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segunda-feira, 10 de junho de 2019

Vidas Amargas


Opinião pessoal


Vidas Amargas
Clóvis Barbosa
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James Dean, em Vidas Amargas
Outro dia li um texto bastante contundente, no qual uma personagem atribuía a outra, com veemência, o adjetivo de hipócrita. Logo rememorei que por hipócrita se entende aquele que demonstra uma coisa quando sente ou pensa outra, que dissimula sua verdadeira personalidade e afeta, quase sempre por motivos interesseiros ou por medo de assumir sua verdadeira natureza, qualidades ou sentimentos que não possui. O hipócrita é um fingido, falso, dissimulado. A afirmação é poderosa porque essa coisa que a pessoa demonstra - mas não é ou não sente - é a sua máscara ou persona, como dizia Jung. Para este teórico da psicologia analítica, a persona era "uma espécie de máscara, projetada por um lado, para fazer uma impressão definitiva sobre os outros, e, por outro, dissimular a verdadeira natureza do indivíduo". Jung defendia a dissolução dessa máscara como forma de conquista da individuação. Essa conquista seria fruto do desenvolvimento do processo psíquico do sujeito, no qual os elementos inatos da personalidade, os componentes da psique imatura e as experiências da vida da pessoa se integrariam ao longo do tempo em um todo. Podemos imaginar o quanto deve ser trabalhoso para um indivíduo normal identificar suas máscaras e dissolvê-las. Demanda um processo interior muito árduo, geralmente utilizando-se da ajuda de um profissional.
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Carl Gustav Jung
De volta à questão original, me perguntei: como alguém pode, conscientemente, chamar outro de hipócrita? A conclusão foi óbvia: só após uma análise demorada e criteriosa do processo psíquico do outro! Mas o que pensar daquele que julga seu semelhante com tal adjetivo sem a autoridade devida? Sigmund Freud explica. Indivíduos que assim agem, normalmente recorrem a um mecanismo de defesa chamado de projeção, que consiste em a pessoa expressar impulsos inconscientes, indesejados ou não, como forma de reduzir sua ansiedade e frustrações. Ocorre, por exemplo, quando um indivíduo culpa outrem por seu próprio fracasso. Em tal caso, a mente evita o desconforto da admissão consciente da falta cometida e mantém os sentimentos no inconsciente, projetando, assim, as falhas em outra pessoa. Poder-se-ia afirmar que se trata de um transtorno de personalidade, cujo diagnóstico sempre é difícil de contextualizar, mas três fatores devem ser levados em consideração: 1) a presença de um ou mais traços de personalidade patológicos; 2) seu surgimento no fim da adolescência ou ainda na infância; e 3) seu caráter duradouro ou não. Esse tipo de transtorno apresenta determinadas características, como aquelas nas quais o indivíduo cria um mundo onde só ele tem razão, não admite qualquer tipo de crítica ao seu comportamento e demonstra frieza emocional.
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Florbela Espanca
A talentosa poetisa portuguesa, Florbela Espanca, dizia dela mesma: “Estou cansada, cada vez mais incompreendida e insatisfeita comigo, com a vida e com os outros. Diz-me, por que não nasci igual aos outros, sem dúvidas, sem desejos de impossível? E é isto que me traz sempre desvairada, incompatível com a vida que toda a gente vive...”. Florbela foi uma mulher que apresentava traços de transtorno de personalidade. A sua vida foi marcada por desilusões amorosas, desesperos, frustrações, ânsia de rebeldia, mania de perseguição ao seu caráter ou à sua reputação. Desconfiava de tudo e de todos, características transportadas para a sua poesia. Terminou a sua vida com o suicídio, após ingerir grande quantidade de comprimidos. Para esse ato final, planejado para o seu aniversário de 36 anos, em 1930, Florbela, que sofria de uma doença dos nervos, havia amargurado duas grandes desilusões: a morte de seu irmão Apeles Espanca, em um acidente de avião, e a separação com o seu terceiro marido. Ela não suportou a vida nas suas desventuras. Kátia Mecler, em sua obra Psicopatas do Cotidiano, incluiria tais comportamentos na figura do transtorno de personalidade paranoide, no qual não faltam elementos para causar danos a si mesmo ou às pessoas do seu convívio. São elementos desconfiados, rancorosos, agressivos e ciumentos. Têm, também, como característica, o comportamento hostil.
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Há uma outra linha de psicopatia, os antissociais, para quem os fins sempre justificam os meios. São pessoas que precisam de tratamento, mas não admitem qualquer tipo de ilação sobre suas condutas. Umberto Eco, sobre esse tipo de anomalia, diz que “Este é um fenômeno totalmente novo na história da humanidade: é importante aparecer em público. A importância de se exibir, até agora, era exclusiva de alguns assassinos em série, que queriam chamar a atenção dos jornais e da polícia. Agora, são as pessoas comuns que têm essa necessidade. É como compartilhar uma colonoscopia com o mundo”. Muitos desses indivíduos conseguem absorver as características de vários tipos antissociais, como os de parasitas, impulsivos, histriônicos e narcisistas. Não têm sentimento de culpa. Mentem, manipulam, agridem e transgridem, não se importam com o sofrimento alheio, usam e abusam das amizades e, quando elas deixam de servi-los, descartam-as como lixo. Se alguém tem uma visão crítica do seu comportamento, transforma-se em um implacável inimigo. São intolerantes à frustração, chantagistas emocionais, instáveis sobre a percepção de si mesmo, morrem de medo do abandono e muitos, até mesmo, têm um comportamento suicida ou automutilante. Adoram se exibir e não se importam com o ridículo. Para o mundo que criam para si, eles sempre estão com razão.
