Aracaju/Se,

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Portugal derruba Exame de Ordem para Estagiário

Notícias Jurídicas

Portugal derruba Exame
de Ordem para estagiário
Por Aline Pinheiro


Os recém-formados em Direito em Portugal podem respirar aliviados. O Tribunal Constitucional português derrubou a prova exigida para que os graduados pudessem iniciar o estágio obrigatório antes de receber a carteira de advogado. Para os juízes da corte, a obrigatoriedade imposta pela Ordem dos Advogados viola a Constituição portuguesa. O exame para os estagiários foi criado no final de 2009 pela Ordem portuguesa, sob a batuta do presidente António Marinho e Pinto. Mal começou a ser aplicado e o teste já ganhou desafetos seja entre os estudantes seja entre os escritórios de advocacia. A primeira prova foi aplicada em março do ano passado e teve como índice de reprovação quase 90%. Dos 288 graduados que fizeram a prova, só 32 foram aprovados. Enquanto alguns estudantes recorreram à Justiça para driblar o exame, escritórios de advocacia anunciaram que continuariam contratando estagiários mesmo sem terem sido aprovados, pois confiavam nos próprios critérios de seleção. Quem levou a discussão para o Tribunal Constitucional foi o provedor de Justiça português, Alfredo José de Sousa. A função do provedor de Justiça, figura presente em vários países europeus, é ser o ombudsman da sociedade. Na semana passada, ao analisar a validade da prova, o Tribunal Constitucional considerou que fere a Constituição da República de Portugal. Para os juízes, a obrigatoriedade da prova restringe o direito constitucional de livre acesso às profissões. Mesmo esse direito não sendo absoluto, ele só pode ser restringido por meio de lei aprovada pelo Legislativo, explicaram os julgadores. A prova para os estagiários foi criada por normativa da própria Ordem dos Advogados e, segundo ressaltou o tribunal, não é da competência da instituição criar restrições ao acesso à Advocacia.

António Marinho e Pinto
Presidente da OAB de Portugal

Processo de Bolonha


Até 2009, o recém-formado passava por um estágio obrigatório de dois anos em um escritório de advocacia e só depois fazia uma prova para obter o registro como profissional. Quando criou o exame para os estagiários, a Ordem usou como justificativa a massificação e consequente queda de qualidade do ensino jurídico no país, provocados pelo que ficou conhecido como Processo de Bolonha. Assinada em 1999, a Declaração de Bolonha hoje conta com a adesão de mais de 40 países europeus e tem como objetivo criar uma área comum de ensino superior na Europa. Com a adesão ao pacto, os países tiverem de submeter o ensino superior a uma reforma. Em Portugal, os cursos de Direito, que antes duravam cinco anos, hoje podem ser concluídos em três anos. O presidente da Ordem já admitiu, em outras ocasiões, que essa redução é uma vergonha. De acordo com a regra criada por ele, o exame para o estágio só é necessário para quem se formou após o Processo de Bolonha. Entre as justificativas para a criação do exame para os estagiários, a Ordem dos Advogados aponta a massificação da profissão. De acordo com a instituição, em meados dos anos 1980, havia 6 mil advogados em Portugal. Hoje, são mais de 30 mil. "Hoje, existem em Portugal milhares de advogados que lutam desesperadamente pela sobrevivência profissional que só poucos conseguirão. O rácio de advogados por habitantes aproxima-se do dos países da América Latina, afastando Portugal dos modelos da advocacia existente nos países desenvolvidos da Europa", justificou. A argumentação não convenceu o Tribunal Constitucional, que rebateu: "O respeito pela reserva de lei funcionará aqui como uma garantia do interesse geral contra o risco de uma regulamentação de índole corporativista. Nessa matéria, não se pode esperar que a satisfação do interesse público resulte das medidas de prossecução dos interesses corporativos dos associados da ordem profissional, tanto mais que os destinatários da respectiva normação não são estes, mas sim os candidatos a nela ingressarem".

Leia a Decisão



ACÓRDÃO N.º 3/2011
Processo n.º 561/10
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

Relatório

O Provedor de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa (CRP), deduziu pedido de fiscalização abstracta sucessiva, requerendo a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas que constam do artigo 9.º - A, n.º 1 e 2, do Regulamento n.º 52-A/2005, de 1 de Agosto (Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de Dezembro, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados.

Invocou, em resumo, os seguintes fundamentos: O artigo 9.º-A do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados, aditado pela Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de Dezembro, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, criou um novo exame nacional de acesso ao estágio, que consiste na realização de uma prova escrita que incide sobre as disciplinas jurídicas que estão previamente definidas no referido Regulamento.

Deverão submeter-se a tal exame os candidatos que tenham obtido a respectiva licenciatura em Direito após o processo de Bolonha, dele ficando excluídos os candidatos que sejam detentores do grau de mestre em Direito e aqueles que tenham obtido a licenciatura antes do Processo de Bolonha. A introdução de um exame nacional de acesso ao estágio é uma medida absolutamente inovatória face ao quadro legal referente à inscrição na Ordem dos Advogados e, concomitantemente, no acesso à profissão de advogado.

