Aracaju/Se,

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Quero-quero

Opinião pessoal

Quero-quero
Clóvis Barbosa
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A alma é de natureza contemplativa. O nascer do dia desta última terça-feira em Aracaju foi inusitado. Estava no Parque da Sementeira preparando-me para uma corrida leve de 7km. O céu, no parque, e todo lado leste da cidade estava claro anunciando a chegada de um sol radiante. Do lado oeste, o céu estava escuro dando a entender que chuvas torrenciais desabariam na cidade a qualquer momento. De repente, surge à frente do lado oeste, oponente, como mensageiro divino a nos repreender pelas loucuras que cometemos diuturnamente um arco-íris encantador. Não sei, mas falam que logo após o Dilúvio, quando a Arca de Noé chegou ao Monte Ararat, Deus prometeu que nunca mais iria inundar a Terra. Como prova, depois de cada chuva apareceria nas nuvens um arco-íris e este seria o símbolo da aliança entre o Senhor e todas as espécies da face da terra. Começo a correr. Depois de 3km ou 19min de corrida, ao seguir pela trilha de barro que vai dar na CCTECA, a Casa de Ciência e Tecnologia da Cidade de Aracaju Galileu Galilei, deparo-me, no campo aberto vizinho à trilha, dois ovos solitários. Fiquei curioso, mas não parei de correr e, mentalmente, procurei encerrar o meu exercício matinal naquele local. Aproximei-me dos dois ovos e, ao chegar a três ou quatro metros, um bando de quero-queros veio em minha direção se esganando em gritos histéricos e alucinantes. Fizeram barreira nos dois ovos como a defendê-los da minha intromissão. Parei estupefato com os gritos repetidos: ‘quero-quero, quero-quero, quero-quero’. Sem conhecer a cultura e o comportamento daquelas aves, não me conformei com o local em que estavam colocados os ovos, no chão, exposto ao sol escaldante, ao sereno, e na possibilidade de serem comidos por uma cobra ou outro animal ou até mesmo serem esmagados por um automóvel ou bicicleta que trafegam no local. Existe uma planta rasteira no local, em forma de palha e gravetos, semelhante ao feno. Recolhi uma boa quantidade para forrar o chão, debaixo de uma árvore, e melhor proteger os ovos das intempéries.
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Dei uma volta e resolvi enfrentar as feras: procurei uma árvore bem próxima do local, fiz uma forragem e aguardei o momento de recolher os ovos e colocá-los na sua nova morada. Deu tudo certo, embora fosse perseguido por três quero-queros, conhecido como a “sentinela dos campos”. À propósito, em 1914, Rui Barbosa, em um dos seus inteligentes discursos, disse sobre a ave: “O chantecler dos potreiros. Este pássaro curioso, a que a natureza concedeu o penacho da garça real, o vôo do corvo e a laringe do gato, tem o dom de encher os descampados e sangas das macegas e canhadas com o grito estrídulo, rechinante, profundo, onde o gaúcho descobriu a fidelíssima onomatopéia que o batiza". Dizem que existem quatro subespécies que às vezes são fundidas duas a duas formando duas espécies distintas de quero-quero: a Vanellus cayennensis, que absorve a subespécie lampronotus e Vanellus chilensis, que absorve a subespécie fretensis. No rio Amazonas e no norte do Chile e da Argentina, vivem as do tipo chilensis lampronotus. Como ave nativa ela habita o nordeste e sul do Brasil, além de outras partes do mundo. Procurei estudar o seu modus vivendi e descobri que ela vive em terrenos de baixa altitude, em campos, praias arenosas, várzeas úmidas, brejos, mangues, onde haja predominância de vegetação rasteira. A sua reação contra o meu comportamento explica-se pela intolerância que ela tem com a presença humana. Outra curiosidade é que ela adora campos de futebol. E, por falar em campo de futebol, o Clube Sportivo Sergipe é proprietário do Estádio João Hora de Oliveira, localizado no Bairro Siqueira Campos. Pois bem! Não é que lá residem duas corujas que vivem a atanazar um cão que também mora no Estádio e é responsável pela vigilância do local? A cena, quase sempre no entardecer, enche os olhos de qualquer espectador que assiste o voo rasante das corujas em direção ao cachorro. Este sai em correria tentando inutilmente alcançar as corujas. A camaradagem entre esses animais é inexplicável.
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Carlos Britto, o nosso ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, sempre quando faz conferências sobre improbidade e corrupção por esse Brasil afora, gosta de citar o exemplo das garças que habitam nas margens dos rios Poxim e Sergipe, no lodaçal dos mangues ali existentes. Diz ele que embora as garças vivam no lodo e lamaçal, diferentemente dos corruptos, não se sujam e vivem impecavelmente alvas e límpidas. Sou testemunha ocular do modus vivendi dessas aves. Em 2012 passei quase o ano todo remando pelo rio Poxim. Saía dali do Parque dos Cajueiros e sempre gostava de,  logo após o píer, entrar à direita, como se estivesse voltando em direção, digamos, ao restaurante do Miguel. É um canal que cada vez mais encontra-se raso, contudo, na maré cheia, dá para trafegar remando. Ao adentrar pelo canal, parava de remar e ficava apreciando os filhotes de garças que ali habitavam. Os pais saíam em busca de alimentação e só retornavam à tarde. Eles pousavam no barco, a uma certa distância, como quem desconfiados. Era um espetáculo fascinante que só a natureza nos proporciona. E com isso vou aprendendo, como Shakespeare, que são os pequenos acontecimentos diários que tornam a vida espetacular. 

