Aracaju/Se,

terça-feira, 16 de julho de 2013

E a democracia, como vai?

Artigo pessoal

E a democracia, como vai?
Clóvis Barbosa
 
Em 13 de janeiro de 1898 começou a circular no jornal parisiense “L’aurore”, a primeira de uma série de cartas endereçadas ao então Presidente da República, onde o articulista e consagrado escritor Émile Zola, fazia a defesa do capitão Alfred Dreyfus, que havia sido condenado à degradação militar e à deportação perpétua num reduto fortificado, na ilha do Diabo, Guiana Francesa. O crime tido como praticado pelo militar teria sido o de traição à pátria. Não vou contar essa história, até porque todos a conhecem. Faço registro que o aludido jornal tinha como um de seus baluartes o estadista e jornalista francês Georges Benjamin Clemenceau, também conhecido como “o tigre”. Foi um político destemido, atuante, de força discursiva invejável, irreverente, e bastante firme na defesa de seus ideais. Estava como Primeiro-Ministro no fim da Primeira Guerra Mundial quando da conferência de paz de Paris, que culminou com o “Tratado de Versalhes”.
Pois bem, Dizia Clemenceau que, em matéria de desonestidade, a diferença entre o regime democrático e a ditadura é a mesma que separa a chaga que corrói as carnes, por fora, e o invisível tumor que devasta os órgãos por dentro. Para ele, as chagas democráticas curam-se ao sol da publicidade, com o cautério da opinião livre; ao passo que os cânceres profundos das ditaduras apodrecem internamente o corpo social e são por isto mesmo muito mais graves. Em outras palavras, na democracia, é muito mais fácil detectar o submundo da corrupção e as suas influências nefastas. Essa lição do líder político francês é mais uma tentativa de explicar a importância da preservação do Estado de Direito Democrático. Somente quem viveu durante o período autoritário pode avaliar as consequências e os males sofridos. As experiências do Brasil (1937-1945 e 1964-1985), Portugal (1926-1933 e 1933-1974) e Espanha (1939-1976), para não falar em outras, atestam como é restringido o exercício da cidadania e como se dá a repressão aos movimentos de oposição, quase sempre com violência. Para se ter idéia, basta ver o grau de desenvolvimento e melhoria das condições de vida após a redemocratização nos três países citados.
Para Aristóteles e Platão, os tiranos são ditadores que ganham o controle social e político despótico pelo uso da força e da fraude. A intimidação, o terror e o desrespeito às liberdades civis estão entre os métodos usados para conquistar e manter o poder. Se a ditadura é o regime de desrespeito às leis, às instituições e às liberdades civis, a democracia, ao contrário, faz o caminho inverso: o respeito às normas e às instituições é o mais importante passo para a solidificação de uma sociedade que tende a avançar no campo da civilidade, da solidariedade e do respeito mútuo. Claro que sei que a democracia não é um regime inerte, mas dinâmico, sempre estando em transformação. Como diz Bobbio, “o estar em transformação é seu estado natural”. Sei, também, que a democracia não goza no momento de ótima saúde, como, é bem verdade, sempre está em ebulição. Mas isso faz com que, todos aqueles que tenham compromisso com a sua preservação, com seu avanço, da busca do seu aperfeiçoamento, estabeleçam canais de reflexão com os setores da sociedade que ignoram que é preciso respeitar as regras do jogo.
Não se pode varrer para debaixo do tapete a crise que vive a nossa democracia representativa. A classe política precisa repensar o seu comportamento. A instituição partidária não respeita a vontade da maioria, mas a de sua cúpula, e na maioria dos casos o que prevalece é aquilo que é determinado pelo seu dono. Sim, pelo dono do partido político. É preciso entender que há um desencanto com os resultados apresentados pela representação política. O mundo econômico, sempre ávido pelo lucro fácil, pela concentração de riqueza e pela manutenção dos seus privilégios, acha que nada tem a ver com o processo de sedimentação do processo democrático. O corporativismo desenfreado, sempre em busca de melhoria de suas condições de sobrevivência, dá, também, a sua contribuição e, o que é pior, de forma atabalhoada, não importando se está desgostando ou não a quem quer que seja. Enfim, todos querem ter razão e fazem da manipulação das palavras o seu tacape, que muitas vezes volta-se contra ele próprio. E transformam em realidade a máxima de Millor Fernandes, que conceitua: “Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim”.
A quem interessa, pois, a instauração do caos. Sabemos que a democracia não é um regime acabado. A tensão é permanente, pois todos querem manter os seus interesses, mas não pode ser a qualquer custo. Não se chegará a lugar nenhum sem o estabelecimento de critérios éticos. A decência é que tem que ser a regra, e não a corrupção. Não se pode deixar que a crise do processo democrático se aprofunde, porque a continuar esse desequilíbrio, todos vão perder. Para o bem de todos, é preciso que haja preponderância da “razão dialógica”, de que nos fala Jurgen Habermas, na sua obra Modernidade versus Pós-Modernidade. Para ele, o último grande racionalista, a razão crítica de Adorno cede campo para a “razão dialógica”, onde a linguagem e a argumentação preponderam. Mas não basta a intenção. As armas devem ser deixadas em casa. O argumento é o que deve prevalecer, enfim, a razão dialógica. Dizia Winston Churchill, premier inglês, que a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos.
Celso Antônio Bandeira de Mello um dos maiores juristas do nosso País, Recentemente falou numa revista especializada em direito. E lá pras tantas, resolveu filosofar sobre as relações humanas, disse: “O fato de ser racional não faz o homem diferente dos animais que vivem em manada, que têm uma cabeça que guia e os outros vão atrás. Na sociedade humana é igual, há os que pensam, e eles são poucos; os outros parecem que pensam, mas não pensam, repete. Eles não têm coragem de pensar. O mundo tem que ser assim, alguns pensam e os outros acompanham o pensamento. Nós vivemos um momento em que é a escória que pensa, que dirige. Mas claro que sempre existem seres notáveis que lutam contra a escória e dizem o que deve ser feito. São seres humanos maravilhosos”.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 19 e 20 de agosto de 2012, Caderno B, página 7.