De facto, o artigo 187.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, determina que “podem requerer a sua inscrição como advogados estagiários os licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados”. Por outro lado, o Estatuto elenca, no respectivo artigo 181.º, n.º 1, alíneas a) a e), as restrições ao direito de inscrição passíveis de serem aplicadas e regulamentadas pela Ordem, não podendo, designadamente, ser inscritos: os que não possuam idoneidade moral para o exercício da profissão, os que não estejam no pleno gozo dos direitos civis, os declarados incapazes de administrar as suas pessoas e bens por sentença transitada em julgado, os que estejam em situação de incompatibilidade ou inibição do exercício da advocacia, bem como os magistrados e funcionários que, mediante processo disciplinar, hajam sido demitidos, aposentados ou colocados na inactividade por falta de idoneidade moral.

Comprovados os demais requisitos e atestada a posse do  grau de  licenciado em Direito, não prevê o Estatuto da Ordem, em momento prévio e condicionante da inscrição  na  referida   associação pública,   qualquer outra prova de conhecimentos   científicos, que se presumirão adquiridos. Deste modo, a imposição da aprovação no exame a que  alude o  artigo 9.º-A do Regulamento como condição para que o candidato   licenciado em Direito possa requerer a sua inscrição na Ordem dos Advogados, aparece como uma medida inovatória,adicionalmente restritiva do acesso à  formação  (na Ordem dos Advogados),  logo  de  acesso  ao  exercício da profissão (de advogado), estando, como se sabe, este dependente daquele.

Não cabe aqui discutir o eventual mérito das razões invocadas pela Ordem para a introdução do exame de acesso ao estágio em si mesmo e nos termos em que o fez. O artigo 9.º-A do Regulamento de Estágio foi aprovado, passe o pleonasmo, por mero regulamento, e, consequentemente, em violação portanto da reserva de lei, imposta, desde logo, pelo artigo 18.º, n.º 2 e 3 da Constituição. De facto, e como se disse já, a circunstância de o licenciado em Direito estar dependente da aprovação num exame para poder requerer a sua inscrição na Ordem dos Advogados constitui uma verdadeira restrição ao acesso à formação da Ordem, única via que permite o acesso à profissão de advogado.

Assim sendo, a introdução do referido exame de acesso constitui uma verdadeira restrição à liberdade de escolha de profissão, garantida pelo artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, que determina que “todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade”. A liberdade de escolha de profissão faz parte do elenco dos direitos, liberdades e garantias cuja restrição só pode, nos termos do artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, do texto constitucional, ser operada por via de lei formal, isto é, lei da Assembleia da República ou decreto-lei do Governo. Em anotação precisamente ao art.º 47.º, n.º 1, da Lei Fundamental, referem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra 2005, p. 476): “A Constituição expressamente admite, no n. º 1, “as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade”. Quer dizer: a liberdade de profissão – a de escolha e, a fortiori, a de exercício – fica logo recortada no catálogo constitucional de direitos conexa com os dois postulados limitativos, com a consequente compressão do seu conteúdo. As restrições têm de ser legais, não podem ser instituídas por via regulamentária ou por acto  administrativo".

Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Coimbra 2007, p. 658): “as ordens profissionais e figuras afins (“câmaras profissionais”, etc.) não podem estabelecer autonomamente restrições ao exercício profissional – as quais só podem ser definidas por lei (reserva de lei). Deste modo, desde logo se conclui que a restrição, por via regulamentar, concretamente pelas normas do artigo 9.º-A, n.ºs 1 e 2, do Regulamento Nacional de Estágio, do direito em causa, traduz uma violação do regime formal dos direitos,liberdades e garantias, designadamente a imposição constitucional, ínsita nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Lei Fundamental, de que eventuais restrições se façam por lei em sentido formal.

Integrando a liberdade de escolha de profissão o elenco dos direitos, liberdades e garantias a que se refere o artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, a restrição imposta pelas normas do art.º 9.º-A do Regulamento deveria ter sido promovida por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei por aquela autorizado. Neste sentido, e analisando situação idêntica, conclui-se, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 347/92, que “a definição de quem reúne as condições legais para se inscrever [numa associação pública profissional, no caso do Acórdão a Câmara dos Solicitadores] inclui-se na reserva parlamentar, havendo, por isso, de constar de lei formal ou de decreto-lei do Governo, devidamente autorizado para o efeito".

Diga-se, ainda, que de acordo com abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria, esmo que se entendesse que a introdução do exame nacional de acesso ao estágio da Ordem dos Advogados não constituiria uma verdadeira restrição da liberdade de escolha de profissão, “a reserva legislativa parlamentar em matéria de direitos, liberdades e garantias, abrange “tudo o que seja matéria legislativa, e não apenas as restrições do direito em causa” (Acórdão n.º 255/02, que cita o Acórdão n.º 128/00). Desta forma, as normas em causa são inconstitucionais por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Lei Fundamental. Em resposta, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, representado pelo seu Presidente, o Bastonário, veio responder nos termos que, em síntese, se seguem: O Regulamento Nacional de Estágio foi alterado pela Deliberação n.º 3333-A/2009,e 16 de Dezembro, do Conselho Geral, no sentido de criar uma exame nacional de acesso ao estágio, nos termos do artigo 9.º-A, n.ºs 1 e 2. A norma que criou o exame de acesso ao estágio teve, nos termos da deliberação que a aprovou, um objectivo claro de garantir a eficácia da formação e a valorização profissional do estágio, associadas à dignidade funcional e ao prestígio social da profissão de advogado.

