- Será que se o filho tivesse nascido agora. Ele teria dado o nome de Antônio Popozudo?
- Esse é um excelente exemplo de raciocínio lógico de um clássico discípulo do popozudíssimo. Você tem certeza de que nunca leu nada de Valesca? 
(Publicado no jornal “A Tarde”, sem autoria, Caderno 2, página 3, edição de segunda-feira, 14/04/2014, Humor, sob o título “Falam por Aí”).


- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE., edição de domingo, 27 de abril de 2014, Caderno A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão, em 27 de abril de 2014, às 16h19min:
http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=7421&t=inimigos-da-democracia

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