Retratos da vida
O booker
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Desde o seu casamento Nitinha já conhecia a doença do seu marido Graccho. Ele sofria de compulsão sexual. Leu muito sobre o assunto, viajou para São Paulo e Goiás para tratá-lo, mas a vida foi passando e ele continuava o mesmo. Era sexo pelo menos três vezes ao dia. Teve uma época que ela não mais suportando a tara do seu marido, permitiu que ele tivesse amantes. Sim, ela aprendeu com os diversos médicos e com a literatura médica que o comportamento compulsivo em sexo não significava traição, mas um ato sem controle. O problema é que as amantes que surgiram durante os anos que se passaram não suportavam uma semana. Não aguentavam o incontrolável desejo sexual do parceiro. Nitinha foi uma mulher e tanto. Quando ela morreu, ele resolveu se tratar, embora nunca assumisse que o seu caso era de doença, mas de virilidade e masculinidade. Resolveu procurar um especialista na área em São Paulo e, durante o tratamento, melhorou muito seu ímpeto sexual, trocando o sexo a dois pelo individual. A esta altura da vida, Graccho já se encontrava perto dos setenta anos e próximo à aposentadoria compulsória. Era um homem importante, detentor de muito poder em Sergipe. Certo dia, em conversa com um colega, soube que Aníbal, um conhecido de ambos, tinha um booker com as mulheres mais lindas da cidade, em poses sensuais, e sempre dispostas a atender cavalheiros por uma boa remuneração. Ele se despediu do amigo e disse que estava curado e que não lhe interessava mais esse tipo de relacionamento. Na verdade, Graccho, à essa altura, aparentava ter o controle de sua ansiedade, até porque tinha acompanhamento psicológico e psiquiátrico, além da medicação para diminuição da libido. Mas certo dia, a secretária de Aníbal, anunciou que estava na sala de espera o Comendador Dr. Graccho. – Mande entrar, por favor! Ao adentrar e depois dos salamaleques usuais, Graccho foi logo inquirindo Aníbal. – Cadê o booker? – Que booker! Respondeu. - Não me venha com gracinhas, eu sei que você tem um com as mulheres mais gostosas da cidade. Pronto, a partir desse dia, a vida de Aníbal se transformou num inferno. Eram ameaças de todo o tipo. Aníbal, que possuía o booker de forma bastante discreta, só pensava que Graccho queria a sua coleção de fotos para denunciá-lo com um processo. Ele não sabia da doença de Graccho. Três dias depois do encontro, Graccho surgiu na repartição de Aníbal e falou. - Você tem dois minutos para me entregar o booker. – Mas eu não tenho essa coisa, Dr. Graccho! A resposta foi dois tiros no peito de Aníbal que caiu morto no local. 