A deliberação esclarece ainda que com a instituição do exame de acesso ao estágio se visou assegurar que “os licenciados que pretendem ingressar no estágio na Ordem possuam os conhecimentos jurídicos necessários à formação profissional que irão receber. Daí que a Ordem tenha o direito, que é simultaneamente um dever, de verificar previamente a preparação científica de que são portadores esses candidatos à Advocacia. Este objectivo é essencial à boa formação profissional dos futuros Advogados, sobretudo num país onde o ensino jurídico se degradou acentuadamente devido à sua massificação, em consequência da proliferação de cursos de direito. Por isso se institui um exame nacional de acesso ao estágio apenas para os licenciados com menos de cinco anos de formação académica e, ao mesmo tempo, se transforma o exame de aferição num exame nacional de acesso à segunda fase do estágio”.

O direito de escolha da profissão não é ilimitado. O legislador constitucional expressamente previu que o direito de escolha da profissão é passível de ser restringido em função do interesse colectivo e da própria capacidade. O legislador ordinário expressamente previu limitações no acesso à profissão de advogado e, além disso, remeteu para o poder regulamentar autónomo da Ordem dos Advogados a indicação das normas a que obedece a inscrição. As normas constantes do artigo 9.º-A do Regulamento de Estágio são expressão do papel conferido à Ordem dos Advogados ao nível do acesso ao direito, da protecção jurisdicional efectiva dos cidadãos e da boa administração da justiça, papel esse que cria necessidades específicas de regulação que a Ordem deve poder satisfazer nos termos do papel que lhe é constitucionalmente conferido enquanto associação pública, no artigo 267.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição.

As associações profissionais públicas, como a Ordem dos Advogados, podem e devem aprovar regulamentos independentes como corolário da sua autonomia normativa, desde que devidamente habilitadas por lei. Como bem comentam Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, págs. 488, 489 e 490: "Só estão integralmente reservados à lei e à disciplina das matérias na medida ou nos aspectos considerados materialmente legislativos. E, para o efeito, mais do que insistir na restrição do poder regulamentar aos simples pormenores de execução, o que importa é assegurar que os aspectos objecto de normação (…) não se prendem com questões essenciais ou primárias que impliquem opções fundamentais que devam ser tomadas pelo legislador democrático nacional. (…) Afigura-se possível (…) numa ordem constitucional em que as matérias reservadas à lei são vastas e globais, admitir, em certas condições, a emissão de regulamentos independentes em matérias de reserva de lei".

O exame foi criado ao abrigo do Estatuto da Ordem dos Advogados, mais especificamente ao abrigo do artigo 182, n.º 1, que se refere aos regulamentos de inscrição, e do 184.º, n.º 1 e 2, que se refere aos regulamentos de estágio e de acesso ao estágio, com apoio, ainda, nos artigos 45.º, n.º 1, alínea g) e 3.º, do mesmo Estatuto, que estabelecem, respectivamente, as competências regulamentares do Conselho Geral em matéria de inscrição e estágio e as atribuições da Ordem dos Advogados. A liberdade de ingresso na profissão esteve sempre restringida. Do actual estágio que tem a duração global mínima de 24 meses já constam um exame intermédio e outro final (artigos 184.º e 188.º do EOA).

São, como vimos, razões de interesse colectivo e relacionados com a avaliação da capacidade própria dos candidatos que legitimam estes exames. A Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, que regula o ingresso na magistratura, assumiu, aliás, uma posição bem mais radical do que a prevista no Regulamento de Estágio da Ordem dos Advogados: a licenciatura não é pura e simplesmente suficiente, exigindo-se outras habilitações académicas ou profissionais. Nem mesmo com um exame uma pessoa que tenha apenas a licenciatura em direito pode ingressar na magistratura. O exame de acesso ao estágio não constitui uma restrição à liberdade de escolha da profissão, mas apenas uma limitação imposta pela necessidade de conciliar interesses contrapostos.

Não cabe no âmbito da reserva de lei a instituição e exigência por associação pública de profissionais de um "exame de entrada na profissão". Diga-se, aliás, que após debate sobre a proposta de proibição de exames de entrada na profissão, no âmbito da discussão e aprovação da Lei n.º 6/2008, o legislador acabou, depois de ampla contestação do Conselho Nacional da Ordens Profissionais, por retirar do n.º 3 do artigo 21.º da Lei a menção a exame de entrada na profissão, revelando assim a intenção de não excluir a possibilidade de tal exame. O legislador teve antes a intenção de reconhecer às Ordens Profissionais o poder de regulamentar, caso assim o entendam, de acordo com os seus fins e competência próprias.

