Aracaju/Se,

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Poema em Linha Reta

Artigo Pessoal

Poema em linha reta
Clóvis Barbosa
Certa vez, há muitos anos atrás, ainda na minha adolescência, preguei uma peça num amigo intelectual, tido e havido como crítico de toda e qualquer atividade artística. Tivera antes uma discussão com ele a respeito de quem seria o maior poeta da língua portuguesa. Eu de-fendia o nome de Fernando Pessoa, ao que ele afirmava que eu nada entendia de poesia. Para ele, Camões era imbatível e que Pessoa es-tava muito abaixo de ser considerado um poeta da estatura do grande autor de Os Lusíadas. Ao que repeli, com o ardor da minha juventude, que Camões não escrevia para o povo, mas para um seleto grupo de intelectuais, ao contrário de Pessoa cuja poesia penetrava na alma e sempre nos deixava um ensinamento. Pois bem, certo dia, cheguei em sua casa com um poema que gostaria que ele fizesse uma crítica, já que tinha vergonha de mostrar aos meus colegas. Ele leu por umas três vezes, me devolveu com a seguinte decisão: - desista de poesia, está uma bosta!. Imediatamente, retirei do bolso um pequeno livro de Fernando Pessoa, abri em determinada página e mostrei-lhe aquele poema, cujo nome era o do título deste ensaio, poema em linha reta. Ele ficou ruborizado. Eu saí de sua casa num misto de alegria e frenesi. Tinha vingado o meu poeta. Claro que este acontecimento não criou qualquer tipo de inimizade entre nós. Somos amigos até hoje.

Fernando Pessoa

Na verdade, poema de linha reta foi escrito por seu heterônimo Álvaro de Campos, tido por Pessoa como “o mais histericamente histérico de mim”. O poema é um libelo contra a insensatez, a ausência de autocrítica, da falta de vergonha, do egocentrismo, tão em voga nos dias atuais: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. (...) Toda gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu um enxovalho, nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; que contasse, não uma violência, mas uma covardia! Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? (...) Poderão as mulheres não os terem amado, podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!” Powell e Presburger fizeram um filme em 1948 sob o título “Os sapatinhos vermelhos”. Nele, é dito ao personagem russo Boris Lermontov: - você não pode mudar a natureza humana. Ele responde: - É verdade, mas posso fazer algo melhor: ignorá-la. Pois bem, a verdade é que apesar das grandes descobertas, do grande avanço da
tecnologia, o homem pouco evoluiu.

Powell e Presburger
Veja o exemplo da classe política. Nunca se viu tanta autodestruição. É o político desacreditando a política. Qualquer indício de irregularidade, sem qualquer análise mais profunda, é tida e havida como corrupção, improbidade, ladroagem. Ninguém se espanta mais quando se fala que determinado político é ladrão. A crítica, a denúncia, vem do povo? Não! Vem da própria classe política. O comportamento ético de alguns é de arrepiar. Recentemente, um político que foi eleito por uma coligação, repentinamente, descobre que os partidos da coligação que o elegeu são formados por corruptos e, por isso, retira-se da sigla da qual fora eleito e ingressa numa outra, tida como opositora. E tudo fica por isso mesmo. Ele não perde o mandato. Ora, é sabido que no sistema do voto proporcional, o político é eleito pela soma dos votos de todos os outros candidatos do partido ou da coligação. São raros os casos daqueles que se elegem com votos superiores àqueles fixados para o quociente eleitoral. Se esse político, pós eleição, descobre que os seus ex-aliados são corruptos, o correto era ele renunciar, pois, os seus votos também estão chamuscados pelas brasas da desonestidade. Outros, por prazer, sentem-se realizados ao desqualificarem os atos, por mais honestos que sejam, de seus adversários.

Ninguém vê tais comportamentos, por exemplo, entre os médicos, advogados, ou outra qualquer classe. Sei, perfeitamente, que lamentavelmente a busca do poder é um jogo. Aí estão os manuais como “As 48 leis do poder”, “O Príncipe”, “A arte da prudência”, etc., para ensinar a arte da dissimulação, da sedução, do encantamento, do logro. Dizia Maquiavel “O homem que tenta ser bom o tempo todo está fadado à ruína entre os inúmeros outros que não são bons”. Mas acho que a política poderia ser exercida como um mínimo de respeito e de comportamento ético. Ao final, qual a herança que se pode deixar para as novas gerações. É preciso tirar a máscara da dissimulação. É preciso fazer uma reflexão histórica da política. Aliás, é ela um dos poucos instrumentos de transformação social efetivos. A democracia formal foi conquistada a duras penas e é preciso preservá-la. Não é com atitudes mesquinhas, de simples ambição do poder pelo poder, da desmoralização do “fazer política”, que vamos consagrar de forma definitiva a nossa democracia. Só posso ver o poder pela ótica da capacidade que o homem tem para alcançar os resultados almejados em favor do bem estar social. Não sendo assim, grito com Pessoa, “Arre, estou farto de semideuses! / Onde é que há gente no mundo?”.

(*) Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 18 e 19 de setembro de 2011, Caderno A, página 7.

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