Aracaju/Se,

quarta-feira, 25 de abril de 2012

O rio da minha aldeia

Artigo pessoal

O rio da minha aldeia
Clóvis Barbosa
 
Conheço muitos rios no Brasil e no exterior, mas nenhum é tão belo como o rio da minha aldeia. Não, não, não é um rio navegável, não alimenta nenhuma hidrelétrica, não é conhecido nacionalmente. É um rio simples, pequeno, percorrendo apenas 150 km. Abrange os municípios de Lagarto, Salgado, Boquim, Itaporanga D’Ajuda e Estância. A sua origem é de mananciais que compõem a sua sub-bacia que nasce nas proximidades dos povoados Brasília, Boa Vista, Açuzinho, Estancinha e Juerana, todos em Lagarto. O rio da minha aldeia é o Piauitinga, que tem a sua opulência na cidade de Estância, Sergipe, minha pequena aldeia. Ele viu nascer nas suas margens o bairro operário do Bomfim, a BR-101, as fábricas de tecidos e um povo extremamente alegre que nunca teme a morte justamente pelo amor que dedica à vida. Jorge Amado, o grande escritor baiano-sergipano disse sobre Estância: “As outras cidades pelo mundo afora, o homem as construiu para nelas mourejar, lutar, viver e morrer. A cidade de Estância, porém, além da mão do homem erguendo lar e oficina, teve ajuda da mão de Deus, pois do alto dos céus o Padre Eterno desejou um aglomerado humano que não fosse apenas campo de trabalho, chão de labuta e de ambição”, mas, também, “se envolveu na construção, colocou a graça, a gentileza, a cortesia imensa, o amor à cultura como dons para os que ali nascessem ou para ali viessem em busca de paz. (...) deu um toque de azul sem igual ao céu, trouxe a brisa do mar Atlântico para as noites cálidas”.
Jorge Amado é filho e neto de sergipanos. “Rapazola, meu pai abandonara a cidade sergipana de Estância, civilizada e decadente, para a aventura do desbravamento do sul da Bahia, para implantar, com tantos outros participantes da saga desmedida, a civilização do cacau, forjar a nação grapiúna”. Várias personagens da imensa obra do escritor são baseadas em sergipanos que viveram com ele e de quem ouvira falar durante as suas duas permanências em Estância entre 1936 e 1939, onde morou e escreveu o seu livro “Capitães de Areia” e concluiu “Mar Morto”. Mas Jorge também adorava Aracaju e aqui fez da Ponte do Imperador, do Mercado Municipal, da Colina do Santo Antônio, dos cabarés do “beco dos cocos”, locais de visitas usuais. Foi amigo de Dudu da Capela, um rábula que fez sucesso na advocacia sergipana naquela época, dos escritores Mário Cabral, Omer Monte Alegre e Amando Fontes. Ele sempre se hospedava no Hotel do seu amigo italiano Augusto Marozzii. Foi aqui em Aracaju que ele se inspirou para escrever “Tereza Batista Cansada de Guerra”. Quem quiser saber mais sobre a presença de Jorge em Sergipe, leia “Jorge Amado – Uma Cortina se Abre”, de Rui Nascimento, Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, 2007, Editora Casa da Palavra. Nada contra os chilenos Gabriela Mistral e Pablo Neruda, o mexicano Octávio Paz, o guatemalteco Miguel Astúrias, o peruano Mario Vargas Llosa e o colombiano Gabriel Garcia Marques, latinos americanos premiados com o prêmio Nobel. Mas foi uma injustiça da Svenska Academien não premiar Jorge Amado.
Nova injustiça está sendo cometida com o escritor e com a nova geração de Sergipe. Pela sua família, pela Companhia das Letras, proprietária dos seus direitos autorais, e pelas entidades culturais do nosso Estado, sejam elas públicas ou privadas. 2012 é o ano Jorge Amado. É o centenário de seu nascimento. Em Moscou, Paris, Salvador, Ilhéus, Lençóis, Rio de Janeiro e São Paulo, o escritor será alvo de uma série de homenagens: encontro de Academias de Letras, palestras, vídeo conferências, lançamento de selo comemorativo, shows musicais, seminários, oficinas de construção de dramaturgia, colóquios sobre literatura, cursos, exposições, bienais do livro, lançamento de obras sobre o escritor, lançamentos de roteiros turísticos baseados na sua vida e obra, concursos de redações em artigos e ensaios, leituras dramáticas, mostras de filmes, vídeos, novelas e documentários, espetáculos teatrais, espetáculos de dança, mostras, musicais, gastronomia, etc. Em Paris, além de outros eventos, será realizado na Universidade de Rennes, um Colóquio que pretende revisitar a obra jorgeana. Agora, no carnaval, Salvador vai criar um novo circuito na quinta-feira, com o nome do escritor e será realizado no Bairro Rio Vermelho; no Rio de Janeiro ele será homenageado pela Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense; e em São Paulo pela Escola de Samba Mocidade Alegre. Portanto, as cidades que Jorge Amado viveu, estarão lhe prestando homenagens. E Estância e Aracaju? Nada. Tentei, desde o ano passado, mas não obtive êxito.
Harildo Déda
Aliás, não tenho tido sucesso nas minhas idéias; tentei, por exemplo, resgatar a sergipanidade com a realização de vários filmetes de algumas autoridades nacionais descendentes de sergipanos, a exemplo de Roberto Requião, Sérgio Cabral, Aloísio Mercadante, Luiz Eduardo Greenhalgh, onde eles mostrariam o braço e diziam: “neste braço corre o sangue sergipano”. E contaria, rapidamente, como o seu ascendente saiu de Sergipe para outros torrões. Outra iniciativa que também me frustrou foi a tentativa de homenagear um ícone do teatro e do cinema baiano, o sergipano Harildo Déda. Eu não queria nada, apenas uma medalha do município de Aracaju no aniversário da cidade, o Teatro Tobias Barreto para ele encenar “Hamlet”, um evento em Simão Dias, sua terra, e pronto! Harildo Déda aposentou-se compulsoriamente ao atingir a idade de 70 anos em 2009 da Universidade Federal da Bahia, onde foi professor de teatro. Foi alvo das maiores homenagens na Bahia, inclusive com um livro da série “Mestres da Cena”, publicada pela Fundação Cultural da Bahia. Para quem não o conhecia, veja o que diz Márcio Meirelles na apresentação do livro: “Este cidadão Harildo Déda tinha a obrigação de devolver à humanidade o que roubou da raça humana para construir em si seu corpo de ator e mestre: todos os fogos – o fogo – só para iluminar o mundo num 0fício de Prometeu. E devolveu o que tomou, neste livro”. Ah, sim! O rio da minha aldeia deságua no rio Piauí, em Estância, e segue em direção ao Atlântico, entre as praias do Saco e Mangue Seco.

(*) – Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 22 e 23 de janeiro de 2012, Caderno A, p. 7.

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