O exame nacional uniforme é tanto mais justificado quando é certo que há instituições de ensino que, nos termos permitidos por lei, atribuem o grau de licenciado após a conclusão com aproveitamento de apenas três anos enquanto outras exigem quatro anos. O artigo 9.º-A do Regulamento Nacional de Estágio não impede aos licenciados o acesso à profissão: eles podem obter aproveitamento no exame. Tais normas apenas pretendem salvaguardar os interesses colectivos da garantia dos cidadãos de uma tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos, com uma adequada administração da justiça, em que participem pessoas cuja capacidade tenha sido devidamente aferida. O artigo 9.º-A mostra-se, depois de ponderados todos os interesses públicos e privados em presença, não só necessário, mas também adequado e proporcional. Nestes termos deverá o Tribunal julgar improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade do artigo 9.º-A, n.ºs 1 e 2, do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados (Regulamento 52-A/2005, de 1 de Agosto, com a redacção da Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de Dezembro do Conselho Geral da Ordem dos Advogados).

Elaborado pelo Presidente do Tribunal o memorando a que se refere o artigo 63.º, da Lei do Tribunal Constitucional, e tendo este sido submetido a debate, nos termos do n.º 2, do referido preceito, cumpre agora decidir de acordo com a orientação que o Tribunal fixou.

Fundamentação

1. O Conselho Geral da Ordem dos Advogados, na sua sessão plenária de 28 de Outubro e de 10 de Dezembro de 2009, deliberou (Deliberação n.º 3333-A/2009, publicada no Diário da República, 2.ª Série, n.º 242, de 16 de Dezembro de 2009), ao abrigo do disposto no artigo 45.º, n.º 1, alínea g), do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA.), aprovar alterações ao Regulamento Nacional de Estágio (RNE), tendo aditado o artigo 9.º-A, em que os dois primeiros números têm a seguinte redacção: Artigo 9º-A Exame nacional de acesso ao estágio 1 – A inscrição preparatória dos candidatos que tenham obtido a sua licenciatura após o Processo de Bolonha será antecedida de um exame de acesso ao estágio, com garantia de anonimato, organizado a nível nacional pela CNA ou por quem o Conselho Geral, designar. 2 – O exame nacional de acesso será constituído por uma única prova escrita e incidirá sobre algumas das seguintes disciplinas: de direito constitucional, direito criminal, direito administrativo, direito comercial, direito fiscal, direito das obrigações, direito das sucessões, direitos reais, direito da família, direito do trabalho e, ainda, direito processual penal, direito processual civil, processo do trabalho, procedimento administrativo e processo tributário. .[…]

Nos termos do artigo 184.º, do EOA, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, o pleno e autónomo exercício da advocacia depende, em regra, de um tirocínio sob orientação da Ordem dos Advogados, destinado a habilitar e certificar publicamente que o candidato, licenciado em Direito, obteve formação técnico-profissional e deontológica adequada ao início da actividade, competindo aos serviços de estágio da Ordem dos Advogados assegurar o ensino dos conhecimentos de natureza técnicoprofissional e deontológica e o funcionamento do inerente sistema de avaliação. Anteriormente à referida deliberação, a inscrição preparatória como advogado estagiário na Ordem de Advogados estava aberta aos licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados, nos termos do artigo 187.º, do EOA, sem que o Estatuto ou o RNE previsse a necessidade de realização de qualquer exame prévio de avaliação. Com a introdução dos preceitos acima transcritos, no RNE, essa inscrição, relativamente aos candidatos que tenham obtido a sua licenciatura após o Processo de Bolonha, passou a estar condicionada à aprovação em exame de acesso ao estágio organizado pela Ordem dos Advogados. Na verdade, sendo um exame de acesso ao estágio, como refere a epígrafe do referido artigo 9.º-A, e o texto do seu n.º 1, é óbvio que a finalidade do mesmo é seleccionar, entre os candidatos, apenas aqueles que revelem os conhecimentos necessários ao ingresso no estágio de advocacia, o que é confirmado pelo disposto no n.º 4, do mesmo artigo 9.º-A. Quem não obtiver a aprovação neste exame não se poderá inscrever na Ordem dos Advogados, como advogado estagiário. O exame consiste numa prova escrita sobre uma das matérias jurídicas elencadas no n.º 2, do artigo 9.º-A, através do qual a Ordem dos Advogados procurará aferir do nível de conhecimentos jurídicos dos candidatos, com vista a apurar se a sua preparação científica é suficiente para receberem a subsequente formação profissional.

