sexta-feira, 17 de julho de 2020
Tipos Populares - João Mello
Isto é História
Aracaju Romântica que Vi e Vivi
Tipos Populares
JOÃO
MELLO – O POETA CANTOR
Murillo
Melins
Não dá para escrever sobre romantismo nas décadas de
30 a 50 sem fazer um registro especial à presença marcante em Aracaju de um
artista completo – músico, poeta, ator, cantor – que, com o encantamento de sua
arte, valorizou as coisas de Sergipe, especialmente de Aracaju, terra que ele
elegeu como sua pelo coração e que posteriormente (já na década de 80) foi
oficializado pela Câmara Municipal que em boa hora outorgou-lhe o título de
“Cidadão Aracajuano”.
Estamos falando de João Mello, um baiano de Sete
Portas, que veio para Sergipe em 1924 indo inicialmente morar com seus pais em
Boquim. Apesar de jovem, já se deliciava com as serenatas e saraus promovidos
por seu pai (médico e também músico) onde pontificava a voz maviosa do Sr.
Francisco Sales, seresteiro conhecido por seus dotes artísticos e musicais
naquela cidade como Chiquinho Pintor.
Com a justificativa de vir estudar na capital, a partir
de 1936, passa a frequentar as rodas intelectuais e boêmias da cidade,
participando em especial das famosas serenatas aracajuanas, cantando também em
festas e clubes.
Foi o primeiro cantor a ocupar os microfones da
Rádio Aperipê, emissora que ele viu nascer, acompanhado do seu irmão artístico
Carnera, orientado e apadrinhado pelo já então famoso seresteiro nacional, o
cantor Sylvio Caldas, que na época realizava temporada em Sergipe.
Desde então, ele não parou mais de cantar. Cantou as
belezas de Sergipe, desde o “Pescador da Praia Formosa”, passando por “Mãe da
Lua” e “João Ventura” (um resumo de sua alma sensível) até os encantos de
Boquim com sua famosa Fonte da Mata, imortalizada em versos de Hermes Fontes,
além de lançar nacionalmente o samba “Sergipinho”, marca do seu carinho pela
terra que o acolheu e lhe proporcionou as primeiras inspirações.
Como ator, participou de várias peças apresentadas
no famoso palco do Cine Teatro Rio Branco onde interpretou personagens criadas
por grandes dramaturgos como o nacionalmente consagrado Joracy Camargo e o
sergipaníssimo Paulo Barreto. Seus dotes de ator ele também emprestou ao Rádio
Teatro da Rádio Aperipê, apresentando-se em peças radio teatralizadas do poeta
Sales de Campos entre 1942 e 1945, em pleno período da segunda guerra mundial,
momento em que colaborou com o esforço de guerra, tendo sido, inclusive,
convocado para as fileiras do Exército Nacional (onde alcançou a patente de
Sargento e foi relacionado para integrar a Força Expedicionária Brasileira).
Paralelamente, compunha suas canções inspirado em temas locais e principalmente
no amor.
Suas apresentações através da PRJ-6, motivaram
aplausos não só do público sergipano como também de vários estados nordestinos
que escreviam para ele e para a emissora. O seu valor artístico como
intérprete, valeu o título de “Cantor Máximo de Sergipe” que lhe foi conferido
pelo extraordinário homem de rádio, Alfredo Gomes, que foi valorizado pelos
demais apresentadores, colegas cantores e músicos integrantes da radiofonia
sergipana.
Amigo dos políticos de esquerda como os deputados
comunistas Armando Domingues e Carlos Garcia, e por suas convicções populares,
na segunda metade da década de 50, começou a ser patrulhado intelectualmente e,
por determinação do chefe de polícia, Dr. Monteirinho, viu serem proibidas as
apresentações de suas músicas na emissora oficial. Posteriormente, ele mesmo
foi impedido de cantar, não somente na emissora oficial como em eventos
públicos controlados pelo governo. A mesma penalidade seria imposta a seus
colegas cantores e cantoras que ousassem interpretar suas músicas. Cantor por
excelência e por amor à música, para não entediar-se com a perseguição
política, passou a cantar de graça nos requintados cabarés da cidade e em
reuniões reservadas.