- Postado no Blog Primeira Mão, Aracaju-SE, no dia 19 de agosto de 2012, às 17h25min:       (http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=4367&t=e-a-democracia,-como-vai?).
- As fotos contidas neste blog foram extraídas do Google. 

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Mulheres da antiguidade - SOBEKNEFERU

Isto é história
Mulheres Audaciosas da antiguidade
SOBEKNEFERU
Vicki León
 
Nas areias do Egito perto de Dashur situa-se uma pirâmide, sua fachada brilhante de calcário branco destruída, as ruínas de tijolos de lama derretendo vagarosamente como sorvete de chocolate ao sol. Ela pode ser uma das poucas peças tangíveis que sobraram de Sobekneferu, a segunda mulher da história a se tornar uma faraó de verdade.
 
Sobekneferu, cujo nome significa “linda crocodila” (que não é tão grosseiro quanto soa – Sobek era o deus-crocodilo) viveu nos primeiros anos do século XVIII a.C., tendo sido o último membro de sua dinastia real. O Egito e suas propriedades na Núbia eram um oásis calmo em tempos globais conturbados, em parte devido ao longo e tranquilo reinado de seu pai. Quando o pai e o irmão morreram, Sobekneferu tornou-se faraó, a soberana do sul e do norte. Como tal, tinha o privilégio de escolher o próximo rei casando-se com ele – preferivelmente do pool de genes dos nobres que viviam na capital, em Tebas.
 
Mas, a linda crocodila gostava de governar sozinha, e levou o tempo que bem entendeu para fazer a seleção. Quando encontrou seu homem, escolheu um plebeu do baixo Egito. Com essas notícias, as coisas ficaram pretas; a escolha amorosa de Sobekneferu enfureceu tanto o povo que estourou uma guerra civil entre o norte e o sul. Os egípcios estavam tão ocupados lutando que não notaram a invasão gradual dos hábeis guerreiros hicsos com suas carruagens, que puseram um ponto final no domínio local. Entretanto, a essa altura, a faraó crocodila já estava aconchegada em sua pirâmide ao sul do Cairo.