No novo preâmbulo do RNE, aprovado pela mesma deliberação n.º 3333-A/2009, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, é possível surpreender a motivação que presidiu à consagração deste exame: “…a massificação do ensino do Direito em Portugal, devida sobretudo à multiplicação de universidades privadas, conduziu a uma diminuição generalizada da sua qualidade, com repercussões negativas em todas as profissões jurídicas. No que à Advocacia diz respeito, verificou-se que a Ordem dos Advogados não foi capaz de, ao longo dos anos, obstar às consequências nefastas daquela situação. A Advocacia massificou-se, passando de cerca de 6.000 Advogados em meados dos anos 80, para mais de 30.000 na actualidade. O resultado mais visível desse fenómeno foi a degradação da profissão, com perda da sua secular dignidade funcional e prestígio social. Hoje, existem em Portugal milhares de Advogados que lutam desesperadamente pela sobrevivência profissional que só poucos conseguirão. O rácio de Advogados por habitantes aproxima-se do dos países da América Latina, afastando Portugal dos modelos da Advocacia existente nos países desenvolvidos da Europa.

Embora com um atraso de vários anos ainda não é tarde para proceder às reformas que invertam a situação e criem as condições para que a Advocacia portuguesa volte a ser uma profissão com a dignidade e a qualidade que foram a individualizaram ao longo dos séculos. E a primeira de todas as reformas tem, necessariamente, de incidir nos mecanismos de acesso à profissão, nomeadamente a formação profissional, a qual, em bom rigor, não é objecto de reformas de fundo, praticamente, desde a criação do actual modelo, ou seja, desde há cerca de 20 anos. Por isso impõe-se proceder a alterações no Regulamento Nacional de Estágio de molde a adaptar a formação de novos Advogados às mudanças que ocorreram na sociedade… Importa, por outro lado, garantir que os licenciados que pretendem ingressar no estágio na Ordem possuam os conhecimentos jurídicos necessários à formação profissional que irão receber. Daí que a Ordem tenha o direito, que é simultaneamente um dever, de verificar previamente a preparação científica de que são portadores esses candidatos à Advocacia. Este objectivo é essencial à boa formação profissional dos futuros Advogados, sobretudo num país onde o ensino jurídico se degradou acentuadamente devido à sua massificação, em consequência da proliferação de cursos de direito. Por isso se institui um exame nacional de acesso ao estágio apenas para os licenciados com menos de cinco anos de formação académica…”

O Requerente invoca que a aprovação, por via regulamentar, deste exame nacional de acesso ao estágio da Ordem dos Advogados, foi um acto que invadiu a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, designadamente a definida pela alínea b), do n.º 1, do artigo 165.º, da Constituição, colocando assim em causa a competência constitucional do Conselho Geral da Ordem dos Advogados para aprovar as normas impugnadas. É esta argumentação cuja procedência importa verificar.

2. A compreensão de que a advocacia, enquanto profissão liberal, desempenha um papel essencial na realização da justiça, levou a que se atribuísse a uma associação pública – a Ordem dos Advogados – a tarefa de zelar pela função social, dignidade, prestígio e qualidade da profissão, chamando-se, assim, a colaborar, na prossecução de um interesse público, uma pessoa colectiva, cujos associados são precisamente os advogados, consubstanciando uma cedência pelo Estado de poderes a uma entidade autónoma. Entendeu-se que a melhor maneira de proceder à supervisão do exercício duma actividade profissional privada, fundamental para a boa administração da justiça, era entregar essa função à associação representativa dos interesses dos advogados,
confiando-se que a prossecução desses interesses conduziria à realização dos desígnios públicos neste domínio (vide sobre a história da Ordem dos Advogados em Portugal, Alberto Sousa Lamy, em A Ordem dos Advogados Portugueses – História, órgãos, funções, ed. de 1984, da Ordem dos Advogados, e sobre a atribuição a esta instituição de poderes de direcção e disciplina da advocacia desde 1926, Augusto Lopes Cardoso, em Da associação dos advogados de Lisboa à Ordem dos Advogados – Subsídios históricos e doutrinais para o estudo da natureza jurídica da Ordem dos Advogados, separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 48, I, Abril de 1988, e Rogério Ehrhardt Soares, em A Ordem dos Advogados uma corporação pública, na RLJ, Ano 124.º, p. 161 e seg.). Como impressivamente se disse no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março, que aprovou o anterior EOA, “assim se concretiza o princípio da descentralização institucional que aproxima a Administração dos cidadãos, e se articulam harmoniosamente os interesses profissionais dos Advogados com o interesse público da justiça”.

Para que esta finalidade tutelar da profissão fosse plenamente alcançada impôs-se a inscrição obrigatória na Ordem dos Advogados, como condição para o exercício da profissão de advogado (artigo 61.º, do EOA), efectuando-se, em regra, inicialmente, uma inscrição preparatória de acesso ao estágio de advocacia (estão, no entanto, a título de excepção, dispensados de tirocínio, podendo inscrever-se imediatamente como advogados, os doutores em Ciências Jurídicas, com efectivo exercício de docência, os antigos magistrados com exercício profissional por período igual ou superior ao do estágio, que possuam boa classificação, juristas de reconhecido mérito, mestres e doutores em Direito, cujo título seja reconhecido em Portugal, e advogados estrangeiros, nos termos dos artigos 192.º e seg. do EOA). O EOA, no artigo 187.º, limitou o acesso a esta inscrição preparatória, dispondo que podem requerer a inscrição como advogados estagiários os licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados, tipificando, contudo, no artigo 181.º, n.º 1, algumas situações de impedimento a essa inscrição. Não está prevista neste diploma, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, a realização pelos candidatos de qualquer exame prévio de ingresso no estágio, pelo que a sua consagração no artigo 9.º-A, do RNE, contempla a imposição de uma nova condição, relativamente ao disposto no Estatuto, não se tratando apenas de um aspecto de regulamentação complementar da inscrição ou do acesso ao estágio. As normas questionadas não se traduzem numa mera pormenorização adicional dos aspectos de funcionamento de um meio de selecção de candidatos já consagrado estatutariamente, regulando, por exemplo, a variedade das disciplinas que devem compor o conteúdo de tal exame ou as fontes de informação e o número de horas de que os candidatos devem poder dispor para o realizar, mas antes se assumem como uma determinação ex novo de uma condição adicional de acesso ao estágio de advocacia.