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A estupidez, nesses indivíduos, não tem limites. São normalmente carentes de sabedoria e pensam de acordo com as ideias alheias. Ou melhor, roubam teses de outros e defendem como se fossem suas. São incapazes de formular discursos coerentes, odeiam quando não são centros de atenções e superestimam suas capacidades. O amor que sentem por si mesmos os transformam em sujeitos acima do bem e do mal. A Academia Americana de Psiquiatria elenca oito características que devem ser levadas em consideração, por exemplo, para o narcisista: 1) sensação grandiosa quanto à própria importância; 2) fantasias de sucesso ilimitado, na vida profissional e amorosa; 3) crença de ser alguém único e especial; 4) demanda excessiva por atenção; 5) certeza de possuir direitos exclusivos; 6) carência de empatia; 7) tendência a ser explorador nas relações interpessoais; e 8) comportamento arrogante e insolente, com propensão a ter inveja e sentir-se alvo dela. São pessoas perigosas, que não admitem a rejeição ou a crítica. A sua reação é violenta, desqualificadora e destruidora de reputação. No mundo que cria para si mesmo, ele é o centro do universo: é o mais inteligente, o mais bonito (mesmo que pinte horrivelmente o cabelo de acaju) e o mais admirado (ainda que seja considerado ridículo por seus “amigos”). Por parecerem charmosos, eloquentes e encantadores, vivem de forma aparentemente normal na sociedade.
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Como não têm senso crítico, quedam-se inertes ao habitual. Toda vez que ameaçam esse cotidiano, ele se transforma em fera banal. Você conhece algum indivíduo frio, calculista, mentiroso, inescrupuloso, dissimulado, sedutor e egoísta? Assim mesmo, sem tirar nem pôr qualquer um desses “atributos”? Sim? Então se prepare! Você está diante de um predador social, de um vampiro de almas, de um psicopata. Ele é totalmente desprovido de consciência, de senso moral. Na sua vida em sociedade, só se inteira com outras pessoas quando vê perspectiva de melhoria de sua condição social. Em casos mais graves, é capaz de tudo, até de matar com violência e crueldade. Um dos maiores diretores do cinema americano, Elia Kazan, dirigiu Vidas Amargas, em 1955, que teve James Dean no papel principal. O filme recria o mito bíblico de Caim e Abel, transportando para o início da primeira guerra mundial. O personagem principal, Cal (Dean), vive uma situação inteiramente antissocial, muito parecida com os indivíduos em análise, mas interagida com o sentimento de inveja. Questionado pelo pai sobre onde estaria o seu irmão - que foi levado ao desespero ao ter conhecimento de que a mãe teria se tornado prostituta -  ele respondeu com uma citação do próprio Caim na Bíblia: - Acaso serei eu o guarda do meu irmão?
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Concordo que psicopatas não são doentes mentais, tampouco deficientes mentais. Doença mental é o distúrbio que afeta o elemento psíquico “percepção”, a exemplo da esquizofrenia. Esquizofrênicos enxergam coisas que não existem no mundo real. Já a deficiência mental é a enfermidade que alcança o psiquismo no âmbito da “inteligência”, a exemplo da tríade oligofrênica: debilidade, imbecilidade e idiotia. Psicopatia, entretanto, não é doença nem deficiência. É uma condição, inata e irreversível. Ser psicopata equipara-se a ser branco, negro ou índio. Assim como um índio nasceu e morrerá índio, um psicopata nasce e morre psicopata. Mas, mesmo assim, cuidado com as lágrimas de crocodilo. Aquelas que o réptil exala após comer sua presa. Cuidado com os psicopatas. Algum exemplar pode estar, agora, do seu lado, ou se exibindo através da mídia, tentando passar um discurso que não é seu. O Whatsapp, o Facebook, a mídia falada, televisada e escrita é o seu habitat. Se vangloria dos milhares de seguidores e dos inúmeros grupos que participa nas redes sociais. Se autoproclama uma bomba de muitos quilates, mas, na verdade, não passa de um traque de massa. É uma pena que os familiares não se importem com o seu tratamento. Que fazer com pessoas que se contentam com uma primavera sem flores e que fazem da insensatez a sua razão de viver?

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de fim de Semana, de sábado a segunda-feira, 21 a 23 de maio de 2016, Caderno A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão, Aracaju-SE, em 22 de maio de 2016, às 16h22min:

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