Opinião
O SATÂNICO "DR. NÃO”
Clóvis Barbosa
1992. Fim da gestão de Clodoaldo Alencar Filho como
Reitor da Universidade Federal de Sergipe. Posse do novo magnificente, Luiz
Hermínio de Aguiar Oliveira. Na véspera, recebi um telefonema do professor
Edgard da Mota Freitas, lá pelas 22 horas, perguntando-me se iria à posse. – Vou sim. Por quê? – É que os Sindicatos encheram o estacionamento da Reitoria com faixas
contra você: O Satânico Dr. Não, Fora Clóvis Barbosa, o Carrasco dos Servidores
e dos Professores, e outras do mesmo teor. Agradeci a ele pela informação,
mas confirmei a minha presença, pois seria um dia normal de trabalho. E o
porquê daquela manifestação dos sindicatos? Procurei respostas que pudessem
justificar aquele ato. Tinha sido Procurador-Geral da administração que estava
saindo, não continuaria na que estava entrando e procurei, durante a minha
gestão, cumprir com o meu papel de respeito aos princípios estabelecidos pela
Constituição e que regem a administração pública no País. Uma coisa era certa,
desagradei os servidores e professores.
Neste mesmo momento, participava das eleições para a
presidência da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Sergipe. Os
adversários tiraram fotos das faixas e distribuíram, por correspondência, para
os advogados, ao lado de uma pergunta: - É
este colega, odiado pela corporação universitária, que você vai colocar na
presidência da OAB-SE? Pois bem! Na Universidade, voltei ao meu cargo de
procurador, tendo um colega assumido a Procuradoria-Geral. Passei a trabalhar
normalmente, inclusive assumindo, concomitantemente, a assessoria jurídica da
Escola Técnica Federal, por determinação do Ministério da Educação. É que o seu
procurador, por demandar em todas as ações contra aquela instituição, ficava
impossibilitado de patrocinar a sua defesa, o que vinha causando sérios
prejuízos ao erário, inclusive com revelias aplicadas já em alguns processos. Portanto,
além das minhas atividades na UFS, acompanhando os processos judiciais, tinha
duas novas tarefas, os processos da Escola Técnica e as eleições da OAB-SE.
Um fato lamentável viria a ocorrer nesse interregno de tempo. É que um professor, querido por toda a comunidade, se envolveu num assassinato, causando grande repercussão no mundo universitário. Eis que, representantes dos sindicatos de servidores e professores me procuraram para acompanhar o inquérito policial instaurado contra o acusado, que se encontrava preso. Dei toda assistência ao colega durante o inquérito, e ele, já libertado e respondendo o processo em liberdade, por minha indicação, contratou os serviços profissionais de um causídico amigo, que acompanhou o processo no judiciário, tendo sido, ao final, absolvido pelo Tribunal do Júri. Apesar da aproximação dos sindicatos durante o processo de acompanhamento da causa do professor, jamais indaguei sobre os motivos das faixas e eles também nunca tocaram no assunto. Passou tudo in albis, como se nada tivesse acontecido. E muitos daqueles personagens sindicais “continuaram” sendo meus amigos no decorrer da vida.
Reitor Eduardo Garcia e Prof. José Silvério Leite Fontes
Reconheço que minha passagem pela Universidade Federal de Sergipe, durante aproximadamente 18 anos, enriqueceu bastante o meu currículo e contribuiu para o aprimoramento dos meus conhecimentos. Ali, conheci um pouco de filosofia e a aprendi com o colega José Silvério Fontes, procurador-geral na gestão de Eduardo Garcia, o que transformaria bastante minha caminhada na advocacia e na vida. Saía da práxis, do empirismo, para assimilação das grandes teorias jurídicas e filosóficas. Começava a conhecer o pensamento de Hegel e a sua coruja de Minerva; Schopenhauer e o seu olhar para a realidade; os existencialistas franceses Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus; Wittgenstein e o enfeitiçamento pela linguagem; Karl Popper e Thomas Kuhn e a aprendizagem pelos erros; Kierkegaard e os sacrifícios da vida; Nietzsche e suas angústias; Freud e os pensamentos disfarçados; Kant e o mundo visto por um filtro, a mente humana; e aquela que revolucionou o mundo ao se tornar a mulher mais importante da história da filosofia, Hannah Arendt.
E esses acontecimentos na universidade é que me
levam a lembrar dessa filósofa que viveu conosco no século passado, de 1906 a
1975, Hannah Arendt. Ela me ensinou que na vida somos convocados a realizar
constantemente uma prestação de contas de nós mesmos, na nossa relação com os
outros e com o mundo. Apesar de saber disso depois, a experiência já tinha me
ensinado a fazer sempre uma autocrítica dos meus atos. Uma pergunta que eu
sempre fazia, desde a adolescência, era aquela de qual era o nosso papel no
mundo em que vivemos? Interessante, em A
Condição Humana, Arendt nos leva a uma pergunta: O que estamos fazendo? Não é à toa que ela diz que o mal está
relacionado ao agir sem pensar ou, ainda, ao pensar acrítico. O Brasil está
sendo vítima neste momento do agir
sem pensar, ou o do pensar com a visão dos outros. As
pessoas estão se entregando aos mais ultrajantes comportamentos, às vezes
criminosos, em decorrência dessa preguiça intelectual da falta do pensar. Estamos, de fato, diante de uma
realidade assustadora.