Assim, constata-se que o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, invocando o disposto no artigo 45.º, n.º 1, alínea g), do Estatuto da Ordem dos Advogados (EAO), que lhe atribui o poder de elaborar e aprovar o regulamento de inscrição dos advogados estagiários, ao aprovar o exame previsto nos dois primeiros números do artigo 9.º-A, do RNE, criou, por via regulamentar autónoma, uma nova condição de acesso ao estágio de advocacia. E sendo este tirocínio, em regra, necessário à inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados, a qual, por sua vez, é obrigatória para o exercício da advocacia, a realização e aprovação nesse exame funciona como uma condição essencial de acesso ao exercício da profissão de advogado.

3. O artigo 47.º, n.º 1, da CRP, inserido no capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, assegura que todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade. A liberdade de escolha de profissão tem vários níveis de realização, neles se incluindo a fase de ingresso na actividade profissional, a qual pode estar sujeita a condicionamentos de índole subjectiva, mais ou menos exigentes, impostos com a finalidade de assegurar a qualidade do serviço profissional a prestar, atenta a sua relevância social. Estes condicionamentos, quando assumem um cariz limitativo do universo das pessoas que podem exercer uma determinada profissão, inserem-se na zona nuclear do direito à livre escolha da profissão, pela importância do papel que desempenham na definição da amplitude dessa liberdade, estando por isso a sua previsão necessariamente reservada à lei parlamentar, ou a diploma governamental devidamente autorizado, por se tratar de matéria atinente à categoria dos direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP.

Ora, a realização do exame previsto nos dois primeiros números do artigo 9.º-A, do RNE, permite à Ordem dos Advogados seleccionar, entre os candidatos ao exercício da profissão de advogado, apenas aqueles que nesse exame revelem o grau de conhecimentos por ela fixado como suficiente para o ingresso na fase de estágio, impedindo, assim, o acesso à profissão de advogado àqueles que não lograrem revelar esse grau de conhecimentos, não obtendo aprovação no exame. Estando nós, no caso sub iudice, perante o estabelecimento de uma condição limitativa do acesso a uma associação pública, de inscrição obrigatória para o exercício da respectiva actividade profissional, situamo-nos na zona nuclear do direito à livre escolha da profissão, pelo que a sua previsão, mesmo nas interpretações menos exigentes do alcance da reserva de lei, está obrigatoriamente abrangida por esta, estando tal matéria excluída da competência regulamentar autónoma da respectiva ordem profissional (vide, neste sentido, relativamente à definição dos requisitos de acesso às ordens profissionais, em geral, Jorge Miranda, em As associações públicas no direito português, separata da Revista da Faculdade de Direito, 1988, p. 87, Jorge Miranda/Rui Medeiros, em Constituição Portuguesa anotada, vol I, p. 976-977, da 2.ª ed., da Coimbra Editora/Wolters Kluver, Vital Moreira, em A administração autónoma e associações públicas, p. 471, da ed. de 1997, da  Coimbra Editora, J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa anotada, vol. I, p. 658, da ed. de 2007, da Coimbra Editora, e, especificamente, relativamente aos requisitos de inscrição na Ordem dos Advogados, João Pacheco de Amorim, em A liberdade de escolha da profissão de advogado, p. 71-74, da ed. de 1992, da Coimbra Editora).

É certo que a lei no EOA (alíneas g) e h), do artigo 45.º), atribuiu à Ordem dos Advogados o poder de auto-regular-se, emitindo regulamentos sobre aspectos da sua vida interna, numa demonstração de descentralização normativa e aproximação dos instrumentos reguladores às instâncias reguladas, uma vez que, como nota Vital Moreira, “o regulador e os regulados são uma e a mesma coisa” (In “Auto-regulação profissional e administração pública”, pág. 130, da ed. de 1997, da Almedina), tendo as normas emitidas pela Ordem como destinatários os seus associados. Mas esse poder nunca poderá ser utilizado para invadir o núcleo duro do direito à livre escolha de uma profissão que abrange a definição das condições essenciais subjectivas de acesso ao exercício da respectiva actividade. Essa é uma matéria que pertence às políticas primárias da comunidade nacional, pelo que só a Assembleia da República, ou o Governo por ela autorizado, tem competência para legislar nesse domínio. O respeito pela reserva de lei funcionará aqui como uma garantia do interesse geral contra o risco duma regulamentação de índole corporativista. Nessa matéria, não se pode esperar que a satisfação do interesse público resulte das medidas de prossecução dos interesses corporativos dos associados da ordem profissional, tanto mais que os destinatários da respectiva normação não são estes, mas sim os candidatos a nela ingressarem.

