Aracaju/Se,

segunda-feira, 7 de março de 2011

Prefácio do livro de Acrísio Tôrres

Os Crimes que abalaram Sergipe

Sergipe/Crimes Políticos, I, de Acrísio Tôrres
Prefácio
Orlando Dantas

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Jornalsta Orlando Dantas
Passava por ele indiferente. Disseram-me que era professor, e que seus livros didáticos foram adotados nas escolas públicas. Dele, certo dia, recebi convite para assistir, na Assembléia Legislativa, o recebimento do título de cidadania sergipana. Bacharel em direito, liberal, boa cultura literária, escritor. Subiu à tribuna, calmo, sereno, despreocupadamente, e pronunciou um longo discurso de improviso. Linguagem solta, pronúncia correta, despertou pela erudição a atenção dos presentes. A sua oração, agradável, deslizava como as águas cristalinas de um córrego da terra de Iracema. No dia seguinte, escrevi um tópico na Gazeta de Sergipe sobre a personalidade do professor Acrísio Tôrres, de muita simpatia pela sua inteligência e o valor da oração que pronunciou na Assembléia Legislativa. E, como traço de sua pessoa, destacava a modéstia excessiva como andava nas ruas da cidade. Parecia pedir desculpa a todos, pela sua presença. Tempos após, me aparecia o professor Acrísio Tôrres a convidar-me para assistir sua posse na Academia Sergipana de Letras. O seu discurso de posse, bem convencional. Tive a impressão que havia recolhido os conselhos de Machado de Assis sobre a Teoria do Medalhão. Saudou-o o Sr Luiz Garcia em suas vilegiaturas pelo Japão, distante, portanto, das tradições acadêmicas, com pesar pela oportunidade de ter apresentado um trabalho compatível com a sua brilhante inteligência. Ficamos amigos. Abri-lhe as portas da Gazeta de Sergipe.

E, com o lançamento da revista cultural – MOMENTO -, o papel de redator-chefe. Suas crônicas publicadas na Gazeta de Sergipe despertavam o interesse público pela beleza da forma, a inteligência dos conceitos, o original do conteúdo. Acrísio Tôrres é escritor de classe, metido numa capa de modéstia, que não o apresenta em toda a sua grandeza. Mas, na verdade, é um voluntarioso, disposto a fazer o que julga verdadeiro e correto. Com essa dispensável apresentação, vamos aos fatos. Convida-me o professor Acrísio Tôrres para escrever o prefácio do seu livro – Sergipe/Crimes Políticos, I, 1906/1930 -. O pesquisador, traça do seu “pó dos arquivos” realiza, há tempos, na biblioteca pública do estado, trabalhos meritórios para a história sergipana, nos seus aspectos políticos, econômicos e sociais. Iniciado pela tragédia de Fausto Cardoso, oferece uma pagina de fina sensibilidade artística, a expandir as razões do genial patrício, em sua curta vida de filósofo, sociólogo, poeta, orador parlamentar e popular, além da figura de jornalista. No entanto, contesto, quando se afirma que não foi assassinado. A ordem de evacuação do palácio, dada pelo general Firmino Lopes Rego aos seus comandados, foi causa desse acontecimento lamentável. O general Firmino Rego assim determinou e retirou-se para o telégrafo. Tudo aconteceu sem a sua presença. Deputado Federal, com a soma de suas imunidades, não podia ser tratado como um aventureiro. Razoes profundas de ordem sociológica respondiam pelos fatos motivadores dos acontecimentos políticos.

