Aracaju/Se,

domingo, 9 de setembro de 2012

O segredo de Brokeback Mountain

Artigo pessoal
O segredo de Brokeback Mountain

 Clóvis Barbosa

 
Hasan é iraquiano. Está com 30 anos. É gay assumido e vive em Bagdá. Mora isolado em sua casa com medo de ser mais uma vítima do insano e criminoso comportamento das autoridades daquele país. Vários de seus amigos, inclusive aqueles ligados à cultura “emo”, cuja maior representação é a música americana “emotional hardcore” (onde os seus adeptos usam quase sempre cabelos compridos e calças jeans justas com as cuecas à mostra), têm sido perseguidos e assassinados pela polícia e grupos paramilitares. O terrorismo contra os homossexuais iraquianos chegou ao ponto de um pai, ao descobrir a relação do seu filho com outro homem, matou-o com um tiro na cabeça. E tudo isso se deve à insensatez do governo iraquiano que, ao invés de combater o massacre dessas minorias, incita a violência. O Ministério do Interior do Iraque chegou ao ponto de veicular um comunicado, alguns dias atrás, afirmando que os “emos” são “adoradores do demônio”, estimulando, desse modo, a polícia a “eliminar” esses jovens. O anúncio foi retirado do ar; no entanto, o texto influenciou o aparecimento de vários corpos pela cidade.
 
O ódio homofóbico não é um sentimento somente do Iraque, mas do mundo inteiro. No ano passado, um relatório divulgado pelo Grupo Gay da Bahia revelava que 140 gays, 110 travestis e 10 lésbicas foram assassinados no Brasil no ano de 2010. Por faixa etária, 46% das vítimas tinham menos de 30 anos. A vítima mais jovem tinha tão-somente 14 anos; era um travesti, morto com 14 tiros em Maceió. A mais velha tinha 78 anos; era um aposentado, que foi morto com golpes de facão na cidade de União dos Palmares, Alagoas. Desses homossexuais, 43% foram assassinados a tiros; 27% morreram com golpes de faca; 18% foram apedrejados ou espancados e 12% sufocados ou enforcados. Ainda no ano passado, a polícia civil do Estado de São Paulo identificou 200 integrantes de grupos extremistas, conhecidos como “skinheads”, entre 16 e 28 anos, que são investigados por “crimes de ódio”, praticados contra gays e negros. Esses jovens estão sempre usando coturnos com biqueiras de aço ou tênis de cano alto, jeans e camisetas coladas ao peito. Cultuam o líder nazista austríaco Adolf Hitler e se cumprimentam com o grito “Heil Hitler”.
 
Consoante dados da ONU, em mais de 70 países leis criminalizam o homossexualismo, expondo milhões ao risco de detenção, prisão e, em alguns casos, execução. É lamentável. Essas normas anormais, a rigor, violam um dos princípios fundamentais que regem a nossa crença na dignidade e no valor de cada pessoa, sem distinções com base em raça, cor, sexo, idioma, religião, propriedade, nascimento ou outras quaisquer. Havendo o consentimento, toda forma de amor é válida. A história está cheia de exemplos de relacionamentos homoafetivos, como a de Gertrude Stein e Alice B. Toklas. Stein era formada em psicologia pela Radcliffe College. Viveu em Paris, onde chegou no início do século XX, e se tornou uma espécie de abelha rainha naquela época efervescente da capital francesa. Uma leva de artistas, ainda no início de carreira, fez da cidade o seu lar. Foi ela quem rotulou todos eles como a “geração perdida”. A sua obra mais importante é “a autobiografia de Alice B. Toklas”, sua amante, lançada em Paris em 1933. Ali, ela penetra nos ambientes parisienses na fase anterior à segunda Guerra Mundial, “onde reinavam a flexibilização dos costumes e a radicalização das idéias”. Ela influenciou toda essa geração de intelectuais, que passou por Paris a partir de 1903. Outra grande pioneira nessa época foi a poetisa e dramaturga Natalie Clifford Barney, uma ricaça de Ohio que foi a Paris para estudar. Depois de Eugene Stein, tornou-se a segunda mulher mais badalada daquele mundo cultural, recebendo em sua casa intelectuais da envergadura de Marcel Proust, Apollinaire, André Gide, James Joyce, Sherwood Anderson, T.S.Eliot. Suas orgias com mulheres foram cantadas e decantadas tal qual um mantra da época.
 