Assim, independentemente da posição que se adopte relativamente ao âmbito da competência delegada das ordens profissionais para emitir regulamentos autónomos, nomeadamente em matéria de direitos, liberdades e garantias (vide, sobre este tema, com posições não coincidentes, Vital Moreira, em A administração autónoma e associações públicas, p. 186-192, da ed. de 1997, da Coimbra Editora, Luís Cabral Moncada, em Lei e Regulamento, p. 1088-1090, da ed. de 2002, da Coimbra Editora, e Ana Raquel Gonçalves Moniz, em A titularidade do poder regulamentar no direito administrativo português, p. 552 e seg., do BFDUC, vol. LXXX), ou sobre o âmbito do poder regulamentar atribuído pela lei ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados, em matéria de inscrição dos advogados estagiários (artigo 45.º, alínea g), 182.º, n.º 1, e 184.º, n.º 2, do EOA), a consagração ex novo de um exame de acesso ao estágio de advocacia é um acto da competência exclusiva da Assembleia da República, pelo que a sua previsão em Regulamento aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados viola a reserva relativa de competência legislativa consagrada no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP.

Neste mesmo sentido já se pronunciou, aliás, o Tribunal Constitucional, relativamente aos requisitos de acesso a outras associações públicas profissionais em que a inscrição é obrigatória para o exercício da respectiva profissão, como a Câmara dos Solicitadores (acórdão n,º 347/92, em ATC, vol. 23.º, pág. 99) e a Associação de Técnicos Oficiais de Contas (acórdão n.º 355/2005, em ATC, vol. 62.º, p. 801). Nestes termos, procede a pretensão do Requerente, devendo ser declarada a inconstitucionalidade dos n.º 1 e 2, do artigo 9.º - A, do RNE.

Decisão

Pelo exposto, declara-se, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 9.º-A, n.º 1 e 2, do Regulamento Nacional de Estágio, da Ordem dos Advogados, na redacção aprovada pela Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de Dezembro, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa.

Lisboa, 4 de Janeiro de 2011.- João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria Lúcia Amaral – Catarina Sarmento e Castro – Carlos Fernandes Cadilha – Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – vencido conforme declaração em anexo. – Rui Manuel Moura Ramos.

DECLARAÇÃO DE VOTO

1. O Provedor de Justiça solicitou ao Tribunal a apreciação das normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º-A do Regulamento n.º 52-A/2005 de 1 de Agosto (Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação n.º 3333-A/2009 de 16 de Dezembro do Conselho Geral da Ordem dos Advogados. O preceito em que se inscrevem tais normas tem a seguinte redacção:

Artigo 9.º -A
Exame nacional de acesso ao estágio

1 – A inscrição preparatória dos candidatos que tenham obtido a sua licenciatura após o Processo de Bolonha será antecedida de um exame de acesso ao estágio, com garantia de anonimato, organizado a nível nacional pela CNA ou por quem o Conselho Geral, designar.
2 – O exame nacional de acesso será constituído por uma única prova escrita e incidirá sobre algumas das seguintes disciplinas: de direito constitucional, direito criminal, direito administrativo, direito comercial, direito fiscal, direito das obrigações, direito das sucessões, direitos reais, direito da família, direito do trabalho e, ainda, direito processual penal, direito processual civil, processo do trabalho, procedimento administrativo e processo tributário.
3 – Os candidatos que tenham concluído a sua licenciatura, mas que não disponham de certidão comprovativa, poderão proceder à sua apresentação até dez dias antes da realização do exame nacional de acesso ao estágio, sob pena de não admissão à realização do mesmo.
4 – Os candidatos aprovados no exame nacional de acesso ao estágio poderão requerer a sua inscrição preparatória nos termos do artigo seguinte.

O pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral assenta, essencialmente, num motivo bem determinado: a introdução inovadora – e condicionante da inscrição – de um exame de acesso ao estágio. Todavia, a imposição normativa da aprovação no exame como condição para que o candidato licenciado em Direito possa requerer a sua inscrição na Ordem dos Advogados, resulta do n.º 4 – que o requerente não questionou – e não de qualquer segmento dos n.ºs 1 e 2 do preceito. E a verdade é que o Tribunal assenta toda a argumentação que o conduz à solução adoptada (a da inconstitucionalidade dos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º-A do Regulamento, por violação do artigo 165.º n.º 1 alínea b) da Constituição) na natureza condicionante do exame, embora, em meu entender, não seja lícito extrair dos citados n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º-A tal efeito condicionante, que resulta, exclusivamente, do n.º 4 do mesmo preceito. Isto é: a inconstitucionalidade dos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º-A provém de norma inscrita noutro preceito, que, aliás, não está em causa. Sendo assim, conforme me parece que é, o Tribunal não podia declarar inconstitucionais as normas que constituem objecto do pedido.