No Egito, muitas mulheres atuaram como soberanas ou regentes, mas umas míseras quatro mulheres conseguiram usar os cinco títulos oficiais de faraó – O nome de Hórus sendo o mais importante. Twosret era uma das quatro. Em torno de 1200 a.C., ela casou-se como Seti II, que embaraçosamente viveu mais tempo do que seu único herdeiro. Uma solucionadora de problemas nata, Twosret apareceu com seu próprio candidato quando o maridinho morreu – uma criança de aspecto doentio chamada Siptah (ele pode ter sido um enteado). Previsivelmente, ele deu baixa com seus vinte anos e Twosret se tornou o novo e melhorado Hórus. Como todos os faraós, o problema mais grave de Twosret era seu túmulo. As múmias reais eram embrulhadas com piñatas com ouro e pequenos bens valiosos, por isso frequentemente elas eram rasgadas aos pedaços por ladrões de túmulos. Múmia seca também era popular para fins “medicinais”. A despeito de seus esforços, a múmia de Twosret foi provavelmente reciclada há um milênio. 

  
(*) - A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da Antiguidade vai falar de mulheres estrelas das pistas de corrida, rainhas astuciosas, prostitutas e mártires autênticas. São mulheres que viveram na Ásia Menor e Terra Santa. Vamos começar falando de MASTIGA, conselheira matrimonial que viveu em Kizzuwatna, na Turquia, ela usava técnicas psicológicas antigas e modernas para resolver  problemas que iam de brigas familiares à impotência.

(**) – Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”, título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.

(***) Todas As imagens foram retiradas do Google.

A autora
Vicki León

terça-feira, 18 de junho de 2013

O ócio remunerado

Artigo pessoal

O ócio remunerado
Clóvis Barbosa
 
No meu tempo de grevista duas comissões eram imprescindíveis no movimento paredista: imprensa e propaganda e a de fundo de greve. A primeira tinha o papel de angariar apoio da sociedade, seja através da mídia, seja na conversa direta com o povo em locais muito frequentados. Era preciso sensibilizar e conquistar o apoio popular para a pauta de reivindicações. A segunda também era importante, pois ela iria usar de criatividade para arrecadar recursos para pagamento das despesas do movimento, inclusive com parte dos salários dos empregados de menor poder aquisitivo. Valia tudo, desde a venda de bugigangas numa feira improvisada até correr o pires com apresentações musicais e teatrais. Na época, fazia-se greve respeitando os direitos dos cidadãos e prevenindo-se contra o não recebimento dos nossos meios de sobrevivência. Durante a ditadura militar e no período de redemocratização participei de greve como bancário, estudante e servidor público. Repito, todas elas revestidas da consciência de não causar prejuízos à população. Na de bancário, por exemplo, o cidadão era preparado adredemente da ocorrência da paralisação e dos motivos daquela pauta de reivindicações, sempre apontando a insensibilidade dos banqueiros sobre os parcos valores que eram pagos aos trabalhadores na sua relação com os lucros gigantescos auferidos a cada semestre. Muitas vezes retornávamos ao trabalho nas mesmas, ou em piores, condições. Temíamos o desemprego. Como estudante, pasmem, respondi a um processo porque reivindicava a construção da casa e do restaurante universitário.
 
