sábado, 9 de maio de 2020
Ódio e Inveja
Opinião
Ódio e
Inveja
Clóvis Barbosa
François de La Rochefoucauld é um cronista moralista que viveu na
França de 1613 a 1680. É dele a máxima que “A nossa inveja dura sempre mais
tempo que a felicidade daqueles que invejamos”. Já existem estudos que indicam
onde a inveja é processada em nosso cérebro. Segundo uma pesquisa científica, é
na região do córtex cingulado anterior, ou seja, uma parte de massa cinzenta
logo atrás da testa, local onde também é identificada a dor física. O estriado
ventral, região do cérebro onde se processa a sensação de prazer, também opera
a chamada shadenfreude, palavra alemã
que dá nome ao sentimento de prazer que o invejoso experimenta ao identificar o
sofrimento do invejado. Esses estudos foram desenvolvidos pelo neurocientista
japonês Hidehiko Takahashi, do Instituto Nacional de Ciência Radiológica de
Tóquio, sob o título “Quando a sua Conquista é a minha Dor e a sua Dor é a
minha Conquista: Correlações Neurais da Inveja e do Shadenfreude”. Através de
ressonância magnética realizada em 19 voluntários (dez homens e nove mulheres),
na faixa etária dos 20 anos, foi possível descobrir que, ao sentir inveja, a
região do córtex singulado anterior era automaticamente ativada. Durante a
pesquisa, os voluntários foram induzidos a imaginarem uma situação que envolvia
outros três personagens do mesmo sexo, faixa etária e profissão idêntica às
deles. Hipoteticamente, dois deles seriam mais qualificados e inteligentes.
Dessa comparação é que o estudo foi desenvolvido. A partir do momento em que se
fixa na pessoa a sensação de inferioridade, nasce a inveja, sentimento difuso
que ninguém admite. Mas, é preciso que se diga que inveja e ódio são irmãos
siameses.
A matriz
da inveja está naquilo que a gente deseja, mas muito além do nosso alcance. Elisa
Cintra em Melanie Klein Estilo e
Pensamento (Ed. Escuta),
sintetiza: ‘Quem desdenha quer comprar’,
diz o ditado: a inveja é quase sempre detectável na vida cotidiana por esse
trabalho de desvalorização do outro, o que também foi narrado pela fábula da
raposa e das uvas. Impossibilitada de ter acesso às uvas, a raposa começou a
tecer considerações sobre a falta de valor dos frutos, o fato de estarem
verdes… A inveja dirigiu-se aos frutos, isto é, à criatividade da árvore,
àquilo que ela pode oferecer e criar. A ideia de ‘frutos’ permite que se lembre
a inveja da obra do outro, de suas ideias, de seu trabalho e de sua capacidade
de criar obras de arte ou científicas. Entretanto, a inveja vai mais longe:
além de depreciar os frutos, ela tenta diminuir o prazer da própria situação de
gratificação, como na expressão popular ‘não dar o braço a torcer’, admitir o
poder do outro. O escritor irlandês, Oscar Wilde, dizia que A cada bela impressão que causamos, conquistamos
um inimigo. O Novo Dicionário Aurélio conceitua a Inveja como o desgosto ou pesar
pelo bem ou pela felicidade de outrem. Um desejo violento de possuir o bem
alheio. Já o Dicionário de Psicologia Dorsch, afirma
que a inveja pertence aos sentimentos intencionais. É uma
insatisfação, um aborrecimento com a alegria do outro. Allan Kardec, o pai do
espiritismo, explicita que, com a inveja e o
ciúme, não há calma nem repouso para aquele que
está atacado desse mal: os objetos de sua cobiça, de seu ódio, de seu despeito,
se levantam diante dele como fantasmas que não lhe dão nenhuma trégua e o
perseguem até no sono.
Ciúme, inveja e ódio, são sentimentos que
existem desde os primórdios da civilização humana, estando a Bíblia repleta de
exemplos. A inveja tem até traços físicos, como os pintados por Ovídio em As Metamorfoses, II: lábios lívidos,
esquálidos e descarnados como um cão; seus olhos são vermelhos e não encara
ninguém de frente. Aliás, a personificação da inveja teve como protótipo a
figura da deusa Invídia. Veja a estória: a gananciosa Aglauro, filha do rei de
Atenas, sentia grande ciúme de sua irmã Herse. Por isso, foi punida pela deusa
Invídia e transformada em pedra mais tarde por Mercúrio. Todos conhecem a
estória de Atreu e Tiestes, cujas trajetórias de traições e crimes preenchem
uma lista enorme. Ainda jovens, mataram seu meio-irmão Crisipo. Adiante,
Tiestes torna-se amante de sua cunhada, Aérope, levando o irmão Atreu a matar
três filhos de Tiestes e a servi-los a ele numa bandeja. Para vingar-se,
Tiestes, seguindo as instruções de um oráculo, emprenha a sua própria filha,
gerando Egisto, que mais tarde viria a assassinar Atreu. A inveja entre irmãos
é um dos temas bastante explorados pela Bíblia. Nos Livros Históricos – 2º
Livro de Samuel - está a história dos filhos de Davi, Absalão, Amnon e Tamar.