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 16 e 17 de fevereiro de 2014, Caderno A, página 7.
- Postado no Blog Primeira Mão, domingo, 16 de fevereiro de 2014, às 18h10min, sítio: 
  http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=7085&t=artigo-quero-quero
- Postado no Blog Notíciasaju, edição de 18 de junho de 2014, às 10h10min, sítio:
http://www.noticiasaju.com.br/blog/clovis-barbosa/3694/quero-quero.html


terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Mulheres da Antiguidade - Corina e as suas companheiras poetas

Isto é história
Mulheres Audaciosas da Antiguidade
CORINA E AS SUAS COMPANHEIRAS POETAS

Vicki León
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Originalmente, poesia significava palavras colocadas na música. Nossa expressão “lírico” vem de lira, o instrumento de cordas frequentemente utilizado para acompanhar a palavra falada ou cantada. Os gregos tinham uma longa tradição de reverenciar poetas como Safo, acreditando que eles funcionavam como canais sagrados para os deuses. Ironicamente, sua bem-merecida popularidade (e o pequeno número de poemas deixados por outras mulheres além de Safo) colocou as outras poetas, como as três que se seguem, à sombra.
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Corina, da cidade de Tânagra do século V, a. C., era uma contemporânea de Píndaro, considerado o melhor poeta homem do mercado pelos vencedores dos jogos olímpicos, que lhe pagavam uma boa nota para escrever poemas pegajosos de adulação. Entretanto, na mais importante competição de poetas, Corina ganhou de Píndaro cinco vezes seguidas. Num hábil discurso de derrota, dizem que Píndaro a chamou de porca. Em uma outra ocasião, depois de ler a imagem retórica incrustada de mitos de seu rival, Corina gentilmente sugeriu: “Tente semear com a mão, não com o saco”. Os fragmentos que restam de seu trabalho têm um tom límpido e melancólico – neles não encontramos versos sufocados por mitos.
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Em torno de 300 a.C., Anite de Tegea, no sul da Grécia, era admirada pelos seus encantadores epigramas e epitáfios para animais. O mais importante é que ela pode ter sido a primeira pessoa a transformar as glórias da natureza em poesia. A fama de Anite a tornou heroína de uma estranha história, que ainda era contada quinhentos anos mais tarde. Ela conta que num sonho, Esculápio, o deus da cura, ordenou que Anite entregasse uma mensagem interurbana a um homem chamado Falásio, que estava ficando cego. Ao acordar, ela encontrou uma tabuinha de cera lacrada ao lado de sua cama, fez uma viagem por mar e procurou o homem (na sua época não se ignoravam sonhos ou presságios, especialmente se eles tinham alguma coisa a ver com deuses). Abrindo a tabuinha. Falásio, agora com a visão total em ambas as vistas, leu a mensagem que o instruía a doar a Anite 2.000 estáteres de ouro por ter sido uma Boa Samaritana. Delirante de alegria com sua visão, ele cobriu a garota de ouro e construiu um santuário no local. Anite voltou para casa para escrever.
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Poeta obsessiva, influenciada pelo movimento literário na ilha de Cós, Erina de Telos viveu somente dezenove anos. Ela escreveu poesias líricas, epigramas e um poema de trezentas linhas chamado “A herdeira”, sobre suas lembranças da infância de uma amiga cuja morte prematura ela lamenta; pouco restou deste poema e de outros. Erina recebeu altos elogios de outros poetas da antiguidade. As escritas sobre ela demonstram claramente que sua reputação era baseada em mérito. Talvez apareçam mais trabalhos de Erina, para que possamos nós mesmos ler e apreciar.


Agnodice
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A médica que revolucionou Atenas

No século IV a.C, Atenas era um tédio para matronas bem-nascidas. Só as mulheres estrangeiras, cortesãs, ou do tipo aristocrática excêntrica que não dá a mínima bola para convenções, podiam se misturar ao círculo social. Agnodice tinha sua própria estratégia – ela adotou vestimentas masculinas para se tornar uma médica, participando de palestras médicas e se especializando em ginecologia. Como as pessoas no tempo de Agnodice eram sensíveis em relação ao pudor, ninguém imaginaria que uma ginecologista-obstetra monopolizaria o mercado. E estaria certo. Logo ela despertou a inveja dos outros médicos. Previsivelmente, eles a arrastaram para a corte a fim de responder a acusações de ordem moral. Agnodice teve de fornecer ao juiz uma vista rápida de seu próprio aparelho ginecológico, e em consequência os queixosos lhe deram uma chave de braço, acusando-a de praticar uma profissão circunscrita aos homens. Agnodice enfrentou a nova acusação e foi absolvida. Os atenienses morderam seus lábios e finalmente mudaram a lei, abrindo a porta para outras mulheres médicas.