Fausto Cardoso
E o grave, gravíssimo mesmo, era que Fausto Cardoso recebera o tiro mortal quando já se achava na rua, fora do palácio governamental, embora ferido no braço. Tais os impropérios da soldadesca, que ele fora obrigado a repelir com a frase – “atirem, covardes!”. E se ouvia: “atirem, não atirem!”. Um pelotão de militares, para a manutenção da ordem, não teria aquele procedimento, sem revelar-se conivente no crime que acabava de praticar. Ao estudar outros crimes políticos, sempre aparece o professor Acrísio Tôrres com manifesta simpatia para com o presidente do estado, dr. Guilherme Campos, apresentando argumentos em defesa de sua autoridade. E, afirma a existência de um acordo político, firmado entre os senadores Oliveira Valadão e Coelho e Campos, e o presidente Guilherme Campos. Ora, esse acordo existia entre Olímpio Campos e Oliveira Valadão, firmado em 1902. Não encontrei provas de sua existência, sobretudo após o assassinato de Fausto Cardoso, que era correligionário de Coelho e Campos. Com esses reparos, considero bom trabalho, o livro Sergipe/Crimes Políticos, I, 1906/1930, do professor Acrísio Tôrres, que revela à luz do sol, o tipo de política que se realizava no estado. O desrespeito à constituição, as instituições nacionais, e os crimes praticados em Sergipe, no Mato Grosso, no Ceará, por significativos, passaram a ser conhecidos pelas novas gerações. A história ilustra, com o trabalho do professor Acrísio Tôrres, conhecimentos que clareiam a visão dos fatos.

(*) Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres – SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I 1906/1930”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 07 a 09. Com a publicação do prefácio assinado pelo jornalista Orlando Dantas, concluímos a postagem em relação à referida obra.

- O crime de Gilberto Amado contra o poeta Aníbal Theófilo gerou uma polêmica com os descendentes do poeta assassinado naquele dia fatídico de 20 de junho de 1915, na porta do Jornal do Comércio, no Rio de Janeiro. Arnaldo da Silva Rodrigues, neto do poeta, escreveu um livro em defesa da honra do seu avô, sob o título - Vida e Morte de Annibal Theóphilo – Trágico Fim de Um Poeta Assassinado -. Arnaldo não teve tempo de publicar a obra sobre o seu avô, dado o seu falecimento, mas sua família disponibilizou a obra na internet no endereço: http://www.livrovirtual.com/?a=163F9.

- Em respeito à verdade dos fatos, ao resgate da história, vamos, também, republicar, em série, a partir do dia 15 de março de 2011, a obra supra, dando, assim, a oportunidade de se conhecer a figura desse poeta, que teve a sua vida ceifada tragicamente.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Mata Escura - Conclusão


Isto é história
Mata Escura - Conclusão
Acrísio Torres



Eles, os abastados, utilizam o dinheiro para satisfação de seus sentimentos delituosos. Todo acolhimento era dado aos matadores. Todavia, presos os autores materiais de seus crimes, sem demora os abandonavam. – E o que me resta? – perguntou a si mesmo o bandido. Restava a Mata Escura morrer no patíbulo. No entanto, desejara ter tido o destino de suas vítimas. Ter terminado sua vida terrena como havia matado, e não porque havia matado. A lei de seus semelhantes o punia com a morte na forca. Mas, nessa punição não podia compreender que se achava com o Crucificado. Eram diferentes as condições. Discordava do reverendo Aires da Mata. Não podia conceber que o Crucificado, da cruz, o estivesse chamando e lhe oferecendo sangue e água para lavar as suas culpas, os seus crimes.

Punha em dúvida o sagrado ministro do Senhor, que o confessara e absolvera de seus crimes. Matar e ser absolvido pelo Alto. Não concebia essas duas realidades entremeadas pela morte legal aplicada pelos seus semelhantes. Não devia esperar confiantemente a misericórdia de Deus, como assegurara o reverendo Aires da Mata. E, separada a alma do criminoso corpo, ir gozar da bem-aventurança eterna. Separada a alma... A reticência livrou de Mata Escura o rude metafísico, e seu pensamento se fixou na terra. Tinha a face serena. Lembrava a de um homem que, na proximidade do fim, despedia-se dos parentes, dos cúmplices. Um doloroso adeus ao pai, à mãe, aos irmãos, para sempre. Também aos cúmplices. Nos seus olhos pareciam ler-se uma serena advertência aos que eram espectadores de sua morte na forca.

