Aracaju/Se,

domingo, 28 de junho de 2015

Carta do Caribe (II) - El Último Coplero

Artigo pessoal
Carta do Caribe (II)
El último coplero

Clóvis Barbosa
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Palácio de Miraflores, 2 de setembro de 2011. Praça cheia de gente. Gente bonita. Muitas bandeiras venezuelanas nas mãos de jovens, idosos e crianças. No palanque, à frente do palácio e diante da multidão, o compositor Cristóbal Jiménez e o comandante Hugo Chávez, ao lado de uma orquestra onde predominava uma gigantesca harpa. De repente, um grito de guerra do compositor e começa a entoar sob acompanhamento da multidão, dos músicos e do comandante:
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Soy el último coplero/del gran cajón araucano/la gente dice que ya no salen más cantaclaros/yoparrandeé em la baisera/baguan médio y mata e caña/de caiçara a matyure/de caucagua a caño bravo”.
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Chávez está vestido com uma impecável farda verde-oliva, de boné e uma camiseta vermelha por dentro da farda. O duo é perfeito e a música eleva os ânimos na parte mais revolucionária onde as frases são entremeadas por Chávez e Jiménez, cada um recitando a letra de forma rápida, aos gritos lancinantes da multidão:
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 “Em el pueblo de mentacalyo me la vivia cantando/y comenzó a preocuparme la suerte de mis Hermanos/y me acordé de Bolivar/ y me senti avergonzado/su palavra ahora es um mito al ver la pátria sangrando/seguimos siendo colônia/después de 500 años/su maestro Simon Rodriguez se lo vivia recordando/ que si um  Pueblo no se educa nada hacen con libertarlo/porque volveria caer em manos de los extraños/yo no me puedo explicar/que existan venezolanos/que permanecen tranquilos/y están mirando a sus lados/que matan los estudiantes/ y el pueblose muera hambreado/en el país hay millones para vivir derrocando/tiene que tomar consciência el general y el soldado/el obrero de la fábrica y todo el campesinado/que no podemos seguir así de brazos cruzados/que los colosos del norte nos continúan acechando...”
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O câncer já corroía o comandante Chávez, mas ele segue cantando e conclui com toda força e ênfase: “... y parece que olvidamos/que fuimos um Pueblo bravo/y em el nombre de Bolivar/essas cadenas rompamos/porque quieren entregarnos a los norteamericanos”.
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Não, eu não estava presente nesse ato político-musical. É que quando eu chegava ao hotel, em Havana e em Varadero, assim que ligava a televisão, quase sempre numa TV venezuelana, apareciam as imagens do Palácio Miraflores. E confesso que terminei gostando da canção. Um grito de alerta à consciência de uma nação e de um povo que não quer continuar sendo colônia de um império.
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Voltei às ruas de Havana. Entrei num posto médico. Falei com a atendente, uma senhora sexagenária que me atende com um sorriso nos lábios. Perguntei-lhes sobre a forma de funcionamento daquele posto e se eu podia conversar com o médico. Conversamos e ela pediu que eu esperasse ele atender um paciente. As instalações eram simplórias. No Brasil diriam logo que faltava estrutura para o exercício da profissão. Aquela coisa de preguiçoso sem vocação para o serviço público que se ouve todo dia. Depois de 35 minutos o paciente saiu do consultório e, após a anuência do médico, adentrei ao recinto.
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Conversamos durante meia hora. Cientifiquei-me de que em Cuba existem 25 faculdades de medicina, todas públicas, e a Escola Latino-Americana de Medicina, aberta para estudantes estrangeiros de mais de 100 países; No ano passado, Cuba formou 11 mil médicos, sendo metade de cubanos, aproximadamente, e a outra parte composta de estudantes de 59 países da América Latina, África e Ásia; em Cuba, há hoje 6,4 médicos para cada mil habitantes. Em números comparativos o Brasil tem o índice de 1,8, Argentina de 3,2 e a Espanha e Portugal de 4 médicos para a mesma proporção de pessoas.