- A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da Antiguidade vai falar de “TARGÉLIA & AS SUAS COMPANHEIRAS NAMORADEIRAS”. Vamos falar de Targélia de Mileto, a mulher que conseguiu casar-se quatorze vezes; Gnateana, comediante de prostitutas; Pitionice, que era a paixão de um general grego, Harpalo, que havia desviado uma fortuna de Alexandre, o Grande; e Leaina, uma cortesã ateniense amante de Aristogíton.

– Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”, título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.


- Todas As imagens foram extraídas do Google.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Cabeças Cortadas

Opinião
Cabeças cortadas
Clóvis Barbosa
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O Brasil e o mundo assistiram estupefatos a um vídeo chocante. As imagens foram filmadas no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, Capital do Estado do Maranhão, no dia 17 de dezembro de 2013. Duas cabeças, lado a lado, são exibidas pelos presos trogloditas como troféus. Um terceiro decapitado tem a cabeça encostada no pescoço. E começa os diálogos dos assassinos: - bota de frente (o corpo) pra filmar direito. - Não puxa a cabeça dele. A câmera foca de perto as três cabeças separadas dos corpos, todas com cortes de facas ou outro instrumento cortante, numa sensação que antes da decapitação foram torturados sanguinariamente. Um dos presos pega uma das cabeças e, em direção à câmera, diz: - filma esse maldito, desgraçado. – Vira de lado, vira de lado, grita outro. – Tem que ajeitar o foco, fala um terceiro. Depois dessas cenas - foi cascudo em tudo que era cabeça da família Sarney. De repente, todos os males, inclusive as cenas violentas trazidas ao público, eram únicas e exclusivamente culpa da chamada oligarquia política que mandava no Estado e liderada pelo senador José Sarney. Mas nesse caso, vou defender a governadora Roseana Sarney. Primeiro, deve-se a ela a oportunidade que o mundo teve de conhecer o falido sistema prisional brasileiro. Se ela tivesse negociado com os servidores do sistema penitenciário do Maranhão, e atendido suas reivindicações, ninguém teria visto as imagens aterrorizantes que foram encaminhadas à imprensa. Pasmem Senhoras e Senhores, o responsável pela distribuição do filme foi o Sindicato da categoria dos servidores desse mesmo sistema penitenciário. Ou seja: quem deveria estar evitando fatos horrendos como aqueles, são os mesmos que assistiram e estimularam a sua publicidade. Que pacto foi esse firmado entre uma entidade de trabalhadores e assassinos frios para filmagem de um evento macabro? Quem é o Lumpenproletariat dessa história? Os servidores ou os assassinos? Ou ambos? Oxalá que a moda não pegue: servidores saindo pela rua com cabeças (bonecos) de gestores públicos ou de políticos que não atenderem os seus pleitos.
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Os fatos ocorridos no Complexo de Pedrinhas têm muito a ver com a falência do sistema penitenciário brasileiro. A lei de execução penal é uma das mais avançadas do mundo, porém, como muitas leis neste país, sem qualquer possibilidade de ser executada. Faltam recursos e vontade política, sem falar que é um tipo de serviço público que não merece qualquer tipo de prioridade. O legislador brasileiro tem a péssima mania de fazer leis avançadas como se estivesse no primeiro mundo, mas impossíveis de serem efetivadas. Não o faz com base na realidade concreta, mas buscando em países mais avançados experiências totalmente divorciadas da nossa cultura e das nossas reais condições estruturais. Espera-se, entretanto, a abertura de um novo debate sobre a situação, que não é somente do complexo penitenciário maranhense, mas de todo o Brasil, onde a superlotação e outros males formam o cotidiano desses estabelecimentos penais. O que estarrece, no entanto, é a utilização de uma prática estatisticamente baixa dos homicídios ocorridos no Brasil e no mundo: a decapitação. Glauber Rocha deu o título de Cabezas Cortadas ao seu filme rodado na Espanha e que não teve boa aceitação da crítica. Mas interessa aqui a metáfora glauberiana de uma estátua grega com a cabeça cortada. É na cabeça que se cria tudo e onde está o raciocínio. Cortar as cabeças é fulminar com a razão, com a criação, ou como disse André Breton, “a metáfora tem a capacidade de esculpir o espaço do real, no caos da razão”. O filme fala de ditadores da América Latina, ou como disse o próprio Glauber, “É um filme contra as ditaduras, é o funeral das ditaduras”. Mas a realidade sem metáforas, é que as decapitações, durante a história, tiveram várias significações, fossem elas como demonstração de força, como prova da ocorrência, como exemplo para um grupo de pessoas, como um recado para uma facção rival e até como a marca de algum serial killer, ou, também, como forma de humilhar e subjugar o adversário. Desde a antiguidade até os dias atuais, a história está cheia de casos de decapitações. Nem a Bíblia escapa.
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No Novo Testamento, temos a história de João Batista, o profeta que pregava o arrependimento e que batizava as pessoas no rio Jordão. Ele teve a cabeça cortada e servida numa bandeja a mando de Herodes sob a acusação de ter propagado um romance de Herodes com uma cunhada. Nada disso, na verdade Herodes temia a liderança de João Batista, que era muito querido pelo povo. No Brasil colonial, ainda no tempo das ordenações, uma das formas de penas capitais era a decapitação. Outro exemplo brasileiro foi o do bando de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, onde alguns tiveram as suas cabeças cortadas pelas chamadas volantes e expostas por vários lugares. Outros nomes importantes da história tiveram as suas cabeças cortadas, como Robespierre, durante a Revolução Francesa, Luiz XVI e Maria Antonieta, todos guilhotinados. Tiradentes foi um caso à parte. Foi enforcado, e depois de esquartejado, teve a sua cabeça exposta em praça pública para servir de exemplo a toda qualquer tentativa de libertar o país do jugo português. No Maranhão, cabeças foram cortadas. Espera-se que o exemplo não contribua para a vitória do lumpesinato. Aliás, como diria Glauber Rocha, “No Brasil só tem três coisas que funcionam: a Igreja, o Itamaraty e o Exército, porque têm hierarquia. E país que não tem hierarquia é uma esculhambação”.
 