Mas, voltando ao Campus e o porquê das faixas, comecei a fazer uma análise da minha passagem até aquele momento na UFS e os inúmeros processos em que emiti parecer. Sobre os professores, quatro assuntos me colocaram na zona de conflito: A implantação da jornada de Dedicação Exclusiva, durante o governo Sarney; o aumento dos vencimentos sem a devida contraprestação dos serviços; a inacumulabilidade do regime de DE (dedicação exclusiva) com outra atividade remunerada; e a proibição de percepção de qualquer tipo de remuneração pela participação em pesquisas. Esses fatos geraram uma série de crises entre a administração e seus docentes. Mostrei, inclusive na justiça, que era impossível admitir o regime de dedicação exclusiva com outra atividade remunerada; que o aumento de 20 para 40 horas incidia em aumento da carga horária; e que o professor, nas instituições federais de ensino, recebia o seu salário com a incumbência de ensinar, fazer pesquisa e extensão. As nossas teses foram ratificadas pelo Poder Judiciário, gerando, naturalmente, essa ojeriza à minha pessoa.
Em relação aos servidores, tive que enfrentar o
corporativismo radical que estava instalado na UFS, inclusive com a prática de
atos tipicamente criminosos: pagamento de horas extras sem a devida
contraprestação de serviços; pagamento de diárias sem existência de qualquer
viagem; participação com altas gratificações em pesquisas levadas a cabo por
departamentos; incorporação de horas extras sem obediência à legislação pertinente;
incorporação de gratificações sem amparo legal; enquadramento de servidores em
cargos efetivos sem respeito ao princípio da legalidade; enfim, práticas
atentatórias à decente gestão pública. Vitorioso em várias teses, derrotado em
outras, o importante é que fui inteiro naquilo que fiz, sem qualquer tipo de
arrependimento ou injustiça cometida. Obedeci, na apreciação de todos esses
temas, o que de melhor existia na interpretação dos nossos tribunais, dos
nossos doutrinadores nas áreas de direito constitucional e administrativo e na
defesa intransigente do erário.
Apesar disso tudo, a história mostrou àqueles que
tinham uma visão crítica da nossa atuação naquele momento histórico da UFS, que
estávamos cumprindo com o nosso dever funcional, como também entenderam à época
os advogados sergipanos ao me reconduzirem pela segunda vez à presidência da
OAB/SE. Talvez tenham percebido que, conforme certa feita escreveu Paulo Coelho
à coluna do Globo, “Todos os grandes
homens e mulheres do mundo foram pessoas que, mais do que dizer ‘sim’, disseram
um ‘NÃO’ bem grande a tudo que não combinava com um ideal de bondade e
crescimento. Jamais diga um ‘sim’ com os lábios, se seu coração diz ‘não’.”
Post Scriptum
A Ceia
Um grande debate constantemente
é travado pelos grandes cientistas sociais sobre a figura do “brasileiro
cordial”, cujo objetivo sempre foi o de dar uma identidade à formação do nosso
povo, uma mistura do índio, do negro e do europeu. Quem implantou uma
fundamentação sociológica ao termo foi Sérgio Buarque de Holanda com a sua obra
“Raízes do Brasil”, para quem o “cordial” aí é para aqueles que não são afeitos
às leis, são emocionais, agem deixando a razão de lado, não gostam de
formalidades, abominam a ética, a cidadania e adoram misturar o público com o
privado. Mas se a palavra for “cordial” nos exatos termos de afável, polido,
educado, cortês, trago um exemplo, viralizado nas redes sociais, que descarta
qualquer possibilidade dessa pretensa “cordialidade brasileira”: “- Olhe
Goretti, eu tô falando a você que você é da família, não tem problema não! Se
não me convidaram não tem problema não, agora vou te dizer uma coisa, vocês não
me quis na ceia não, né? Que Deus abençoe vocês, entendeu? Eu fiquei de fora
mesmo, porque disseram que eu não tinha uma comida pra levar. Mas eu vou dizer
uma coisa pra você. Não desejo mal a vocês, não. Eu desejo que Deus abençoe
vocês e um feliz Natal pra todos. Agora, quem falou essa mentira é digno de
quando for comer o osso da perna do peru, o osso atravessar na garganta e a
pessoa morrer asfixiada sem dar um socorro aí, entendeu? Vocês podem comemorar
sem mim. Vocês podem me deixar de fora da ceia da família. Mas eu não desejo
mal não, Deus abençoe a comida. Que vocês comam essa salada de maionese, ela
esteja vencida e que vocês tenham uma infecção intestinal que não guentem nem beber
um copo de água, que vai sair pelo c*, REBANHO DE DESGRAAAÇA! Não me convidou
porque não quis! Entendeu? Não faço questão, não! Que vocês que vão beber
vinho, tomar cerveja, que vocês dirijam, e que vocês caiam na blitz da Lei Seca
e tomem uma multa de 3 mil, REBANHO DE DESGRAAAÇA! Eu não faço questão não!
Aqui em casa tem comida de comer, entendeu? Não me chamou, aí faz a ceia todo
mundo, passa o ano todo fazendo macumba um para o outro, trocando bala,
trocando chumbo, agora estão reunidos aí e disse pra não me chamar não. Eu não
faço questão de ir não, REBANHO DE DESGRAAAÇA! Vão se lascar pro lado de lá e
Feliz Natal, eu não desejo mal a vocês, não! Feliz Natal!”
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de 06/01/2017, Caderno A-7.
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