Liderando um grupo de artistas e contando com o
decisivo apoio de Santos Mendonça, João Ribeiro do Bonfim e Carnera, criou o
movimento artístico denominado “O que somos e o quanto valemos”, que preencheu
artisticamente, principalmente ao domingos, o que a emissora de rádio não
estava oferecendo pois o “cast” passou a integrar esse grupo que, inclusive,
teve algum resultado financeiro, formando-se assim uma espécie de cooperativa.
Esse trabalho foi levado a várias cidades do interior, como Propriá, Lagarto e
Estância.
Mas, arte não se prende. Artista não é passarinho, e
João Mello rompeu as correntes que o ligavam a Aracaju. Inicialmente, foi para
Salvador (BA) onde integrou o cast da Rádio Excelsior, dali para a Rádio
Cultura e Rádio Sociedade da Bahia. Fez parte da orquestra de Napoleão Tavares
e seus soldados musicais (como crooner), e com Pinduca, Codó, Bonfim e outros
grandes artistas, atuou na Boite XK (na Avenida Sete) e na Boite Clock. Viu seu
sucesso na Bahia coroado de êxito ao lado dos músicos Pinduca, João Anunciação,
Bonfim, Tabaréu, Gerson, na Boite Xangô do recém-inaugurado Hotel da Bahia,
ocasião em que cedeu a música de sua autoria intitulada “Maria Madalena” para a
produção cinematográfica argentina, filme inteiramente rodado na “Boa Terra”.
Daí, para o Rio de Janeiro, capital artística do
país, foi um pulo. Convidado por artistas que já tinham gravado suas
composições, João Mello foi brilhar no Rio, tendo trabalhado na Rádio e TV
Tupy, mantendo programa semanal com Gilvan Chaves, apenas com o seu inseparável
violão, ao tempo em que gravava discos e tinha suas canções solicitadas por
outros cantores. Participou, como compositor, de festivais no Rio e São Paulo
onde viu suas músicas serem interpretadas por cantores famosos.
Ingressou na carreira de produtor de discos, tendo
trabalhado nas gravadoras “Sinter”, “Phillips” e “Som Livre” (Rede Globo). Teve
a felicidade de dar o pontapé inicial na carreira de muitos artistas, hoje
famosos, dentre eles Jorge Benjor, Djavan, Beth Carvalho e tantos outros. Foi parceiro
musical de renomados compositores e teve diversas músicas de sua autoria
tocadas em filmes e novelas. Em 1959, o cronista Sérgio Porto, o extraordinário
Stanislaw Ponte Preta, indagado em entrevista ao Jornal Última Hora (Rio) sobre
a melhor música da MPB daquele ano, respondeu de pronto: - Dói...Dói, de
João Mello e quem quiser comprovar ouça a gravação do samba na voz de Aracy de
Almeida.
Recentemente, João Mello, aos 80 anos, gravou um CD
editado pela “Som Livre”, “Coração Só Faz Bater”. Nele, estão entre outras
músicas de sua autoria: “Dói...Dói”, “João Ventura”, “Sergipinho” e numa
homenagem bem aracajuana, “Deusa do Aribé”, onde junto com o poeta Freire
Ribeiro exalta a famosa beldade daquele bairro, hoje conhecido como Siqueira
Campos.
João Mello, que bem podemos chamar de João Ventura,
“é um cabra inteligente que sonha um mundo diferente pra ele e pra todo mundo”,
como bem diz a canção. Com sua sensível alma de artista, escreveu há algum
tempo essas duas quadras:
Até hoje em
minha vida
Nunca pensei
em casar
E se alguém me
perguntasse
Quem queres tu
desposar?
