Aracaju/Se,

quarta-feira, 1 de maio de 2019

Oração aos moços - A Vergonha de ser honesto


Opinião
Oração aos moços
A vergonha de ser honesto
Clóvis Barbosa
Resultado de imagem para corrupção

Dia 1° de fevereiro de 1992. Naquela data, estava assumindo pela segunda vez o cargo de presidente da OAB-SE. No auditório do Centro de Interesse Comunitário, proferi um discurso que, pela sua atualidade, permito-me  transcrevê-lo em parte. Após mostrar o aprofundamento da crise social que arrasava o país, com milhões de menores abandonados, com a violência urbana aterrorizante, com o sucateamento da educação pública, da saúde e dos bolsões de miséria que cada vez mais aumentavam, disse: Tem que ser um compromisso de cada um de nós reverter esse quadro assustador que assola o país. O nosso comportamento, portanto, passa pela cobrança às autoridades constituídas de que somente podemos admitir, na gestão da coisa pública, o respeito aos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, publicidade e da impessoalidade, e que o Estado esteja voltado para a consecução do seu objetivo maior, o bem de todos, indiscriminadamente, através da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, da garantia do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais. A corrupção não pode continuar sendo a regra e a decência a exceção, quadro que contribui com a desigualdade social e envereda para o caminho da violência urbana, onde cada um de nós pode ser a próxima vítima. A decência, portanto, é que deve ser a regra e a corrupção a exceção. Há 23 anos, como se observa, o quadro era parecido com os dias atuais. Lamentavelmente, a corrupção continuou, no Brasil, como regra. A decência, por sua vez, continuou sendo a exceção. A cada dia que passa, descobrem-se novos escândalos que sempre têm como vítima o erário ou o povo, este o principal responsável pela manutenção do sistema através dos seus impostos. E o interessante é que a própria sociedade também dá a sua contribuição ao processo corruptivo quando busca privilégios à custa do dinheiro público.
Resultado de imagem para minha razão de viver samuel wainer
Há um pacto de mediocridade firmado entre os diversos atores sociais, sejam de origem pública ou privada. Agentes públicos servem de despachantes para os interesses privados que, por seu turno, engordam as contas particulares daqueles servidores em ilhas fiscais espalhadas pelo mundo. Com a Operação Lava Jato, um segmento empresarial que sempre desfilou à margem dos grandes escândalos começa a ser desmascarado: as empreiteiras. A sua participação na corrupção não é coisa nova em nosso país. O jornalista Samuel Wainer, na sua obra autobiográfica Minha Razão de Viver - Memórias de um Repórter, já alertava a sociedade brasileira sobre a promiscuidade existente entre as construtoras e o poder público: Nos anos 50, os barões do café foram substituídos pelos grandes empreiteiros. (...) Com a cumplicidade da imprensa, seria sempre mais fácil, também, receber do governo – um mau pagador crônico – o dinheiro a que tinham direito pelas obras executadas. Feitas tais constatações, logo se forjaram sociedades semiclandestinas bastante rentáveis. (...) O esquema era simples. Quando se anunciava alguma obra pública, o que valia não era a concorrência. Todas as concorrências vinham com cartas marcadas, funcionavam como mera fachada. Valiam, isto sim, entendimentos prévios entre o governo e os empreiteiros, dos quais saía o nome da empresa que deveria ser contemplada na concorrência. Feito o acerto, os próprios empreiteiros forjavam a proposta que deveria ser apresentada pelo escolhido. Era sempre uma boa proposta. Os demais apresentavam propostas cujas cifras estavam muito acima do desejável, e tudo chegava a bom termo. Naturalmente, as empresas beneficiadas retribuíam a boa vontade do governo com generosas doações, sempre clandestinas. Apesar de ainda engatinhar no processo de criação de mecanismos que tenham como objetivo frear a corrupção dessas atividades empresariais, O Brasil, através das suas instituições de controle, tem buscado mudar esse quadro.
Resultado de imagem para foreign corrupt practices act 
Nos EUA, desde 1977, há uma legislação dura, o chamado FCPA – Foreign Corrupt Practices Act, onde se tenta moralizar as práticas comerciais das empresas norte-americanas. A grande constatação foi a de que a debilidade das fiscalizações por parte das instituições de controle era a grande responsável pelo aumento das práticas de atos ilícitos. O FCPA começou a atuar e grandes empresas americanas e multinacionais foram punidas severamente pela prática de corrupção desenfreada dentro dos EUA e em outros países. Alguns casos são emblemáticos. Foi descoberto, por exemplo, que a poderosa Siemens mantinha uma “contabilidade paralela”, com a qual se pagava, em vários países, subornos de bilhões de dólares para obtenção de benefícios para a empresa. A partir do momento em que a Siemens passou a ter ações na Bolsa de Nova