segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
Em Busca do Ontem
Artigo pessoal
Em busca do ontem
Clóvis Barbosa
Ernest Hemingway estava internado num hospital em Rochester, Minnesota, em 15 de junho de 1961. Também no local estava um garoto de nove anos. Ao sentir o sofrimento da criança resolve fazer uma carta para ela. Na missiva, diz sentir muito por encontrá-la naquele local e desejava-lhe o mais breve restabelecimento. Descreve um belo lugar, com peixes saltando dos rios e muitas flores. Dizia, no entanto, que o lugar não era tão bonito quanto em sua Idaho. E arremata que em breve os dois, ele e o menino, estarão juntos em Idaho pescando, rindo e fazendo piadas sobre a experiência de ambos no hospital. Este foi o último trabalho escrito pelo grande escritor americano, que passou toda a sua vida produzindo contos, crônicas, artigos, obras literárias, notícias jornalísticas, prefácios e apresentações de livros, etc. Duas semanas depois, em 2 de julho de 1961, há cinquenta anos atrás, Hemingway se suicidou com um tiro de espingarda na boca. Encerravam-se ali sessenta anos de uma vida intensa. Viveu cerca de 20 anos em Cuba, esteve nas duas grandes guerras e na Guerra Civil Espanhola. Assim como Neruda, ele também poderia dizer “confesso que vivi”.
Josef Stalin, que governou a Rússia com mãos de ferro durante o período comunista e Fidel Castro, o grande líder cubano, nutriam uma grande admiração pela obra desse escritor, considerado o mais talentoso da chamada “geração perdida” que habitou Paris nos anos de 1920. Foi o autor, dentre outras publicações, de O Sol também se levanta, Adeus às armas, Por quem os sinos dobram, O velho e o mar, As neves do Kilimanjaro e Paris é uma festa. Quem foi este homem capaz de escrever obras que ainda hoje comovem a humanidade? Quem foi Ernest Hemingway, o grande ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1954? Interessa-me o período mais rico de sua vida. A década de 20 em que viveu em Paris, o mais criativo de toda a sua existência. Chegou na capital francesa com sua primeira mulher, Hadley Richardson. Ela, assim define a sua convivência naqueles anos: “Nada foi como aqueles anos em Paris, depois da guerra. A vida era dolorosamente pura, simples e boa, e eu acredito que Ernest era o melhor de si mesmo. Tive o melhor dele. Tivemos o melhor um do outro”. É a pura verdade. Os seus romances nasceram de pequenas crônicas vivenciadas na capital francesa.
Antes de chegar a Paris, Hemingway, muito jovem, viveu uma aventura que marcaria física e psicologicamente a sua vida. Foi durante a Primeira Grande Guerra, onde ele trabalhou no serviço de ambulâncias no interior italiano. Ferido durante a ofensiva austríaca em Piave, em 1918, foi encaminhado para o Ospedale Rossa, em Milão, onde conheceu e se apaixonou por Agnes Von Kurowski, uma enfermeira daquele hospital. O curioso é que a sua obra Adeus às armas, trata desse período, só que na história contada, a heroína morre de parto, quando, na verdade, o seu primeiro amor o dispensou para casar com um oficial italiano. Certa vez, já casado com Hadley, justificando as noites mal dormidas, confessou: “Tenho esses pesadelos e eles são tão reais. Ouço os tiros de morteiro, sinto o sangue em meus sapatos. Acordo encharcado. Tenho medo de dormir”. Apesar do trauma, Hemingway era um homem bastante afável, extrovertido e brincalhão, sempre encontrando um apelido certo para a pessoa certa. Era um piadista contumaz. Bebia muito. Costumava dizer aos amigos que saíam na noite com ele e que não aguentavam beber: “Não andem comigo! Vocês não dão para andar com Ernest”.
O que fez Hemingway, e muitos outros artistas no início de carreira fixarem residência em Paris foi justamente as viagens de navio bastante baratas, a inexistência de qualquer lei seca e, principalmente, o câmbio vantajoso, onde um dólar equivalia a 55 francos. Nesse período, como relatado em Paris é uma festa, lançado após a sua morte, abandonou o jornalismo para viver quase na miséria com intuito de concretizar o sonho de escrever um livro. Viveu em Paris com nomes conhecidos das artes, como Pablo Picasso, Miró, Gertrude Stein, Ezra Pound, John Dos Passos, James Joyce, Scott Fitzgerald, George Gershwin, Cole Porter, Sylvia Beach e tantos outros. A sua vida foi marcada pela pescaria, as caçadas, as guerras, e o álcool. No tempo que viveu em Paris, apesar das farras diárias pelos bares e cafés de Montparnasse, era bastante disciplinado na leitura dos clássicos e no escrever. Tinha horários para tudo. Hemingway sempre tentou voltar a Piave, na Itália. Queria rever o local que marcou profundamente a sua vida. E foi, como escreveu depois: “Ir em busca de ontem é uma perda de tempo – se tiver de verificá-lo, volte para sua velha linha de frente”.
(*) – Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 30 e 31 de outubro de 2011, Caderno A, pág. 7.
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