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terça-feira, 24 de julho de 2012

O neo-patrimonialismo sergipano

Artigos Diversos
O neo-patrimonialismo sergipano
Afonso Nascimento


Se alguém me perguntar qual o traço mais saliente e permanente do Estado em Sergipe, eu direi sem pestanejar: o patrimonialismo. Este é um conceito elaborado pelo jurista e economista alemão Max Weber para cobrir práticas no funcionamento da máquina estatal que não fazem distinção entre o público e o privado. Para exemplificar, remeterei o leitor a ideias populares como nepotismo, emprego para não ir trabalhar, trem da alegria, ausência de concurso público, privatização dos cargos públicos etc. Sergipe mudou para melhor desde a sua emancipação até hoje? Certamente, sobretudo desde o fim da ditadura militar e com a Constituição de 1988, mas esse problema que é o patrimonialismo permanece. É por isso que, para esses tempos recentes, vou chamá-lo de neo-patrimonialismo.


Entre os sergipanos, a forma mais antiga de patrimonialismo são os cartórios privados. Esses cartórios, com funções públicas, são doações feitas pelos governantes monárquicos e republicanos de Sergipe e do Brasil. Nasceram como presentes, sinecuras, para alguém próximo do poder político por algum serviço prestado ou simplesmente para alguém que precisa de uma mordomia para viver, passada de pai para filho até recentemente. Os proprietários desses cartórios públicos constituem um dos lobbies mais importantes do país - especialmente aqueles dos cartórios que ganham fortunas com o movimento da construção civil. Para encurtar essa conversar, cartório sempre foi exemplo de dinheiro fácil: uma fotocópia, uma autenticação de assinatura, um carimbo, um selo, uma assinatura e dinheiro! O dinheiro mais fácil do mundo. Felizmente, com o Conselho Nacional de Justiça, o quadro melhorou consideravelmente, mas ainda tem estrada para aperfeiçoar essas instituições.


Para justificar o que escrevi no primeiro parágrafo, é necessário dar mais exemplos. Vamos a eles então. Até recentemente, promotores públicos estaduais também trabalhavam como advogados privados. Uma coisa aberrante. O mesmo pode ser dito em relação aos membros da Defensoria estadual também até pouco tempo. Mas se alguém quer mesmo um bom exemplo de patrimonialismo, tome o caro da Procuradoria Geral do Estado. Aqui está a forma mais exagerada da indistinção entre o público e o privado em Sergipe. Pelo que sei, para ser procurador é preciso fazer concurso público. Adota-se então o critério meritocrático moderno de acesso a um emprego de advogado público para as causas estatais. O procurador seria então um funcionário público como qualquer outro. Mas não é.


Além de receber seu salário de funcionário público, também tem direito aos honorários de sucumbência, ou seja, nas causas ganhas, as seis dezenas de procuradores também recebem uma porcentagem relativa ao valor delas. Vou trocar isso em miúdos. Recebem dois “salários”, um para trabalhar como qualquer burocrata e outro “porque trabalhou”. Neste caso, todos os contribuintes sergipanos pagam a esse funcionário público duas vezes. O leitor quer mais? Pois bem, não bastasse essa beleza de emprego, o procurador estadual também pode advogar como qualquer advogado privado, disputando com este o mercado de causas e de clientes. Errado? Claro que sim, sem falar que, competindo de novo com o advogado privado, pode concorrer a uma vaga no Tribunal de Justiça pelo quinto constitucional. Uma aberração.


No momento atual, os procuradores estaduais estão em campanha salarial. Querem aumentar os seus salários já altíssimos. Como justificam a sua demanda? Dizem que, através de seu trabalho, recuperaram para os cofres públicos milhões de reais, ou seja, cumpriram a sua obrigação de servidor público. Como as cifras são altas, as pessoas desinformadas podem ficar impressionadas. Essa informação deveria ser complementada com respostas a algumas perguntas. No período de quanto tempo esse dinheiro foi recuperado? Quais os números milionários das causas perdidas, cujo dinheiro, portanto, não voltou aos cofres públicos? Do total dos valores milionários coletados em causas ganhas, quantos milhares de reais deixaram de ir para os cofres públicos porque foram para as contas privadas dos procuradores na forma de honorários de sucumbência? E mais duas. Quantos milhares ou milhões de reais ganharam esses procuradores em sua advocacia privada nesse mesmo período? Se os procuradores têm tempo livre para advocacia privada, por que fazer concursos para contratar mais gente? Verdade ou não, o que se diz nos meios jurídicos é que bom número dos procuradores é mais zeloso com suas causas privadas do que com as públicas.


Em minha opinião, é preciso acabar com os privilégios dessa categoria de funcionário público. Os legisladores estaduais precisam ter coragem republicana para enfrentar esse estamento que é sinônimo de atraso e estabelecer alguma forma de controle externo sobre a sua produtividade e seu tempo de trabalho, como qualquer servidor público. Ah, só para não esquecer, tudo o que foi dito vale para os procuradores dos municípios sergipanos em que eles são servidores públicos.

- Publicado no Jornal da Cidade, edição de domingo e segunda-feira, dias 1º e 2 de agosto de 2012, Caderno B, pág. 9.
- Postado no blog Primeira Mão em 01/07/2012 12:12:49 
- O autor é Advogado e Professor de Direito da UFS.

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