Absalão revoltou-se com a atitude de Amnon que, num ato insano, estuprou a
própria irmã, Tamar. Isto fez com que Absalão armasse uma emboscada e matasse Amnon.
Mas há quem diga que, independentemente deste fato, muito antes havia uma briga
de foice entre os dois envolvendo o criatório de ovelhas. No Livro dos Juízes,
Abimeleque, para se tornar rei, mata os seus setenta irmãos de uma só vez.
Enfim, o caso de Caim, que matou o irmão Abel, que é bastante conhecido de
todos.
Bob Marley
O psicanalista Mario Quilici diz que a
inveja dá-se em quatro fases especificas: (I) Primeiramente, o indivíduo olha
um objeto, situação ou um traço de alguém, que imediatamente admira e compreende a importância para ele. Ou seja, vê, admira e deseja;
(II) No momento seguinte, faz uma comparação entre o que o outro tem e o que o
indivíduo não tem. Ele toma consciência de uma falta sua porque já discrimina.
Aqui o processo cognitivo é importante; (III) Aí se dá o terceiro momento da
inveja, que é a percepção – e ao mesmo tempo a vergonha – de uma falta nele do
que foi admirado (e valorizado) no outro. Surge aí, também, a constatação de
que aquilo que desejou é impossível de ser obtido por ele; (IV) Logo estamos na
quarta e última fase: A inveja é disparada pela percepção de uma falta no
indivíduo. Essa insuficiência faz com que ataque e consequentemente espolie o
objeto invejado, para fazer desaparecer a diferença que foi percebida. Numa
luta secreta e constante, aquele que se sente insuficiente tenta esconder sua
vergonha de ser incapaz. Assim, procurando evitar qualquer situação que o faça
sentir mais humilhado, ele ataca antes de ser atacado. Isto é, ele compete sozinho. A competição é um hábito do
invejoso, pois ele tem dificuldade de receber ajuda, fazer junto e cooperar. A
inveja é um dos sete pecados capitais e percorreu todas as fases da história da
humanidade e encontra-se presente hodiernamente. Foi protagonista do
holocausto, das teorias de Freud, da morte de Sócrates e tantos outros
acontecimentos históricos. Como dizia Bob Marley, tudo que me desejar de
negativo, baterá no peito e voltará pra você em forma de amor e paz.
POST SCRIPTUM
BATISTA, O CAÇAROLA
Tai uma
coisa que Batista nunca se importou: o fato de
ser chamado de corno. Por volta dos anos 60 do século passado, era uma figura
muito conhecida em Aracaju. Conseguiu seu emprego numa importante repartição
federal através de um deputado amigo seu, que tinha prestígio com o presidente
Getúlio Vargas. Bastante tranquilo, com bom senso de humor, era muito estimado
pelos amigos e colegas de trabalho. O que ninguém entendia era ele sempre
afirmar que era feliz com as traições que sofria de suas mulheres. Conquistou a
sua primeira mulher aos 19 anos. Ela tinha 16 e foi seduzida e desvirginada, o
que o obrigou a casar-se. Viveram juntos 4 anos. A ruptura foi ocasionada pelo
fato dela traí-lo com um primo que frequentava a sua residência. Depois dela,
teve a oportunidade de se amigar com 25 mulheres, e por todas elas foi
enganado. Isso não lhe causava qualquer mágoa ou trauma, ao contrário, se
vangloriava. Tinha frases prontas para justificar as traições sofridas. Dizia
que ninguém consegue comer sozinho uma melancia grande e uma mulher bonita.
Justiça seja feita. Todas as suas mulheres eram de fechar a rua, lindíssimas e
esculturais. Todas tinham bumbum avantajado e cintura de pilão. Não conhecia
dor de corno e nunca se lamentou nos bares da vida. – Chifre foi feito para homem, o boi usa de ousado, dizia sempre.
Tinha orgulho de afirmar que nunca foi infiel com suas mulheres. Era inteiro
com elas enquanto estavam juntos. Era um autêntico caçarola, vivendo do trabalho para sua casa e vice versa. E sempre
foi dominado pelas suas parceiras. A sua 17ª mulher lhe traiu com um vizinho.
Era, inclusive, uma chata. Ele não podia sentar no sofá com os pés estendidos
que ela reclamava. Pipoca para assistir o futebol, nem pensar. Pois bem. Certo
dia, ele teve que fazer uma viagem para o interior do Estado. Contudo, como
houve um problema no carro, voltou para casa antes do tempo. Ao chegar, lá
estava seu vizinho no sofá, de cueca, assistindo um filme e ao seu lado uma
bacia de pipoca. Ele ficou com raiva, quis matar a mulher ou o vizinho? Qual
nada! Disse para o amante que estava nervoso com o flagrante. - Fique à vontade. Só vou pegar as minhas
roupas. E saía dizendo, - Chifre se
cura com outro chifre. Quando algum amigo questionava o fato de tanta
traição, ele respondia: - Tenho orgulho
dos meus chifres. Se não existisse eu não teria conhecido 26 mulheres. A minha
meta é chegar às 30.
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de 12 a 14.11.2016, Caderno A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão, Aracaju-SE, em 14.11.2016, às 16:40:40, site:
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