- Olhem para o meu fim! Não podiam entendê-lo. Talvez mesmo, no fundo d’alma, lamentassem o réu e condenassem a lei que o eliminava na forca. É possível que, segundo Sykes, os criminosos expressem mesmo os nossos impulsos sufocados. Havia chegado a hora do sacrifício de Mata Escura. Deixou o condenado a cadeia de Itabaiana escoltado por dois guardas, percorrendo as ruas até o cadafalso. Tinha a face serena. Chegado ao local, de joelhos, depois de receber as últimas consolações e absolvição final, subiu os degraus do patíbulo. Disse que queria falar ao povo. Desejava manifestar os seus crimes. Foi dada a permissão pelo juiz de execução. Pediu um copo de vinho, bebeu e pronunciou palavras memoráveis. Tinha a voz pausada, mas firme e clara. – Meus irmãos, vejam a minha desgraça!

Exortava a todos que o tomassem como um triste exemplo, a fim de que não caíssem onde ele havia caído. Naquele momento parecia acreditar que ninguém mais cometeria crimes. Estranho, insondáveis os sentimentos de muitos criminosos nos últimos minutos de vida. Pode ser que suas advertências decorram de fundos anseios, porque existe egoísmo mesmo no matar. Talvez influa a certeza de um juízo final. Lembrara-se de Deus, e por seu amor pediu que não matassem para que não morressem como ele ia morrer. Mas, de repente, assumiu uma brusca atitude. – Os ricos foram a causa do meu fim! Esperava que nenhum pobre mais haveria de cometer os males que os poderosos ordenassem, pelo poder do dinheiro. Haviam-no levado àquela condição, e na sua desgraça o abandonaram.

Houve uma ligeira pausa. Pesado e lúgubre silêncio envolvia a multidão na tarde fria. Depois, Mata Escura começou a confessar os seus crimes. Ninguém devia ser culpado da morte do filho de Tobias do Socorro, proprietário de salinas. Foram ele e... Não revelou o nome do cúmplice. A ninguém se devia culpar de um tiro em Estácio Furtado, senhor de engenho em Capela. Era ele o culpado e não o irmão da vítima, que se achava preso inocentemente. Também fora ele o autor do tiro fatal dado em Manoel Florêncio, feitor do sítio Bonfim, em Divina Pastora. Nova pausa. Na face do condenado retornava a decisão de acusar os poderosos. – As mortes que ma mandaram cometer... Interveio o reverendo Ayres da Mata, que havia acompanhado Mata Escura ao patíbulo.

– Filho, não perca a sua alma, disse-lhe o sacerdote. O condenado calou. Nada mais podia manifestar sem revelar o nome dos autores intelectuais de seus crimes. Talvez fosse melhor morrer sem acusar, nem a esses. Não devia perder a alma, insistia o sacerdote. Nada mais disse Mata Escura. Entregou-se às mãos do carrasco. No entanto, por lembrança dele próprio, desejou lançar-se por si mesmo da forca. – Filho, não faça isso! – Gritou o reverendo. Para o velho sacerdote Aires da Mata era cometer mais um crime, um suicídio. Perderia a sua alma, advertira o assistente religioso. Deteve-se o condenado. Devia deixar o algoz cumprir o seu oficio, ao que Mata Escura se resignou, e pagou com a vida todos os seus crimes. Negra noite envolveu o horrível cenário.

(*) - Do livro Sergipe/Crimes Políticos I, Cenas da vida sergipana 2, autoria de Acrísio Torres, Thesaurus Editora, prefácio do jornalista Orlando Dantas, páginas 86 e 87.

- Chegamos ao final da obra do professor Acrísio Torres, membro da Academia Sergipana de Letras. Ele é autor das seguintes obras: História de Sergipe, 2ª. Edição (1967); Geografia de Sergipe, 1ª. Edição (1970); Literatura Sergipana, 2ª. Edição (1974); Minha Terra, Minha Gente, 1ª. Série, 1º grau; Aracaju, Minha Capital, 2ª. Série, 1º grau; História de Sergipe, 3ª. Série, 1º grau; Geografia de Sergipe, 3ª. Série, 1º grau; Sergipe e o Brasil, 4ª. Série, 1º grau; Leituras Sergipanas, 1ª. Série, 1º grau; Leituras Sergipanas, 2ª. Série, 1º grau; Leituras Sergipanas, 3ª. Série, 1º grau; Leituras Sergipanas, 4ª. Série, 1º grau; Virgínio de Sant’Anna, (1967); O Secretário de Guilherme Campos (1968); Graccho Cardoso (1973); Zózimo Lima (1973); Augusto Leite (1974); Os amores de Pedro II em Sergipe (1981); Cátedra e Política (1988) e Imprensa em Sergipe, I (1993).

- A próxima e última postagem do livro será feita no dia 8 de março de 2011, oportunidade em que estaremos apresentando o prefacio da obra, de autoria do jornalista Orlando Dantas, onde ele traça o perfil do autor e manifesta a sua discordância em relação ao momento do crime de Fausto Cardoso. Orlando Dantas foi proprietário do jornal Gazeta Socialista, mais tarde transformada em Gazeta de Sergipe, um dos jornais que fez história na imprensa de Sergipe.

Florbela Espanca - Sonetos

O que estou lendo?

Sonetos
Autoria – Florbela Espanca
Aletheia Editores - Lisboa


Contra-Capa



Florbela Espanca nasceu a 8 de dezembro de 1894, em Vila Viçosa, Portugal. Filha ilegítima (ou de “pai incógnito”), foi baptizada com o nome de Flor Bela de Alma da Conceição. Freqüentou a escola primária em Vila Viçosa, o Liceu André de Gouveia, em Évora (um liceu masculino), e a Faculdade de Direito de Lisboa. Casou-se por três vezes (1913, 1921 e 1925) e trabalhou como jornalista e tradutora. Florbela Espanca tornou-se um dos poetas portugueses mais célebres de todos os tempos. Cantora do Amor, a sua obra ímpar é fruto de um feminismo, muito ao gosto dos anos 20, mas também das contradições que lhe iam no espírito. Morreu (suicidou-se) a 8 de dezembro de 1930, em Matosinhos. Dela disse Fernando Pessoa ser uma “alma sonhadora, irmã gémea da minha”.

Um soneto de Florbela

A Maior Tortura
A um grande poeta de Portugal

Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite e dia...
Não tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde me deite!

E nem flor de lilás, tenho que enfeite
A minha atroz, imensa nostalgia...
A minha pobre Mãe tão branca e fria
Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!

Poeta, em sou um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado!

Mas minha tortura inda é maior:
Não ser poeta assim como tu és,
Para gritar num verso a minha Dor!...






Cavaco Silva e a lição da morte política

Artigo pessoal

Cavaco Silva e a lição da morte política
Clóvis Barbosa

Cavaco Silva
Presidente de Portugal
Vindo de Barcelona, cheguei em Lisboa na sexta feira, dia 21 de janeiro. Estava ansioso para assistir as eleições presidenciais em Portugal, que seriam realizadas no domingo, 23 de janeiro, onde seis candidatos disputavam a hegemonia do poder presidencial no país luso: Aníbal Antônio Cavaco Silva, 71, Presidente desde 2006, com o apoio do Partido Social Democrata, do CDS – Partido Popular e do Movimento Esperança Portugal; Defensor de Oliveira Moura, 65, independente, deputado do Partido Socialista; Francisco José de Almeida Lopes, 55, pelo Partido Comunista Português e pelo partido ecologista “Os Verdes”; José Manuel da Mata Vieira Coelho, 58, deputado pelo PND e apoiado pelo partido Nova Democracia; Manuel Alegre de Melo Duarte, 74, apoiado pelo Partido Socialista, pelo Bloco de Esquerda e pelo Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses; e Fernando de La Vieter Ribeiro Nobre, 60, candidato independente. No domingo, a cidade de Lisboa estava calma, nem parecendo que estávamos num dia de eleições. A temperatura oscilava entre 6 C° e 8º. Em Madragoa, São Bento, Alto do Pina, no Chiado, Rossio, Belém e outros bairros da velha Lisboa, o ambiente era de total silêncio em relação às eleições. Nas sessões eleitorais, o clima era de plena tranqüilidade e a conversa era só uma, a abstenção em massa. Tentei mostrar a alguns eleitores a importância da participação popular no processo de escolha do Presidente da República.


Lisboa, vista do Rio Tejo
Replicando, alguns disseram que não adiantava nada, porque o presidente se comportava como um monarca inglês. Não mandava em nada, alternando o comando do Estado, entre o primeiro-ministro, que é o chefe do governo, Banco Central Europeu, responsável pela moeda única da zona euro, e que na sua missão de assegurar o poder de compra da moeda, prejudicava imensamente a soberania do estado português, e, ainda, o parlamento europeu, que é quem dita as normas aos países do continente. Outros, porém, concordavam em votar. A cidadania exige a participação ativa do cidadão na vida do seu país, do seu estado, do seu município, do seu condomínio, em todos os campos da atividade humana. O voto, por sua vez, possui uma simbologia singular, que é o de oportunizar ao cidadão a participação nos destinos da sua comunidade, de sua nação, e de sua história. Portanto, o estado democrático só se concretiza com a verdade eleitoral, ou seja, a participação dos eleitores no processo de escolha dos seus representantes. Daí a minha surpresa com o resultado das eleições. A abstenção foi histórica: 53,37% dos portugueses não foram as urnas, permitindo que a minoria reelegesse o Presidente Cavaco Silva que, dos 46,63% dos votantes, obteve a vitória esmagadora de 52,94% contra 47,1% de todos os cinco candidatos juntos.

José Sócrates
1º Ministro Português
Os analistas afirmam que um dos motivos da abstenção foi a entrada em vigor do cartão único, ou cartão do cidadão, que dentre outros números, modificou o do título eleitoral, o que dificultou a sua procura pelo eleitor, fazendo com que muitos desistissem de cumprir o seu dever de votar. Quanto ao vencedor, Cavaco Silva, reeleito para a presidência de Portugal, somente terá desafios pela frente num país que viu decrescer a atividade econômica em 2010, prenunciando uma crise de grandes proporções. No mês de abril, segundo os analistas, quando se conhecerem os dados da execução orçamentária do primeiro trimestre, é que poderá ocorrer uma reviravolta na política portuguesa, falando-se até na dissolução da Assembléia da República, cuja minoria socialista com o apoio dos sociais-democratas administram o País na pessoa de José Sócrates, o primeiro-ministro. Sim, antes que esqueça, nos termos da Constituição Portuguesa, o regime lá é semipresidencialista. A administração do Estado é feita pelo governo, representado por um primeiro-ministro, que é nomeado pelo Presidente da República, tendo em conta os resultados das eleições para a Assembléia da República e o nome é indicado pelo partido mais votado nesse escrutínio. O nome de José Sócrates foi escolhido justamente porque a oposição à Cavaco Silva foi a vitoriosa nas eleições da Assembléia da República nas últimas eleições.


Defensor Moura
O lanterninha das eleições

Mas, afora isso, fiquei impressionado com o depoimento de Defensor Moura, o lanterninha, que obteve apenas 1,6% dos votos: “não felicito quem ganhou”. Em política é preciso saber perder, saber, inclusive, morrer. Dizia Churchill: “Política e guerra são igualmente excitantes e perigosas. Acontece que, na guerra, morremos uma única vez, enquanto que, na política, morremos inúmeras”. Esse é o inevitável problema da política: saber morrer. Churchill soube. E é isso que distingue os fracos dos fortes. Estes aceitam a derrota, mesmo que injusta; aqueles não a querem, mesmo quando a merecem. Todos sabem que se não fosse Churchill, o mundo hoje poderia estar nas mãos do nazi-facismo. Todavia, Churchill venceu a guerra. Com a derrota da Alemanha, em 1945, o planeta retomou seu curso e Churchill, vitorioso, candidatou-se à recondução como premiê, na certeza de que o parlamento inglês reconheceria sua grandeza. Mas, ele perdeu. Sobreviveu à grande guerra, mas morreu (temporariamente) na política, perdendo o pleito para o trabalhista Clemente Attlee. O que fez Churchill? Xingou Attlee? Não. Digeriu a derrota e recolheu-se. O resto da história todos sabem, Churchill concluiu a sua obra (Memórias da 2ª, Guerra Mundial), o que lhe rendeu o Nobel em 1953. Concluindo, com a sua derrota, Churchill também saiu vencedor. Tanto que, em 1951, já com 76 anos, retomou ao cargo de primeiro-ministro. É assim que as coisas funcionam na política.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 30 e 31 de janeiro de 2011, Caderno A, p. 7.


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Maysa - Viver, sofrer e amar demais

Grandes personalidades

Maysa
Viver, sofrer e amar demais
Escrito por Bruno Hoffmann

Ela abandonou o lar – num tempo em que isso era um escândalo – para seguir o sonho de ser cantora. Tornou-se dona de um dos repertórios mais melancólicos da música brasileira, interpretado com uma voz grave que virou sinônimo de dor de cotovelo. “Minhas músicas refletiram meu estado de alma, minha tristeza e solidão. Nunca consegui compor nada alegre.”


Catedral da Sé, em São Paulo, estava cheia de pompa naquela tarde de janeiro de 1955. A família Monjardim, uma das mais importantes do Espírito Santo, dava a mão de uma jovem de 17 anos a André Matarazzo, sobrinho do conde Francesco Matarazzo, um dos homens mais ricos do Brasil. A moça entrou na igreja com um vestido de cetim italiano branco, adornado por pérolas, e foi clicada por ávidos fotógrafos de colunas sociais. Era o enredo de um conto de fadas para boa parte das moças da época. Porém, mais tarde, todos descobririam que Maysa Figueira Monjardim era diferente. Logo depois romperia o casamento, se lançaria como uma das cantoras mais singulares do Brasil, encantaria multidões e seria vítima de desamores e angústias sem fim. A mulher dos enormes e profundos olhos verdes seguiria sua trajetória, como diz a música de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, famosa em sua voz, para “viver, sofrer e amar demais”.

Mayza e André Matarazzo

Nascida em berço de ouro, desde cedo Maysa surpreendia quem se acercava, por seu jeito sincero e corajoso. Na adolescência, era arteira e namoradeira, mas também apresentava tendências à depressão. Nessa época, já tirava algumas notas ao piano. A primeira composição, com apenas 12 anos, revelava seu estado de espírito não muito otimista. Era Adeus, que mais tarde gravou em disco. O namoro com André Matarazzo começou quando tinha apenas 15 anos. Ele era bem mais velho – tinha pouco mais do dobro de sua idade. Depois do casamento, a vida do casal começou a ficar cada dia mais atribulada. Ela queria levar à frente a carreira de cantora. Ele não gostava nada da idéia. Até que um produtor a ouviu cantar numa festa caseira e se encantou com sua voz rouca e sedutora. Insistiu para que gravasse um disco. O marido cedeu, mas exigiu que a capa não trouxesse seu sobrenome e nem a foto da cantora. Assim foi, mas o disco logo começou a fazer sucesso e o casamento a ruir, até Maysa ir para o Rio e confidenciar ao pai: “Não volto mais”. Ser dondoca não era seu projeto. Com o André, teve seu único filho, o hoje diretor da Globo Jayme Monjardim.

Nasce a cantora

Jayme Monjardim
No Rio de Janeiro, Maysa passou a apresentar-se em boates, entoando composições próprias. Era raro mulher compor à época. Logo gravaria outros discos, e o sucesso foi aumentando. Entre as canções emblemáticas, Meu Mundo Caiu, Agonia, Tarde TristeFelicidade Infeliz, Pedaços de Saudade, além de uma magistral versão de Ne Me Quitte Pas. Mas ela se incomodava com a marcação cerrada da imprensa. Como constata a biografia Maysa – Numa Só Multidão de Amores, de Lira Neto, não houve um só dia de 1958 em que não saiu nada sobre a cantora em jornais paulistas e cariocas. Além da carreira em boates do Rio, Maysa começou a se apresentar no exterior, a comandar programas de tevê, a participar de filmes como atriz. Tamanha pressão fez com que bebesse cada dia mais. Também costumava tomar remédios para emagrecer, que lhe pioravam o humor. Mais tarde, admitiria que aquela fora uma das fases mais turbulentas de sua vida.