Federico Garcia Lorca é um dos maiores poetas de língua espanhola. Na madrugada de 18 ou 19 de agosto de 1936, aos 38 anos, ele foi fuzilado a mando da ditadura franquista em plena guerra civil espanhola. A sua condição de homossexual foi explorada pela direita espanhola como responsável pela sua morte, versão repelida pela história. Como homem das letras, travou relações com as mais importantes figuras vanguardistas do seu tempo, como o pintor Salvador Dali, com quem manteve um romance, sempre negado por este, que chegou a afirmar que Lorca “era pederasta, como se sabe, y estaba locamente enamorado de mi. Trató dos veces de ... lo que me perturbó muchisimo, porque yo no era pederasta y no estaba dispuesto a ceder. O sea que no passo nada”. Todos os biógrafos de Lorca e do próprio Dali, contudo, colocam em dúvida a veracidade dessas afirmativas. Há uma extensa correspondência existente entre ambos, onde se verificam vários trechos insinuantes, os quais demonstrariam o amor existente entre eles. Há, a propósito, um poema esparso de Lorca, que é dedicado a Salvador Dali, com o título “Ode a Salvador Dali”.
Lorca e Dali e um amigo 
Ainda no mundo cultural, um grande romance, embora conturbado, foi vivido pelos poetas franceses Arthur Rimbaud e Paul Verlaine. Os defensores do primeiro alegam que ele nunca fora homossexual; o segundo, sim. A realidade é que a relação de ambos chegou ao ponto de, após uma briga que tiveram em Londres, Verlaine ir embora para Bruxelas. Quatro dias depois, Rimbaud chegou a Bruxelas e, após nova briga, Verlaine deu um tiro no seu amante, que foi hospitalizado para extração do projetil. No julgamento de Verlaine, sob juramento, ambos negaram qualquer ligação homossexual entre eles que, segundo Verlaine, seria uma invenção de sua mulher para lhe prejudicar. Logo após a morte de Rimbaud, aos 45 anos de idade, em 1895, Paul Verlaine escreveu um texto, que denominou “Novas notas sobre Arthur Rimbaud”, onde elogiou o seu talento e festejou a amizade vivenciada entre ambos. Culminou com um poema, dedicado ao seu amante, “A Arthur Rimbaud”: “Mortal, anjo e demônio, ou melhor, Rimbaud, teu lugar no meu livro é o primeiro, como um prêmio; tu, que um bobo escritor um dia esculhambou, te achando um debochado imberbe, um verme, boêmio. As espirais de incenso e os acordes do alaúde saúdam tua chegada ao templo da memória, onde teu nome esplêndido soará em glória, pois me amavas, se preciso, até à plenitude. Serás para as mulheres, sempre, belo e forte, de uma beleza assim, agreste e sedutora, tão cobiçada quanto desvanecedora. E a história te erguerá triunfante da morte, para que, apesar de toda a lama, o mundo veja teus pés intactos sobre a cabeça da inveja”.
 
Rimbaud e Verlaine
É. Furtando as palavras de Verlaine, o problema está aí, na lama que jogam no amor homossexual, para torná-lo sujo quando, com efeito, todo amor se faz limpo, exatamente porque é amor. Essa lama tem matado no Iraque. Tem matado no Brasil. Tem tornado limpos skinheads, manchados com o sangue de quem apenas queria amar. Penso, por conseguinte, que se a sociedade respeitasse a diversidade do amor, vendo nele uma forma de contemplação sublime, superaríamos o vilipêndio dos assassinatos covardes e construiríamos um mundo único, homogêneo, leve, igual pelo respeito divino das diferenças.

(*) - Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 1° e 2 de abril de 2012, Caderno A, página 7.

Um comentário:

  1. A pessoa humana deve ser preservada de todos os tipos de violência. nenhuma divergência - fruto de diferenças política, sexual, étnica, religiosa,etc. justifica uma ação ou omissão desumana.

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