O Tribunal enfrentou esta questão ao afirmar que, prevendo-se «um exame de acesso ao estágio, como refere a epígrafe do referido artigo 9.º-A, e o texto do seu n.º 1, é óbvio que a finalidade do mesmo é seleccionar, entre os candidatos, apenas aqueles que revelem os conhecimentos necessários ao ingresso no estágio de advocacia, o que é confirmado pelo disposto no n.º 4, do mesmo artigo 9.º-A». Todavia, e independentemente de saber se é admissível, por óbvia, uma tal ilação, o certo é que o autor da norma não a teve por tão evidente, antes sentiu a necessidade de prever expressamente, como não podia deixar de ser, no referido n.º 4, tal efeito. Não é, assim, lícito descortinar essa consequência implícita nas normas impugnadas, tanto mais que decorre expressamente de uma outra norma cuja conformidade constitucional não é impugnada pelo requerente (princípio do pedido, artigo 51º n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional).

2. Acresce, sempre em meu entender, que a norma não ofende o disposto no artigo 165.º n.º 1 alínea b) da Constituição, que estabelece a reserva relativa de competência da Assembleia da República para legislar sobre direitos, liberdades e garantias. Reconhece o acórdão que a alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005 de 26 de Janeiro, atribui ao autor das normas o poder de elaborar e aprovar o regulamento de inscrição dos advogados estagiários. Com efeito, nos termos do aludido preceito, compete, inter alia, ao Conselho Geral «elaborar e aprovar os regulamentos de inscrição dos advogados portugueses, o regulamento de registo e inscrição dos advogados provenientes de outros Estados, o regulamento de inscrição dos advogados estagiários, o regulamento de estágio, da formação contínua e da formação especializada, com inerente atribuição do título de advogado especialista, o regulamento de inscrição de juristas de reconhecido mérito, mestres e outros doutores em direito, o regulamento sobre os fundos dos clientes, o regulamento da dispensa de sigilo profissional, o regulamento do trajo e insígnia profissional e o juramento a prestar pelos novos advogados». O mesmo Estatuto (leia-se, a lei formal) prevê, entre as atribuições da Ordem (artigo 3.º), a de atribuir o título profissional de advogado e de advogado estagiário, bem como a de regulamentar o exercício da respectiva profissão; o artigo 184.º do diploma permite que o exercício da advocacia dependa «de um tirocínio sob orientação da Ordem dos Advogados, destinado a habilitar e certificar publicamente que o candidato, licenciado em Direito, obteve formação técnico-profissional e deontológica adequada ao início da actividade e cumpriu com os demais requisitos impostos pelo presente Estatuto e regulamentos para a aquisição do título de Advogado» e que «o acesso ao estágio, o ensino dos conhecimentos de natureza técnico-profissional e deontológica e o inerente sistema de avaliação são assegurados pelos serviços de estágio da Ordem dos Advogados, nos termos dos regulamentos aprovados em Conselho Geral.»

Daqui retiro que a única condição de acesso ao exercício da advocacia é a inscrição na Ordem, em regra dependente da aprovação em tirocínio exercido sob orientação da mesma Ordem. A lei (formal) entregou, desta forma, à Ordem dos Advogados a competência para concretizar as acções de formação técnico-profissional e deontológica necessárias ao início da actividade profissional. A verdadeira restrição ao exercício da advocacia consiste nisto, na imposição de uma prévia inscrição na Ordem, em regra dependente da prática de um tirocínio profissional. O exame previsto nas normas em causa não assume a natureza de uma causa autónoma de restrição ao exercício da profissão, antes se integra – aliás, harmoniosamente – no já referido tirocínio. Com efeito, no decorrer do estágio são impostos aos candidatos, em fases distintas, exames nacionais, o de aferição e o exame final, com carácter obrigatório e selectivo, também eles condicionantes do sucesso no tirocínio e, consequentemente, da inscrição final. Ora, para efeito de acesso à profissão, o exame previsto nas normas impugnadas tem exactamente a mesma natureza que esses exames, não sendo por isso
possível equipara-lo a uma condição autónoma de acesso à profissão.

É, assim, de concluir que ficou salvaguardado o respeito pela reserva de lei, pelo que também por esta razão votei vencido quanto à inconstitucionalidade ora declarada.-

Carlos Pamplona de Oliveira.

Notícia retirada do Consultor Jurídico:

Obs. documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20110003.html ]







Um comentário:

  1. EU GOSTEI MUITO DO QUE VC COLOCOU NO SEU BLOG.
    ME TIRE UMA DUVIDA, EU SOU BACHAREL EM DIREITO AQUI NO BRASIL, EU POSSO TIRAR A MINHA CARTEIRA DE A MINHA CARTEIRA DE ADVOGADO EM LISBOA.E DEPOIS REVALIDAR AQUI NO BRASIL.E-MAIL(elkcoelho@yahoo.com.br)

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...