Aracaju/Se,

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O Discreto Charme da Hipocrisia

artigo pessoal

O discreto charme da hipocrisia
Clóvis Barbosa
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Outubro de 1960 - Câmara Municipal de Aracaju, Palácio Graccho Cardoso. Aprovado pelo Decreto Legislativo n° 05, a concessão do Título de Cidadão de Aracaju ao Dr. João Belchior Goulart, então vice-presidente da República Federativa do Brasil, “em reconhecimento aos inestimáveis serviços que vem prestando ao operariado nacional”. O autor da proposta, assim justificava a emissão de tal honraria: “Nascido em São Borja, recebendo do imortal presidente Getúlio Vargas as lições de política social que iria colocá-lo, mais adiante, na liderança dos trabalhadores brasileiros, o Dr. João Belchior Goulart, conhecido por Jango, é uma das nossas mais autênticas personalidades no cenário político do País, quer pela herança do trabalhismo, quer, sobretudo, pela figura de condontieri em defesa dos ideais e anseios das classes que labutam no comércio, no campo e na indústria nacionais. Agora mesmo, devido à sua proverbial interferência, o Governo foi compelido a decretar a Lei Orgânica da Previdência Social, estatuto básico dos benefícios e amparo dos que fazem do trabalho o progresso da Pátria. Outras lutas têm recebido de sua honrada pessoa o mais franco apoio, todas elas revestidas da aspiração de um futuro melhor e de um presente mais risonho para os humildes e os que são pobres. Deputado Estadual, Federal, Secretário do Interior e de Justiça do Rio Grande do Sul, Ministro do Trabalho e Vice-Presidente da República, jovem e portador de uma carreira promissora, Jango merece o nosso aplauso franco, pela luta, também, da preservação de nossas riquezas do subsolo, sendo, portanto, justo, esta homenagem a este grande homem, por ter sido no passado, como no presente, um homem público de envergadura, merecedor da confiança e da estima de milhões de brasileiros que empregam o seu labor para o alevantamento da Nação”.  
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Outubro de 1961 – Câmara Municipal de Aracaju, Palácio Graccho Cardoso - Aprovado pelo Decreto Legislativo n° 02, a concessão do Título de Cidadão de Aracaju ao Governador Leonel Brizola, “em reconhecimento aos inestimáveis serviços prestados em defesa da Constituição e da legalidade brasileira”.
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Abril de 1964 – Câmara Municipal de Aracaju, Palácio Graccho Cardoso – Declarada pela Resolução n° 5 a perda do mandato do vereador Manuel Vicente do Nascimento, eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro. Estão nas justificativas da resolução: as Forças Armadas brasileiras, dando magnífico exemplo de fidelidade às suas gloriosas tradições democráticas, expurgou do Poder um governo que estava seriamente comprometido com o vandalismo de Moscou, Pequim e Havana; esse movimento de caráter patriótico, plenamente vitorioso, foi inspirado e promovido em defesa da restauração de nossas liberdades ameaçadas pelos agentes da subversão; torna-se imprescindível para a consolidação do regime e da ordem, o saneamento nos quadros constitucionais em todas as esferas, especialmente na legislativa, de parlamentares ligados, comprovadamente, com o comunismo internacional; o vereador Manuel Vicente do Nascimento é filiado às hostes do extinto Partido Comunista do Brasil, e vinha participando dos atos subversivos deflagrados em nosso País, tornando-se um dos seus destacados líderes com vida ativa e notória, especialmente no setor ferroviário; e, finalmente, que o referido edil situou-se como um inimigo declarado da Pátria e de suas instituições, violando a própria Lei de Segurança Nacional.
