quinta-feira, 30 de julho de 2020
Feliz Ano Velho
Opinião
FELIZ ANO VELHO
Clóvis Barbosa
Não! Nada disso! Não vou falar do best-seller do querido Marcelo Rubens
Paiva que emocionou, e ainda emociona, a todos aqueles que têm contato com o
seu romance. Aliás, recomendo como presente de Natal. Na década de 80, recordo-me
que comprei 30 edições de Feliz Ano Velho
e distribuí no período natalino com os amigos. Ainda hoje alguns desses
companheiros recordam do fato bastante gratificados com o presente e com a
oportunidade de conhecer uma história trágica, contada numa linguagem simples e
coloquial. Eu tenho uma profunda admiração por Marcelo, filho de um grande
companheiro, o deputado federal Rubens Paiva, torturado e assassinado pela
ditadura militar no início da década de 1970. Confesso que gosto de receber
livros e, também, de dá-los. Este ano já recebi três livros: A Democracia
Traída, entrevistas com Raymundo Faoro, organização e notas de Maurício
Dias e prefácio de Mino Carta; A
Biblioteca Esquecida de Hitler, de Timothy W. Ryback, que trata das obras
que moldaram a vida do Führer; e Trujillo,
La Muerte del Dictador, de Bernard Diederich.
Para presentear alguns amigos vou oferecer o livro
da jornalista Claudia Wallin, Um País sem
Excelências e Mordomias, obra que me foi dada por um servidor do Tribunal
de Contas há dois anos e que li recentemente. Pois bem! A verdade é que muitos que lêem, aprendem. Outros não. A
bíblia, a história, os grandes mestres, a filosofia, as obras literárias, estão
cheias de ensinamentos. O homem, entretanto, apesar de ser capaz de desenvolver
descobertas fantásticas na área da tecnologia, involuiu no campo do aprendizado
com a vida. Teima em repetir erros cotidianamente registrados nos anais da
história. Tudo bem. Erra-se inconscientemente, não era essa a pretensão, justifica-se,
após produzir o caos e a destruição antes do tempo. Nada disso, conversa fiada! Erra-se porque não é
sábio, não assimilou os bons ensinamentos e optou pela mediocridade como
exemplo. Incorporou maus sentimentos ao seu cotidiano. Vaidade,
auto-suficiência, arrogância e, sobretudo, esqueceu-se de ouvir. Ou ouviu mal.
Nietzsche
estava certo: "Deus acertou ao
limitar a inteligência humana, mas errou em não limitar a burrice". O
“conselho” - que, conforme se diz, se fosse bom, não se dava,
vendia-se, o que não é verdade - é o maior exemplo de como a
insensatez predomina na mente das pessoas incautas. Conselho
sempre foi bom e faz muita diferença numa situação de conflito, principalmente
quando é dado por pessoas, como diria Ingenieros (O Homem Medíocre, Ícone Editora), que extasiam-se diante de um
crepúsculo, sonham frente à aurora ou se arrepiam na
eminência de uma tempestade, que gostem de passear com Dante, rir com Moliere,
tremer com as tragédias de Shakespeare ou assombrar com Wagner. Enfim, o
conselho sempre é bom quando dado por quem sabe velejar nos mares da sensatez.
Agora, só dá certo para quem precisa e para quem quer ser ajudado. Aqueles que se acham argutos, espertos, eruditos,
não! Por serem auto-suficientes, e muitas vezes, por assim se acharem, preferem
se unir aos vampiros de energia, ornados com as virtudes da mediocridade.
Tobias (4,18) sempre ensinou seu filho a dar ouvidos
aos sábios e a não desprezar nenhum bom conselho. Fez
desses ensinamentos o seu caminhar pela longa vida. E morreu cercado de honra,
aos cento e dezessete anos de idade. A mulher de Ló (Gênesis 19,26) recebeu
também boas instruções, mas sua índole era cheia de desdém, o que fez com que
Deus a castigasse, transformando-a em estátua. Todos sabem como se deu a destruição de
Sodoma. Justamente por terem amparado os dois anjos da fúria dos habitantes da
cidade, foi Ló aconselhado a sair daquele lugar com a sua mulher e as duas
filhas antes da destruição, sob a fixa determinação de não olhar para trás e
não parar em lugar algum, seguindo para a montanha. Não era para olhar para
trás, mas a mulher não quis ouvir o conselho. Resultado,
virou uma estátua de sal; o rei Roboão (1 Reis 12,8) não aceitou ser guiado
pelos ensinamentos dos anciãos, que tantos serviços prestaram a Salomão, seu
pai, quando ainda estava vivo, preferindo outro caminho.
Gustave Flaubert, o autor de Madame Bovary
O que fez Roboão? Seguiu os inaptos, sem cultura, sem experiência. Resultado, perdeu dez tribos e continuou sendo
um apoucado. Se Nabucodonosor (Daniel, 4,24-33)
tivesse ouvido Daniel, que o aconselhou a pagar os seus pecados praticando a
compaixão e reparando as suas faltas cuidando dos pobres, ele não teria sido
transformado em animal, comendo capim como gado e a ficar ao esmo. “Seu cabelo ficou comprido como penas de
águia e as unhas cresceram como unhas de passarinho”; e Judas Macabeu (1
Macabeus 9,1-18), o mais forte dos homens, cujos feitos lhe renderam a fama, o
herói do povo de Israel, não teria perdido a vida caso houvesse seguido as
palavras dos seus companheiros que, sensatamente, tentaram demovê-lo da ideia de enfrentar um exército bem mais numeroso, logo
após a deserção desenfreada de seus homens. Portanto, quem ignora e descrê dos
bons conselhos, seguindo a sua presunção, perde o bonde da história. Faz com que a inteligência seja ofuscada pela mediocridade
ou, como diria Flaubert, torna-se “um
homem que pensa de maneira baixa”.