Hoje é diferente. Estamos vivendo um momento perigoso onde predomina uma visão equivocada de liberdade e democracia. O princípio de que o meu direito termina quando o do outro começa inexiste. Cada vez mais a construção de uma sociedade democrática e socialmente crítica é impedida por comportamentos eminentemente autoritários que desconsideram os direitos alheios. O que é pior, o instituto da greve, conquista das mais valiosas para a classe trabalhadora, torna-se cada vez mais um grande estorvo, cujas consequências poderão ser insanáveis para o avanço do processo democrático. Todos ainda lembram as greves do ABC em São Paulo, na década de 1970, onde sindicatos mais fortes iniciaram uma campanha por melhoria salarial, redundando numa das piores crises econômicas do país, causando a chamada estagflação, pois, o sistema como um todo não pode absorver os reajustes que eram dados pelas grandes montadoras. Sem falar que esses aumentos salariais eram repassados para o consumidor. É preciso que se entenda que ao final, a conta é paga pelo contribuinte no caso dos reajustes dados na esfera pública, e para o consumidor na esfera privada. Por outro lado, não foi sem razão o tratamento rigoroso dado pela Lei de Responsabilidade Fiscal ao limitar os gastos com pessoal no serviço público, evitando extravagâncias praticadas por gestores irresponsáveis e sem compromisso com a administração pública, que não pertence a um grupo de pessoas, mas ao conjunto da sociedade.
 
Esta reflexão, portanto, antes de ser um libelo contra o direito de greve é, sobretudo, o de chamar à responsabilidade aquelas pessoas que pensam que estão acima da lei e que podem postergar os direitos de outrem. Nesse sentido, importante referir-se à Lei nº 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais e regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. O direito de greve é assegurado ao trabalhador, a quem deve decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender, entretanto, na forma estabelecida em lei. Embora os grevistas possuam o direito de empregar todos os meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve, em nenhuma hipótese, os meios adotados poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem, não poderão impedir o acesso ao trabalho e nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa. Não se deve olvidar o conhecimento que se deve ter dos serviços essenciais, que são tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; assistência médica e hospitalar; distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; funerários; transporte coletivo; captação e tratamento de esgoto e lixo; telecomunicações; guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;  processamento de dados ligados a serviços essenciais; controle de tráfego aéreo; e compensação bancária. A lei impõe que nesses serviços, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Sobrepor-se, assim, a direitos e garantias fundamentais de outrem, é considerado um abuso de direito e tornar-se-á ilegal, sujeitando o grevista à responsabilização trabalhista, civil ou penal, dependendo da situação do caso concreto. Já pensou a corrida ao poder judiciário daqueles que tiverem os seus interesses prejudicados por uma greve? O Estado e o empregador poderão suportar as indenizações por perdas e danos materiais ou morais, mas, e os sindicatos de trabalhadores terão condições financeiras de pagar essas reparações? E porque dessas assertivas aqui registradas? Porque é preocupante o comportamento que vem sendo adotado em algumas paralisações em Sergipe e no Brasil afora. Podemos citar como exemplos alguns atos violentos que se distinguem do conceito de greve, como o boicote, a sabotagem e o piquete.
Dá-se o boicote quando se move uma campanha para o isolamento de um produto, induzindo a recusa de sua aquisição pelo mercado. Já a sabotagem quando há danos às instalações, equipamentos ou produtos da empresa. Por fim, o piquete consiste na persuasão coativa dos empregados indecisos para convencê-los a aderir ao movimento.
E mais, se discute, agora, já no plano do judiciário a tese de que greve não significa férias remuneradas e que os salários devem ser cortados durante o período paredista. No ano passado, o Conselho da Justiça Federal (CJF) decidiu que os juízes que aderirem à greve marcada para uma determinada data daquele ano teriam o dia de salário descontado e se a mesma durasse mais dias, tantos dias de salário dos magistrados seriam cortados. Recentemente, na Bahia, os professores tiveram cortados os seus pontos durante um período de greve. O Estado não pagou os dias parados. Foram ao judiciário baiano e este determinou o pagamento através de liminar, contudo, esta foi cassada pelo Superior Tribunal de Justiça sob o argumento de que “a deflagração do movimento paredista suspende, no setor público, o vínculo funcional e, por conseguinte, desobriga o poder público do pagamento referente aos dias não trabalhados”. Por fim um alerta: greves no serviço público não significam uma atitude sem qualquer risco para os grevistas. É bom ficar de orelha em pé.

Publicado no Jornal da Cidade, edição de domingo e segunda-feira, 29 e 30 de julho de 2012, Caderno B, página 7.

