Aracaju/Se,

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Mata Escura - Conclusão


Isto é história
Mata Escura - Conclusão
Acrísio Torres



Eles, os abastados, utilizam o dinheiro para satisfação de seus sentimentos delituosos. Todo acolhimento era dado aos matadores. Todavia, presos os autores materiais de seus crimes, sem demora os abandonavam. – E o que me resta? – perguntou a si mesmo o bandido. Restava a Mata Escura morrer no patíbulo. No entanto, desejara ter tido o destino de suas vítimas. Ter terminado sua vida terrena como havia matado, e não porque havia matado. A lei de seus semelhantes o punia com a morte na forca. Mas, nessa punição não podia compreender que se achava com o Crucificado. Eram diferentes as condições. Discordava do reverendo Aires da Mata. Não podia conceber que o Crucificado, da cruz, o estivesse chamando e lhe oferecendo sangue e água para lavar as suas culpas, os seus crimes.

Punha em dúvida o sagrado ministro do Senhor, que o confessara e absolvera de seus crimes. