Noel castigou Ceci em sua última composição
sábado, 11 de junho de 2011
É o amor...
Isto é história
É o amor...
Escrito por Bruno Hoffmann,
para o Almanaque Brasil
Em grandes músicas, poemas inspirados, dribles desconcertantes e lutas sociais havia duas pessoas que se amavam – ou, pelo menos, uma delas. No mês dos namorados, lembramos histórias de amor que reviraram as cabeças de ilustres brasileiros. O filósofo francês Jean-Paul Sartre tratou de reinventar a matemática: “No amor, um mais um é igual a um”. O poeta brasileiro Mario Quintana sentenciou: “Tão bom morrer de amor e continuar vivendo...”. O escritor português Luís de Camões palpitou: “Amor é fogo que arde sem se ver”. Não importa a origem ou a posição social. Na hora em que o amor chama, filósofos, escritores, poetas, pedreiros, jornalistas e cobradores de ônibus agem de forma parecida. Lutam pela pessoa amada. Fazem planos a dois. Resmungam com os términos. Filosofam – a mais simples teoria talvez venha de Machado de Assis: “A melhor definição de amor não vale um beijo”. São histórias de amor que desfilam neste Especial. O amor de casais que enfrentaram preconceitos para unir os trapinhos, como Elza Soares e Mané Garrincha; de quem lutou lado a lado pelos ideais, como Anita e Giuseppe Garibaldi ou Olga e Luís Carlos Prestes; de amantes que nem a morte separou, como Stella Maris e Dorival Caymmi.
Mas como amor também rima com dor, compositores como Noel Rosa e Gilberto Gil trataram de verter suas lágrimas em canções inesquecíveis. O sofrimento é ingrediente da paixão, como bem explica Vinicius de Moraes em Consolação: Se não tivesse o amor / Se não tivesse essa dor / E se não tivesse o sofrer / E se não tivesse o chorar / Melhor era tudo se acabar. Convém acreditar: de amar o Poetinha entendia bem. Afinal de contas, foram nove casamentos, todos em busca do mais nobre dos sentimentos.
Elza enfrentou donas de casa e torcedores por Garrincha
Inimiga do lar!” Foi assim que um jornal se referiu a Elza Soares quando foi anunciado o seu relacionamento com Mané Garrincha. Os dois haviam se aproximado durante a Copa do Mundo do Chile, em 1962. O craque prometera, e cumprira, ganhar o mundial em sua homenagem. Acontece que Mané era casado, e o relacionamento caiu como uma bomba na opinião pública. Elza começou a ser vista como uma espécie de “destruidora da família brasileira”. O advogado da ex-mulher de Garrincha chegou a organizar uma passeata contra o relacionamento. Elza era perseguida nas ruas e foi até ameaçada de morte por donas de casa. Nem a torcida do Botafogo perdoava. Se Mané jogava mal, a culpa era da cantora. O que pouca gente sabia era da abnegação de Elza pelo amado. Ela aguentou firme brigas homéricas causadas pelo alcoolismo de Garrincha. Certa vez, chegou a ir de bar em bar em volta do Maracanã para pedir aos donos que não vendessem bebida ao marido. A relação – entre amor, polêmicas e brigas – durou 16 anos.
Anita lutou por liberdade e por Giuseppe
Durante a Guerra dos Farrapos (1835-1845), o revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi passou por uma cidade do interior de Santa Catarina. A menina Anita, de 19 anos, se apaixonou pelos ideais libertários do europeu. Não só pelos ideais. Abandonou o marido e casou-se com o forasteiro. Esteve ao lado de Garibaldi em todas as batalhas. Na Itália, lutou pela independência do país, mesmo grávida de cinco meses do quarto filho do casal. Em fuga dos exércitos inimigos, morreu durante o parto. Giuseppe se desesperou e nunca se perdoou por não ter impedido a morte da amada. A “heroína de dois mundos” não perdeu a companhia de Giuseppe. Estão enterrados lado a lado em Roma.
Pedro amava Domitilia, mas prezava mais o poder
Pular diversas vezes a cerca não era novidade para dom Pedro 1º, mas seu coração era mesmo de Domitília de Castro, a marquesa de Santos. A relação ardente com a amante preferida durou sete anos. As trocas de cartas entre ambos era constante: “Não passa um momento que meu coração me não doa de saudades tuas”, se desmanchava o imperador. Algumas se destacavam pelo tom picante. Numa delas, Pedro 1º assinou como “Fogo Foguinho”. Noutra, como “Demonão”. Quando precisou se casar por conveniência com uma duquesa austríaca, se despediu numa outra missiva: “Eu te amo, mas amo mais a minha reputação”. Dois anos depois, se despediu definitivamente, e subscreveu: “Seu filho, amigo e amante até a morte, Pedro”.
Dorival Caymmi e Stella Maris começaram
a namorar em 1940 e nunca mais se separaram
Apesar da fama de conquistador, o baiano tinha pela esposa verdadeira devoção. Nem a morte os separou. Em 2008, Stella entrou em coma. Ninguém disse nada a Caymmi, mas ele desconfiou e entrou em depressão, o que acarretou sua morte. Duas semanas depois foi a vez de Stella.
Olga, o primeiro amor de Prestes
Em 1934, vivendo no exílio em Moscou, Luís Carlos Prestes recebeu uma notícia que lhe deixou animado: havia sido aceito como membro do Partido Comunista Brasileiro. A primeira missão não era lá muito simples: derrubar o regime de Getúlio Vargas e implantar o comunismo no Brasil. Como chefe de sua segurança foi escolhida a alemã Olga Benário, mais experiente em missões internacionais. A dupla passou clandestinamente pela Europa e rumou aos Estados Unidos com o intuito de chegar ao Brasil. Para disfarçar, fingiram ser um casal em lua de mel. Prestes não tinha muito jeito para o personagem. Pela dedicação desde jovem às causas em que acreditava, o Cavaleiro da Esperança, aos 37 anos, nunca tinha estado com uma mulher. E como todos esperam que recém-casados dividam a cama em hotéis e navios, os companheiros foram se aproximando. Na chegada a Nova Iorque, o que antes era uma história inventada em nome das causas comunistas tornou-se verdade: Prestes e Olga estavam juntos e apaixonados.
Amor de Gil morreu para germinar
Gilberto Gil estava triste com o iminente divórcio de Sandra, apelidada por Maria Bethânia de Drão. Era começo dos anos 1980. Depois de aceitar ser jurado de um programa de rádio no interior de Minas, tomou um susto ao ler o nome da empresa de ônibus que o levaria à cidade: Viação Sandra. No caminho, Gil foi reparando nas pessoas simples, nos personagens pitorescos que surgiam. Pensou nos filhos e na efemeridade da vida. Chegou ao fim do trajeto revigorado e aceitando a separação. E também com a letra de um de seus maiores sucessos num pedaço de papel: Drão, o amor da gente é como um grão / Uma semente de ilusão / Tem que morrer pra germinar...
Poetinha virou hippie por Gessy
O poeta está apaixonado por você”, passou o recado Maria Bethânia à atriz Gesse Gessy. E estava mesmo. Tanto que logo depois Vinicius de Moraes levou a baiana ao altar. Mas não pense em igreja católica. A cerimônia ocorreu num templo de candomblé de Salvador. O poeta e diplomata vestiu uma bata branca e uma coroa de margaridas na cabeça. E resolveu morar na Bahia. “Era o hippie mais velho do Brasil”, brinca o escritor Ruy Castro. De todas as esposas e amores de Vinicius, o sétimo casamento foi o que mais criou polêmicas. Mas também foi a época em que o poeta se tornou mais popular, em companhia do parceiro Toquinho. Em homenagem a Gessy, compôs Tarde em Itapuã e Morena Flor.
Houve escândalo entre os modernistas
Houve escândalo entre os modernistas quando Oswald de Andrade decidiu romper com Tarsila do Amaral para assumir o relacionamento com Pagu, 20 anos mais jovem. Estranhamento maior se deu quando foi anunciado o local do casamento: o cemitério da Consolação.
Noel castigou Ceci em sua última composição
Estar muito doente não impediu que Noel Rosa convocasse o parceiro musical Vadico para sua casa. A missão era lhe mostrar mais uma letra que acabara de compor para Ceci, o maior e mais conturbado amor de sua vida. Queria que Vadico fizesse a parte musical. Mas o pedido mais importante Noel fez ao se despedir: “Mostre a ela”. No dia seguinte, Vadico cumpriu a promessa. Bateu à porta da pensão da moça e deixou os escritos. Antes de sair, achou por bem avisar: “Acho que Noel te castiga um pouco neste samba, Ceci.”. Ceci espantou-se com o tom biográfico da letra. Estava tudo lá: quando se conheceram no cabaré Apolo, numa noite de são João; como Noel conquistou-a com o violão em punho; as inúmeras andanças na Lapa sob o luar; as vezes que o músico chorou em sua frente. Era Último Desejo, a derradeira canção de Noel: Nosso amor que eu não esqueço / E que teve o seu começo / Numa festa de são João / Morre hoje sem foguete / Sem retrato, sem bilhete / Sem luar, sem violão...
Música e poema não conquistaram Helô Pinheiro
Garota de Ipanema estava recém-composta e Tom Jobim continuava encantado com a moça cujo balançado era mais que um poema. O maestro estava apaixonado pra valer por Helô Pinheiro, a musa inspiradora de um dos maiores sucessos da música mundial. Mas a menina de 20 anos – filha de militar e 16 anos mais jovem que Tom – não dava mole. Ainda mais porque o pretendente era casado. O músico chegou a se declarar, mas o máximo que conseguiu foi arrancar-lhe um breve beijo. Tom apelou até para um convite-poema com o intuito de que se encontrassem novamente: Oh, minha eterna Heloísa / Sou teu constante Abelardo / Tu és a musa perfeita / E eu teu constante bardo / Venha depressa Heloisinha / Quem te chama é o Tom Jobim / Te espero na mesma esquina / Já comprei o amendoim. Helô não apareceu no encontro. E, um ano depois, convidou Tom para ser padrinho de seu casamento.
Bôscoli conquistou três das maiores cantoras do Brasil
O jornalista e compositor Ronaldo Bôscoli era um dos mais bem-sucedidos conquistadores do seu tempo. Não à toa, viveu casos de amor com três das mais importantes cantoras brasileiras. O relacionamento iniciado com Nara Leão, em 1956, era quase um conto de fadas. Para ela compôs emblemáticas canções da bossa nova, como O Barquinho, Nós e o Mar e Vagamente. Chegaram a ficar noivos. Estavam prestes a se casar quando, em uma turnê em Buenos Aires, Bôscoli envolveu-se com Maysa. O rapaz não queria terminar o noivado, mas não esperava o que a amante podia aprontar. Ao chegar ao Brasil, a apaixonada – e ardilosa – cantora convocou a imprensa e anunciou: “Vou me casar com Bôscoli”. Nara, claro, pôs um ponto-final no relacionamento.
Ninguém podia imaginar que o compositor acabaria casado com Elis Regina. Os dois não se bicavam. Conhecedor da personalidade de Bôscoli, um jornalista escreveu sobre o casamento: “Elis Regina terá o consolo de saber que a guerra do Vietnã é muito pior”. As brigas realmente se assemelhavam a batalhas. Numa delas, a gaúcha jogou todos os discos raros de Frank Sinatra pertencentes ao marido pela janela. Detalhe: Bôscoli afirmava gostar mais de Sinatra do que de mulher.
O autor
Bruno Hoffmann
Jornalista, corinthiano e metido a entendedor de samba.
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Excelente matéria!
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