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terça-feira, 18 de junho de 2013

O ócio remunerado

Artigo pessoal

O ócio remunerado
Clóvis Barbosa
 
No meu tempo de grevista duas comissões eram imprescindíveis no movimento paredista: imprensa e propaganda e a de fundo de greve. A primeira tinha o papel de angariar apoio da sociedade, seja através da mídia, seja na conversa direta com o povo em locais muito frequentados. Era preciso sensibilizar e conquistar o apoio popular para a pauta de reivindicações. A segunda também era importante, pois ela iria usar de criatividade para arrecadar recursos para pagamento das despesas do movimento, inclusive com parte dos salários dos empregados de menor poder aquisitivo. Valia tudo, desde a venda de bugigangas numa feira improvisada até correr o pires com apresentações musicais e teatrais. Na época, fazia-se greve respeitando os direitos dos cidadãos e prevenindo-se contra o não recebimento dos nossos meios de sobrevivência. Durante a ditadura militar e no período de redemocratização participei de greve como bancário, estudante e servidor público. Repito, todas elas revestidas da consciência de não causar prejuízos à população. Na de bancário, por exemplo, o cidadão era preparado adredemente da ocorrência da paralisação e dos motivos daquela pauta de reivindicações, sempre apontando a insensibilidade dos banqueiros sobre os parcos valores que eram pagos aos trabalhadores na sua relação com os lucros gigantescos auferidos a cada semestre. Muitas vezes retornávamos ao trabalho nas mesmas, ou em piores, condições. Temíamos o desemprego. Como estudante, pasmem, respondi a um processo porque reivindicava a construção da casa e do restaurante universitário.
 
Hoje é diferente. Estamos vivendo um momento perigoso onde predomina uma visão equivocada de liberdade e democracia. O princípio de que o meu direito termina quando o do outro começa inexiste. Cada vez mais a construção de uma sociedade democrática e socialmente crítica é impedida por comportamentos eminentemente autoritários que desconsideram os direitos alheios. O que é pior, o instituto da greve, conquista das mais valiosas para a classe trabalhadora, torna-se cada vez mais um grande estorvo, cujas consequências poderão ser insanáveis para o avanço do processo democrático. Todos ainda lembram as greves do ABC em São Paulo, na década de 1970, onde sindicatos mais fortes iniciaram uma campanha por melhoria salarial, redundando numa das piores crises econômicas do país, causando a chamada estagflação, pois, o sistema como um todo não pode absorver os reajustes que eram dados pelas grandes montadoras. Sem falar que esses aumentos salariais eram repassados para o consumidor. É preciso que se entenda que ao final, a conta é paga pelo contribuinte no caso dos reajustes dados na esfera pública, e para o consumidor na esfera privada. Por outro lado, não foi sem razão o tratamento rigoroso dado pela Lei de Responsabilidade Fiscal ao limitar os gastos com pessoal no serviço público, evitando extravagâncias praticadas por gestores irresponsáveis e sem compromisso com a administração pública, que não pertence a um grupo de pessoas, mas ao conjunto da sociedade.
 
Esta reflexão, portanto, antes de ser um libelo contra o direito de greve é, sobretudo, o de chamar à responsabilidade aquelas pessoas que pensam que estão acima da lei e que podem postergar os direitos de outrem. Nesse sentido, importante referir-se à Lei nº 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais e regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. O direito de greve é assegurado ao trabalhador, a quem deve decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender, entretanto, na forma estabelecida em lei. Embora os grevistas possuam o direito de empregar todos os meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve, em nenhuma hipótese, os meios adotados poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem, não poderão impedir o acesso ao trabalho e nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa. Não se deve olvidar o conhecimento que se deve ter dos serviços essenciais, que são tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; assistência médica e hospitalar; distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; funerários; transporte coletivo; captação e tratamento de esgoto e lixo; telecomunicações; guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;  processamento de dados ligados a serviços essenciais; controle de tráfego aéreo; e compensação bancária. A lei impõe que nesses serviços, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Sobrepor-se, assim, a direitos e garantias fundamentais de outrem, é considerado um abuso de direito e tornar-se-á ilegal, sujeitando o grevista à responsabilização trabalhista, civil ou penal, dependendo da situação do caso concreto. Já pensou a corrida ao poder judiciário daqueles que tiverem os seus interesses prejudicados por uma greve? O Estado e o empregador poderão suportar as indenizações por perdas e danos materiais ou morais, mas, e os sindicatos de trabalhadores terão condições financeiras de pagar essas reparações? E porque dessas assertivas aqui registradas? Porque é preocupante o comportamento que vem sendo adotado em algumas paralisações em Sergipe e no Brasil afora. Podemos citar como exemplos alguns atos violentos que se distinguem do conceito de greve, como o boicote, a sabotagem e o piquete.
Dá-se o boicote quando se move uma campanha para o isolamento de um produto, induzindo a recusa de sua aquisição pelo mercado. Já a sabotagem quando há danos às instalações, equipamentos ou produtos da empresa. Por fim, o piquete consiste na persuasão coativa dos empregados indecisos para convencê-los a aderir ao movimento.
E mais, se discute, agora, já no plano do judiciário a tese de que greve não significa férias remuneradas e que os salários devem ser cortados durante o período paredista. No ano passado, o Conselho da Justiça Federal (CJF) decidiu que os juízes que aderirem à greve marcada para uma determinada data daquele ano teriam o dia de salário descontado e se a mesma durasse mais dias, tantos dias de salário dos magistrados seriam cortados. Recentemente, na Bahia, os professores tiveram cortados os seus pontos durante um período de greve. O Estado não pagou os dias parados. Foram ao judiciário baiano e este determinou o pagamento através de liminar, contudo, esta foi cassada pelo Superior Tribunal de Justiça sob o argumento de que “a deflagração do movimento paredista suspende, no setor público, o vínculo funcional e, por conseguinte, desobriga o poder público do pagamento referente aos dias não trabalhados”. Por fim um alerta: greves no serviço público não significam uma atitude sem qualquer risco para os grevistas. É bom ficar de orelha em pé.

Publicado no Jornal da Cidade, edição de domingo e segunda-feira, 29 e 30 de julho de 2012, Caderno B, página 7.

- Postado no Blog Primeira Mão, em 29 de julho de 2012, domingo, às 11h49min, site:   http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=4237&t=o-ocio-remunerado 

- As imagens foram reproduzidas do Google imagens.

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