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Na minha curiosidade sobre o país caribenho, eu ficava atônito com a qualidade das informações que recebia. A taxa de mortalidade em Cuba é de 4.6 para mil crianças nascidas, e a expectativa de vida era de 77,9 anos. No Brasil, a taxa de mortalidade é de 15,6 para mil bebês nascidos.
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O médico pegou a revista New England Journal of Medicine e me mostrou um texto, que dizia: “O sistema de saúde cubano parece irreal. Todo mundo tem um médico de família. Tudo é de graça, totalmente de graça –não precisa de aprovação prévia ou de algum tipo de pagamento. Todo o sistema parece de cabeça para baixo. É tudo muito organizado e a prioridade absoluta é a prevenção. Embora Cuba tenha recursos econômicos limitados, seu sistema de saúde resolveu alguns problemas que o nosso ainda não enfrentou”. Esse “nosso”, evidentemente, refere-se ao poderoso Estados Unidos da América.
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Voltei para o hotel. Ligo a televisão. Olhe El último coplero de novo. De meia em meia hora o clip volta com toda a força. Estou ávido para ler o The New England Journal of Medicine, de janeiro de 2013. Também em minhas mãos a revista americana Foreign Affairs, um relatório da UNICEF sobre o Estado Mundial da Infância, de 2007, 8 edições do jornal Granma, órgão oficial do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba e um relatório extenso do governo sobre a saúde cubana, seus planos e metas.
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Comecei a devorar o material em minhas mãos e cada vez mais me intrigava como um país pobre, com problemas de infraestrutura básica (estradas, moradia, saneamento básico) conseguia, por exemplo, desenvolver sua própria indústria farmacêutica, fabricando a maior parte das drogas de sua farmacopeia e ainda alimenta uma política de exportação? Como pode um país, que paga um dos piores salários do mundo, chegar a um patamar na área de saúde melhor do que muitos países em desenvolvimento e se igualar aos países mais ricos do planeta?
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Há, entretanto, um problema que o governo cubano tem de enfrentar com urgência. A gente sente que o povo tem uma veneração extraordinária pela figura de Fidel e dos revolucionários de 1959. Mas o seu peito está inflado, pronto para explodir, em busca de uma vida desconhecida, mas tida como repleta de “felicidade”. A abertura do turismo em Cuba, com a presença cada vez maior de estrangeiros, tem criado um sentimento obsessivo na população cubana em busca das novidades só encontradas em outros locais.
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A ideia de que a revolução cubana é institucionalmente sólida e goza de inequívoco apoio popular é equivocada. Há um sentimento de mudança que transborda todo e qualquer discurso teórico. O cidadão cubano está cansado de implorar a um turista que lhe compre um sabonete ou um xampu ou que lhe dê alguns trocados. E também preocupado com a falta de condições de crescimento. Há um livro de Albert Camus, O homem revoltado, que deveria ser lido pelos burocratas do sistema cubano. Camus entende que o homem revoltado é aquele que se contrapõe à ordem de quem o oprime e reage quando sente que não deve ser oprimido. É qualquer opressão, até aquela de não poder ter o que não se quer.
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Os avanços da saúde e da educação em Cuba são exemplos para o mundo. É uma conquista que precisa ser exportada. Lembrem-se da letra de El último coplero, parte final: “Y em el nombre de Bolivar essas cadenas rompamos porque quieren entregarnos a los norteamericanos”, ou como diz Che Guevara, num dos postos de saúde em Havana: “Vale mas la vida de um ser humano que todo el oro del hombre mas rico del mundo”.


- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 13 e 14 de outubro de 2013, Caderno A, página 7.

- Postado no Blog “Primeira Mão” no domingo, dia 13 de outubro de 2013, às 19h55min, sítio: 

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