Ronaldo Bôscoli
e Maysa
As músicas eram uma saída para desvelar sua personalidade melancólica. “Minhas composições sempre refletiram meu estado de alma, minha tristeza e solidão. Nunca consegui compor nada alegre”, confessou ela, autora de mais de 50 canções. Para Manuel Bandeira, seus grandes olhos verdes eram “dois oceanos não pacíficos”. Os relacionamentos amorosos tinham a mesma intensidade da carreira de Maysa. Uma de suas grandes paixões foi o então jornalista Ronaldo Bôscoli, que conheceu em 1961. Até mudou o repertório para gravar um disco só de bossas dele e de Roberto Menescal. Os dois seguiram juntos para uma turnê em Buenos Aires, mesmo com Bôscoli mantendo um relacionamento sério com Nara Leão. O clima foi apaixonado, mas também houve brigas homéricas em restaurantes e hotéis. Na volta, Bôscoli estava decidido a ficar só com Nara. Mas não esperava que Maysa fosse capaz de fazer tudo por amor. Ainda no aeroporto do Galeão, convocou a imprensa e disparou: “Quero anunciar que vou me casar com Ronaldo Bôscoli”. O sujeito não soube o que fazer. Nara, sim, e o relacionamento acabou para sempre. A história de Bôscoli com Maysa, porém, se manteria, entre indas e vindas, durante mais alguns anos, mesmo após ela se casar com o espanhol Miguel Azanza. Quando descobriu que o jornalista compositor iria se casar com Elis Regina, Maysa encontrou a cantora num bar e esbravejou: “Gauchinha, você não canta porra nenhuma”, e quase acertou-a com uma garrafa de uísque. Mais tarde, afirmou: “A Elis é a melhor cantora do Brasil”.

“Sou uma mulher só”

Já saturada de apresentações e sentindo que o momento era de músicas diferentes, Maysa decidiu passar uma temporada na Espanha. Voltou em 1969, quando fez um antológico show no Canecão. O público exigiu que ela retornasse oito vezes ao palco. A revista Visão escreveu, na semana seguinte: “Quando sua voz quente, rouca, inapelável se estendeu, abraçando o Canecão inteiro, houve o silêncio. Nem um som, nem o menor ruído, nem o gelo de milhares de copos ousavam sequer tilintar”. Depois que separou-se de Miguel, conheceu o ator Carlos Alberto, com quem se casaria mais uma vez. O casal foi viver em Maricá, cidade em que Maysa ficaria até o fim da vida. O casamento lhe fez beber menos, e sua alegria lhe traria de volta a beleza arrebatadora. Também voltou a gravar discos e a participar de novelas. Mas a relação aos poucos foi se desgastando, até a separação, em 1975. A melancolia e o medo da solidão voltavam a assombrá-la.

Acidente que matou Maysa
Ponte Rio-Niterói

No comecinho de 1977, recebeu a notícia de que seria avó. Encheu-se de alegria pela novidade, mas continuava triste com todas as outras coisas da vida. Para piorar, os remédios que tomava para emagrecer não a deixavam dormir há dias. Entrou em sua Brasília e seguiu do Rio para Maricá. Mas não conseguiu completar a travessia da ponte Rio-Niterói. O acidente, em 22 de janeiro de 1977, abreviava a vida de uma das personalidades mais singulares da música brasileira. No seu diário, uma das últimas anotações foi: “Tenho 40 anos. 20 de carreira. Sou uma mulher só. O que dirá o futuro?”.

SAIBA MAIS

Maysa, de José Roberto Santos Neves (Mauad, 2008). Caixa de DVDs da minissérie Maysa – Quando Fala o Coração (2009), dirigida por Jayme Monjardim.

Republicado do site: http://www.novo.almanaquebrasil.com.br/categoria/ilustres-brasileiros/


Almanaque Brasil
Adendo

Meu Mundo Caiu

Composição: Maysa

Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim

Não sei se me explico bem
Eu nada pedi
Nem a você nem a ninguém
Não fui eu que caí

Sei que você me entendeu
Sei também que não vai se importar
Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar


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