Gracian (A
Arte da Prudência, Editora Sextante) acentua que a vida humana é uma luta
contra a malícia do próprio homem, adiantando, também, que conhecimento sem bom
senso é uma dupla loucura. A insensatez, lamentavelmente, é um cancro que
impregna o tecido humano, vicia a alma e destrói os sonhos. Está presente em
todas as carreiras, sejam nas áreas das ciências exatas, nas humanas; entre as
classes mais abastadas ou menos favorecidas. Entristece,
contudo, quando a Inteligência sucumbe à insensatez. Não cabe, aqui, discutir
as origens desse rebaixamento moral, mas é importante enfrentarmos o dragão
verde que solta bolas de fogo pelas narinas existente em nós, como pensado por
Nietzsche. Ele não pode continuar impedindo o nosso peregrinar em busca da
perfeição. Mas,
infelizmente, está muito difícil encontrar o caminho. Tenho visto de tudo nessa
vida, mas é nos meandros do poder que a insensatez encontra o seu habitat,
dando exemplos cotidianos de como a mediocridade prevalece nas relações.
O
mundo está cheio desses semideuses que pululam nos galhos da insensatez, da
vaidade, do descalabro ético, da hipocrisia, da indolência e preguiça. Todos
irmãos gêmeos da arrogância, característica
principal dessa estirpe de gente, que se vangloria da desonra de haver
ludibriado alguém e de receber honrarias pelos malefícios praticados. Só e
somente ele é honrado e acredita ser o melhor de todos. Diferentemente dos
sábios, recebem como afronta uma crítica a um equívoco ou a uma estupidez
cometida. Quase sempre são egocêntricos, desonestos e indignos de confiança. Essa
turba que povoa o nosso espaço aumenta a cada
dia. Quer ver o diabo faça um teste com alguém que assume o poder.
Transforma-se, de imediato. Passa a ser um PhD naquela atividade. Não
interessam as forças, as circunstâncias, os erros do adversário, a forma como
ele chegou ao píncaro, nada! Ele chegou à glória por força da sua
“inteligência”, da sua capacidade de aglutinar e por ser o melhor entre todos.
Não ouse aconselhá-lo ou tentar estabelecer um diálogo num momento de crise.
A
resposta é imediata: - Eu sou pós-doutor, não preciso de interferência de
ninguém; eu sei como resolver, pois, se não soubesse, não era eu que estava no
poder, mas você. É sempre assim. O poder, para esse psicopata, é eterno, nunca
acaba. Não se mira nos exemplos da literatura, da história, da Bíblia e da
universidade da rua. Sempre olha a plebe de cima para baixo, como ser
inexistente. Pobre de espírito, não sabe o que perde quando deixa de lado a
experiência que se encerra num homem do povo. Alexandre, o Grande, subjugou o
mundo com as suas vitórias em diversas batalhas. Morreu feio, envenenado por um
criado; Xerxes, filho de Dario I, rei da Pérsia, conquistou o Egito e tentou
fazer o mesmo com a Grécia, pois se achava o dono do mundo. Sofreu uma
fragorosa derrota, fugindo para a Ásia, onde morreu assassinado por um seu
cortesão. O mesmo aconteceu com o poderoso imperador romano Júlio César, que em
pouco tempo morreu apunhalado. Veja o exemplo de Muammar Gadafi, objeto de uma
crônica aqui neste espaço.
O
seu fim mostra que nenhum poder foi tão grande que não tivesse sucumbido de
forma terrível, como foi o seu caso, testemunhado por milhões de pessoas. Todos
foram e são esmagados pelo próprio veneno: o veneno da arrogância. Em Tiago, 4,6, está dito que
“Deus resiste aos soberbos, mas concede a
graça aos humildes”, ou seja, o arrogante Deus humilha, mas o humilde Ele
sempre exalta. Todos conhecem a história da escrava Agar. Está ali no Livro do
Gênesis. Por não poder conceber, Sara, mulher de Abrão, propôs-lhe: “Já que o Senhor me fez estéril, une-te à
minha escrava, para ver se, por meio dela, eu possa ter filhos”. Abrão
acordou com a idéia, unindo-se a Agar que lhe deu um filho. Só que, durante a
gravidez, Agar passou a esnobar a sua Senhora, pensando possuir um poder que na
verdade não possuía, terminando por ser de forma obstativa expulsa da casa com
o seu filho, tudo fruto de sua estupidez. Mas, na verdade, esse time de pessoas
que se veste com a roupa da vaidade e da arrogância, não passa de seres
medíocres.
Como
bem diz José Ingenieros: barcos
de amplas velas, mas desprovidos de timão, não sabem determinar seu próprio
rumo: ignoram se irão varar uma praia arenosa ou arrebentar-se contra um
penhasco. O problema é que eles se sentem felizes, repetindo, sempre, com
toda pavonice, aquilo que o personagem vivido por Al Pacino, em O Advogado do Diabo, diz no final do
filme: Vaidade: meu pecado favorito.
Oxalá que não se acabem como no poema “Vaidade, Tudo Vaidade”, do poeta
português Antônio Nobre: “... Vaidade! Um
dia, foi-se-me a Fortuna e eu vi-me só no mar com minha escuna, e ninguém me
valeu na tempestade”. Para eles, feliz ano velho!
- Publicado no Jornal da
Cidade, Aracaju-SE, edição 24/12/2016, Caderno A7.
- Fotos Google.
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