Responderia
acanhado,
Como quem quer
e não quer,
Eu casaria com
a música,
Se ela fosse
mulher.
De fato, não se pode omitir o nome de João Mello, o
“poeta-cantor” em qualquer pesquisa sobre artes em Sergipe.
NOTA DO
BLOG:
João Mello faleceu em Aracaju no dia 5 de janeiro de
2010, aos 88 anos. Na época, disse o historiador Luiz Antônio Barreto que a morte
de João Melo empobrecia a cultura de Sergipe. “Ele foi o primeiro sergipano
a projetar o Estado no cenário nacional como cantor, compositor e violonista e
principalmente como produtor musical. Ele teve a oportunidade de lançar e
influenciar grandes nomes da MPB”, afirmou. Em 2006 ele lançou o livro “João
Ventura”, escrito a quatro mãos com o irmão Raymundo Mello. Especialmente para
o lançamento, veio a Aracaju o maestro Pinduca, que foi parceiro de João Mello
em várias músicas. “João Ventura” é um apanhado
da vida de João Mello desde a sua vinda para Aracaju, com pouco mais de dois
anos, passando por sua carreira musical em Sergipe, Bahia e Rio de Janeiro. Ao
retornar a Sergipe, produziu na TV Aperipê um dos programas mais importante da
preservação da memória sergipana, o “Aperipê Memória”.
Outros
fatos interessantes sobre a sua vida está no site da Wikipédia, que
destaca: Já residente no Rio de Janeiro e contratado pela Sinter, gravou seu
primeiro disco em 78 rotações no ano de 1958. Nele interpretou as músicas
"Iá Iá da Bahia chegou", composta em parceria com Clodoaldo Brito
(Codó) e "Xim-xim de galinha" de sua autoria. Um ano depois lança o
LP Apresentando João Mello em Ritmos do Brasil também pela
Sinter, em que consta as duas músicas citadas, além de outras composições como
"Berimbau" e "Fiquei na Bahia" (com Codó),
"Sergipinho", "Meu irmão não vá", "Você", "É
fingimento", "Felicidade", "Velho pescador" e
"Chamado do mar". Em 1963, João Mello lançou mais um LP: A
Bossa do Balanço, desta vez pela Philips, com o acompanhamento musical do
Tamba Trio. Neste disco, ele cantou sambas e marchas como "Gostoso é
sambar", "Jogado fora" e "Vai sofrer vai chorar" (de
sua autoria), além de interpretar músicas de outros compositores.
Em 1967, participou
do III Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, através das músicas
"O Milagre" (Nonato Buzar) e "A Cantiga de Jesuíno" (Capiba e Ariano Suassuna), mais tarde
lançadas, cada uma, em dois LPs.
Como
compositor, teve músicas gravadas por Sérgio Mendes e
outros artistas da música brasileira. Compôs a música Sambou sambou em
parceria com João Donato.
Além
disso, fez adaptações para obras infantis e se destacou como produtor musical,
trabalhando durante doze anos na Companhia Brasileira de Discos (selos Philips, Polydor, Fontana)
e logo depois na gravadora Som Livre.
Produziu diversos artistas da MPB durante a década de 60 e 70, e fez amizade
com os cantores Paulinho da Viola, Jorge Benjor, Luiz Melodia, Geraldo Azevedo, entre
outros. Lançou o cantor e compositor Djavan e
produziu, em 1973, a trilha sonora da Novela O Bem Amado, da
TV Globo.
O autor
Murilo Melins
-
Na próxima postagem você vai conhecer aquele
que era conhecido como o maior seresteiro e violonista de Sergipe, o grande CARNERA.
Muito admirado por músicos daqui e de fora.
-
Do livro “Aracaju Romântica que vi e vivi”, de Murillo Melins, 4ª. Edição,
2011, Gráfica J. Andrade.
-
As imagens aqui reproduzidas foram retiradas do Google.
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