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Maio de 1964 – Câmara Municipal de Aracaju, Palácio Graccho Cardoso – Duas resoluções foram aprovadas, a de n° 14, de 21 de maio de 1964, revogando o Decreto Legislativo n° 2, de 19 de outubro de 1961, que concedeu o Título de Cidadão de Aracaju ao Sr. Leonel Brizola, “em vista haver o ex-Deputado Federal concorrido para a comunização do Brasil”; outra, a Resolução n 10, de 25 de maio de 1964, que revoga o Decreto Legislativo n° 02, que concedeu o Título de Cidadão de Aracaju ao Sr. Leonel Brizzolla, “tendo em vista a recente cassação dos seus direitos políticos e a perda de seu mandato, decretadas pelos órgãos competentes”.
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Maio de 1964 – Câmara Municipal de Aracaju, Palácio Graccho Cardoso – Aprovada Resolução nº 11, de 26 de maio de 1964, revogando o Decreto-Legislativo n° 5, de 24 de outubro de 1960, que concedeu o Título de Cidadão de Aracaju ao Sr. João Belchior Goulart, “tendo em vista a recente cassação dos seus direitos políticos e a perda de seu mandato, decretadas pelos órgãos competentes”.
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Dezembro de 1995 – Câmara Municipal de Aracaju, Palácio Graccho Cardoso – Duas resoluções foram aprovadas. A de n° 18 restituiu o Título de Cidadão de Aracaju ao Sr. João Belchior Goulart, precedida da seguinte justificativa: Nunca é tarde para reparar uma grande injustiça. Mesmo após a morte do Sr. João Belchior Goulart, cabe a esta Casa reparar o ato injusto e subserviente que cometeu ao cassar o Título de Cidadania deste bravo brasileiro; a de nº 19 restituiu o Título de Cidadão de Aracaju ao Sr. Leonel de Moura Brizola, com a seguinte justificativa do autor do projeto: Esta Resolução visa reparar um ato de injustiça praticado por esta Casa Legislativa quando subservientemente resolveu agradar aos senhores da ditadura Militar, cassando o Título de Cidadão Aracajuano concedido ao Sr. Leonel de Moura Brizola pelo fato de que o mesmo fora cassado.    
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Pois bem, tirante as incongruências contidas nos atos formais das resoluções, como aquelas que tratam da revogação do Decreto-Legislativo que concedeu o título a Leonel Brizola, na verdade, as cassações dos títulos de cidadania que foram concedidas ao ex-presidente João Goulart e ao ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, estão eivadas de nulidades. Os títulos foram concedidos através de um Decreto-Legislativo e somente por esta ferramenta jurídica poderia ser revogada. Na ânsia de baixar as calças para a ditadura militar, os vereadores aracajuanos resolveram revogá-los através de resoluções, cujos efeitos são meramente internos, não alcançando o mundo exterior. Não havia a necessidade dos títulos serem restaurados em 1995, uma vez que os mesmos, juridicamente, nunca foram revogados. O mesmo ocorreu com o vereador Manuel Vicente do Nascimento, eleito pelo povo e que teve o seu mandato cassado através de resolução. Não poderia ser feito por esse instrumento jurídico pelos mesmos argumentos. A injustiça perpetrada pela Câmara Municipal de Aracaju com esses homens precisam ser reparadas, mesmo post-mortem. A Câmara deve pedir desculpa ao povo sergipano e às famílias de João Goulart, Leonel Brizola e Manuel Vicente do Nascimento. Aos dois primeiros, entregando aos seus familiares o Título de Cidadão de Aracaju. Ao último, restituindo simbolicamente o mandato de vereador.
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As ditaduras têm um poder extraordinário na criação de um tipo de disfunção mental onde o indivíduo é incapaz de distinguir o bem do mal. É a chamada hipocrisia consciente, que chega a tornar-se pandêmica. Um exemplo foi o golpe militar que se instaurou no Brasil a partir de 1964 durante os anos de chumbo. Mas tudo isso acabou. Está na hora de se resgatar a dignidade através do discreto charme. Não, o da hipocrisia, mas o da virtude da justiça. Façamos, pois, em nome da justiça, as reparações a esses três cidadãos.   


- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 22e 23 de dezembro de 2013, Caderno A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão no domingo, 22 de dezembro de 2013, às 18h48min, sítio:


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