York, automaticamente ficou subordinada à legislação americana. Daí veio o processo e a decisão, onde a empresa alemã teve que pagar uma multa de 395 milhões de euros ao Ministério Público de Munique, uma multa de 450 milhões de dólares ao Departamento de Justiça (DOJ) e um confisco de 350 milhões de dólares dos seus lucros à SEC – Securities and Exchange Comission, ambos dos EUA. Uma curiosidade é que o direito federal norte-americano prevê, nas chamadas Sentencing Guidelines, duas atenuantes para a criminalidade corporativa: uma, é o “confessar” e “cooperar” com as investigações levadas a efeito pelas autoridades; outra, é a de ter programa de compliance no momento em que foram praticados os fatos delituosos, ou seja, um conjunto de regras estabelecidas no âmbito interno das empresas para prevenir o cometimento de ilícitos ligados à corrupção. A Johnnie Walker, assim como outras empresas, foi incursa no FCPA pelo pagamento de altas propinas a funcionários dos governos da Índia, Tailândia e Coréia do Sul, através das suas subsidiárias, para obter vantagens lucrativas. O resultado é que teve de pagar mais de 16 milhões de dólares em multas.
Resultado de imagem para teoria dos jogos
No Brasil, a legislação anticorrupção vem cada vez mais se aprimorando, combinada com a vontade de uma militância briosa e combatente de jovens juízes, promotores de Justiça, Delegados das Polícias Federal e Estaduais e procuradores da República. No direito brasileiro, as estratégias de prevenção e repressão da criminalidade empresarial têm sido incrementadas a partir do avanço das legislações sobre a matéria, algumas permitindo atenuações de penas e até mesmo extinção da punibilidade ou perdão judicial, quando ocorrer colaboração premiada. Se a corrupção utiliza-se de elementos cada vez mais sofisticados na consecução dos seus fins ilícitos, é natural que a sociedade procure também utilizar-se de mecanismos modernos e cada vez mais ágeis em defesa do erário. No caso da Operação Lava Jato, a sua atuação tem contribuído para a descoberta de um dos maiores escândalos de corrupção da história do país, envolvendo empreiteiras, servidores de alto escalão da Petrobrás e políticos. E o grande mérito desse momento histórico que vive o país é, justamente, o fato de a justiça criminal brasileira, como bem diz o professor Luiz Flávio Gomes, sair do modelo conflitivo para entrar no modelo consensual. E o uso da Teoria dos Jogos é o instrumento capaz de incentivar a delação, pois quem assim o faz tem muito a ganhar. E ganha também a sociedade e o erário com a possibilidade de punições e de ressarcimento das quantias desviadas. Os instrumentos que estão revolucionando a justiça criminal brasileira estão principalmente em duas legislações: a Lei n° 12.850, de 2013,que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; e a Lei n° 9.807, de 1999, que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas, a testemunhas ameaçadas, e a acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração.
Resultado de imagem para oração aos moços rui barbosa
Abro um parêntese: Há 127 anos, em 1889, com a implantação da República, Dom Pedro 2° era obrigado a deixar o Brasil. Ele imperou de 1841 a 1889, exatos 48 anos. Nesse período, jamais permitiu que aumentassem o seu salário. Era com este dinheiro que sustentava a si próprio e à sua família e dava-se ao luxo de pagar os estudos de brasileiros no exterior, como o músico Carlos Gomes e o pintor Pedro Américo. Com recursos próprios financiou as suas viagens oficiais aos EUA, Europa e Oriente Médio, com comitivas de apenas quatro ou cinco pessoas. Numa nova viagem a esses países, teve que tomar dinheiro emprestado. Era um gestor austero. Em vez de criar impostos, cortava despesas. Seu palácio imperial, em São Cristóvão, era tido como o mais desmobiliado do planeta. Seus trajes oficiais eram puídos de fazer dó. Ao ser deposto pelos militares e ter de ir embora em 24 horas, Dom Pedro recusou o dinheiro que o governo da República lhe ofereceu para seu exílio em Paris. E ainda passou uma descompostura nos militares por estarem dispondo de recursos que não lhes pertenciam, mas ao povo brasileiro. Poucos dos sucessores republicanos de Dom Pedro seguiram o seu exemplo de austeridade. Prevaleceu na República a ideia de que a coisa pública, por ser de todos, não é de ninguém. Oxalá que esse momento histórico sirva para reverter o quadro de indecência que vive o país. E que os componentes da honestidade, como conceituado por Cícero, se insiram em todos os brasileiros, mormente os administradores públicos, eleitos ou concursados: sabedoria, magnanimidade, justiça e decoro. Rui, em discurso no Senado Federal, disse que De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto. Esse é o nosso grande desafio, fazer da decência a regra.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de 10/03/2016, Caderno A-7.
- As fotos foram retiradas do Google.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...