sábado, 13 de abril de 2019
Nau dos insensatos
Opinião pessoal
Nau dos insensatos
Clóvis Barbosa
É verdade. Muitos que lêem, aprendem.
Outros não. A bíblia, a história, os grandes mestres, a filosofia, as obras
literárias, estão cheias de ensinamentos. O homem, entretanto, apesar de ser
capaz de desenvolver descobertas fantásticas na área da tecnologia, não evoluiu
no campo do aprendizado com a vida. Teima em repetir erros cotidianamente registrados
nos anais da história. Tudo bem. Erra-se inconscientemente, não era essa a
pretensão, justifica-se, após produzir o caos e a destruição antes do tempo. Nada
disso, conversa fiada! Erra-se porque não é sábio, não assimilou os bons ensinamentos
e optou pela mediocridade como exemplo. Incorporou maus sentimentos ao seu
cotidiano. Vaidade, autossuficiência, arrogância e, sobretudo, esqueceu-se de
ouvir. Ou ouviu mal. Nietzsche estava certo: "Deus acertou ao limitar a inteligência humana, mas errou em não limitar
a burrice". O “conselho” que, conforme se diz, se fosse bom, não se
dava, vendia-se, o que não é verdade, é o maior exemplo de como a insensatez
predomina na mente dos incautos. Conselho sempre foi bom e faz muita diferença
numa situação de conflito, principalmente quando é dado por pessoas, como diria
Ingenieros (O Homem Medíocre, Ícone Editora),
que se extasiam diante de um crepúsculo, sonham frente a aurora ou se arrepiam
na eminência de uma tempestade, que gostem de passear com Dante, rir com
Moliere, tremer com as tragédias de Shakespeare ou assombrar com Wagner. Enfim,
o conselho sempre é bom quando dado por quem sabe velejar nos mares da
sensatez. Agora, só dá certo para quem precisa e para quem quer ser ajudado.
Aqueles que se acham argutos, espertos, eruditos, não! Por serem autossuficientes,
e muitas vezes, por assim se acharem, preferem se unir aos vampiros de energia,
aqueles que são ornados de todas as virtudes da mediocridade.
Tobias (4,18) sempre ensinou seu filho
a dar ouvidos aos conselhos dos sábios e a não desprezar nenhum bom conselho. Tobias
fez desses ensinamentos, o seu caminhar pela sua longa vida. E morreu cercado
de honra, aos cento e dezessete anos de idade. A mulher de Ló (Gênesis 19,26)
recebeu também boas instruções, mas sua índole era cheia de desdém, o que fez
com que Deus a castigasse, transformando-a em estátua. Todos
sabem como se deu a destruição de Sodoma. Justamente por terem amparado os dois
anjos da fúria dos habitantes da cidade, foi Ló aconselhado a sair daquele
lugar com a sua mulher e as duas filhas antes da destruição, sob a fixa
determinação de não olhar para trás e não parar em lugar algum, seguindo para a
montanha. Não era para olhar para trás, mas a mulher não quis ouvir o conselho,
resultado, virou uma estátua de sal; o rei Roboão (1 Reis 12,8) não aceitou ser
guiado pelos ensinamentos dos anciãos, que tantos serviços prestaram a Salomão,
seu pai, quando ainda estava vivo, preferindo outro caminho. Seguiu os inaptos,
sem cultura, sem experiência, resultado, perdeu dez tribos e continuou sendo um
apoucado; se Nabucodonosor (Daniel, 4,24-33) tivesse ouvido Daniel, que o
aconselhou a pagar os seus pecados praticando a compaixão e reparando as suas
faltas cuidando dos pobres, ele não teria sido transformado em animal, comendo
capim como gado e a ficar ao esmo. “Seu
cabelo ficou comprido como penas de águia e as unhas cresceram como unhas de
passarinho”; e Judas Macabeu (1 Macabeus 9,1-18), o mais forte dos homens,
cujos feitos lhe renderam a fama, o herói do povo de Israel, não teria perdido
a vida caso houvesse seguido as palavras dos seus companheiros que,
sensatamente, tentaram demovê-lo da ideia de enfrentar um exército bem mais
numeroso, logo após a deserção desenfreada de seus homens.
Portanto, quem ignora e descrê dos bons
conselhos, seguindo a sua presunção, perde o bonde da história. Faz com que a
inteligência seja ofuscada pela mediocridade, ou como diria Flaubert, “um homem que pensa de maneira baixa”.
Gracian (A Arte da Prudência, Editora
Sextante), acentua que a vida humana é uma luta contra a malícia do próprio
homem, adiantando, também, que conhecimento sem bom senso é uma dupla loucura.
A insensatez, lamentavelmente, é um cancro que impregna o tecido humano, vicia
a alma e destrói os sonhos. Está presente em todas as carreiras, sejam nas
áreas das ciências exatas, sejam nas humanas; sejam entre as classes mais
abastadas, sejam entre as menos favorecidas. Entristece, contudo, quando a
Inteligência sucumbe à insensatez. Não cabe, aqui, discutir as origens desse
rebaixamento moral, mas é importante enfrentarmos o dragão verde que solta
bolas de fogo pelas narinas existente em nós, como pensado por Nietzsche. Ele
não pode continuar impedindo o nosso peregrinar em busca da perfeição.
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Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de 25/03/2016, Caderno A-7.
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