- Postado no Blog Primeira Mão, em 29 de julho de 2012, domingo, às 11h49min, site:   http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=4237&t=o-ocio-remunerado 

- As imagens foram reproduzidas do Google imagens.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Mulheres da antiguidade - Hipácia

Isto é história
Mulheres Audaciosas da antiguidade
HIPÁCIA
Vicki León
Hipácia, a primeira mártir mundial da matemática, começou a vida como a criança superdotada básica, filha única mimada de Teo, um sujeito do tipo protetor plástico de bolso que ensinava no Museu em Alexandria. Além de suas duas bibliotecas com meio milhão de livros em rolos de pergaminho, o museu tinha laboratórios e instalações para ensino e pesquisa, onde os sábios viviam à custa do poder público num lugar semelhante a um parque.
Como um pato atrás de pão dormido, Hipácia devorava conhecimento: ciência e filosofia, religião e matemática, poesia e as artes. Quando adolescente, viajou para Atenas para completar sua educação superior na Academia Neoplatônica com Plutarco, cuja filha Asclepigenia também não era muito pobre em filosofia. A notícia se espalhou sobre essa jovem intensa e brilhante; na época em que Hipácia voltou para casa, como uma celebridade de diversas qualidades, o museu já tinha um emprego aguardando por ela. Seu talento para ensinar geometria, astronomia, filosofia e matemática atraía estudantes admiradores de todo o Império Romano – tanto pagãos como cristãos. Ela também escrevia comentários sobre equações do segundo grau, seções cônicas e outras leituras leves, e adorava improvisar hidrômetros e outros aparelhos para facilitar a pesquisa.
Hipácia tornou-se uma mulher influente nos círculos intelectuais e políticos, convivendo facilmente com filósofos, estudantes, magistrados e realeza. Na realidade, a única má sorte que ela teve foi com seu senso de oportunidade; ela vivia no vértice de uma mudança significativa. Antes de seu nascimento, o Cristianismo havia sido oficializado; em 390 d.C., tornou-se compulsório. O bispo Cirilo, chefe religioso da Alexandria, dispôs-se a destruir os pagãos assim como seus monumentos. Seu instrumento: um bando de monges egípcios estilo Hell’s Angels, irracionais, ignorantes e imundos, cujo ódio era tanto racial como religioso. Em 391, eles fizeram picadinho do Serapeum, o templo que abrigava uma das bibliotecas do museu. Gradualmente, essa mulher de carreira, culta, solteira e pagã, chegou ao topo da lista de seus inimigos.
Em uma tarde de 415 d.C., Hipácia cruzou  seu caminho com uma turba de monges frenéticos, que a arrancaram de sua carruagem, arrastaram-na para dentro da igreja (acho que santuário não contava para pagãos) e a fizeram em pedaços da maneira mais difícil, usando conchas de ostras. Com seu assassinato, a mensagem de Cirilo aos pagãos da cidade em choque era clara. Sua mensagem às mulheres era ainda mais rude: o reino dos céus podia ter uma política igual para ambos os sexos, mas, na terra, era melhor que as mulheres aprendessem seu lugar. Diferentemente dos primeiros dias do Cristianismo, quando as mulheres e seus trabalhos, sua fé e recursos financeiros importavam, a própria Igreja havia se transformado numa concha de ostra.
Como neoplatônica, Hipácia acreditava que vivíamos numa cópia imperfeita do mundo ideal. Acreditava na presença do mal, mas não na sua existência eterna – uma crença que foi dolorosamente testada pela sua morte vil e sem sentido. Por toda sua vida, Hipácia havia encontrado pretendentes que insistiam para que lhes desse seu amor e os aceitasse em casamento; para desapontá-los gentilmente, ela sempre dizia: “Como uma filósofa, sou casada com a verdade”. É possível que ela tenha dito a mesma coisa a seus assassinos.   

(*) - A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da Antiguidade vai falar de SOBEKNEFERU, a segunda mulher na história a se tornar uma faraó de verdade. Essa egípcia viveu nos primeiros anos do século XVIII a.C.
(**) – Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”, título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.


(***) Todas As imagens foram extraídas do Google.

A autora
Vicki León
 
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