Retratos da vida
O homem das duas mil virgens
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Demétrio gostava muito do Cacique Chá. Chegava sempre com um livro debaixo do braço. Sempre estava sozinho, meditabundo, e dificilmente alguém se aconchegava para interromper aquele estado de busca de maior equilíbrio e harmonia cósmica. Aliás, um seu colega de profissão, Irineu, era o único que ousava invadir o seu mundo.  E justiça se faça, ele gostava da presença de Irineu, mas pouco falava. O grande incentivador dessas suas leituras era um conhecido advogado criminalista, bastante ilustrado e com vasto conhecimento em filosofia do direito e em literatura marginal. Era um homem atualizadíssimo. Era o doutor surgir no restaurante, que ele gritava – Eminente causídico, quais as novidades no mundo da antropologia? E o advogado citava uma ou duas obras, ele anotava e comprava. E quando voltava a encontrar o advogado, olhe ele com o livro debaixo do braço. Fazia questão de mostrar a obra e sempre dizia: - grande autor, grande obra, mas, por favor, quem está bem, hoje, na sociologia? E por aí ele ia formando uma das mais ricas bibliotecas privadas de Sergipe. Hanah Arendt, Jean Paul Sartre, José Ingenieros, Albert Camus, Goethe, George Orwell, Franz Kafka, Cícero, Dostoiéwski, Marcel Proust, Immanuel Kant, William Faulkner, André Malraux, André Comte–Sponville, Henry David Thoreau, Voltaire, Montaigne, Fernando Pessoa, José Saramago, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Machado de Assis, e tantos e tantos outros autores estrangeiros ou nacionais. Ultimamente, o grande amor dele é Zygmunt Bauman, um sociólogo polonês que fala muito sobre a fragilidade dos laços humanos. Irineu é, talvez, o único amigo frequentador de sua casa e que sabe, amiúde, de todo acervo existente na biblioteca escondida num dos quartos de uma casa situada no centro da cidade, onde ele vive sozinho, ou melhor, vive com um gato e um papagaio, a quem ele deu os nomes de “Francisco Carlos” e “Cauby”, respectivamente, em homenagem a dois grandes cantores da década de 1950. Mas Irineu é, também, um fofoqueiro. Segundo ele, Demétrio, nunca leu quaisquer das obras existentes na biblioteca. Quando perguntado se Demétrio tinha mulher ele respondia: – uma não, duas mil, todas rigorosamente virgens.

Clóvis Barbosa escreve aos domingos, quinzenalmente.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, domingo e segunda-feira, 2 e 3 de fevereiro de 2014, Caderno A-7.
- Publicado no Blog Primeira Mão, domingo, 2 de fevereiro de 2014, às 16h52min, sítio:


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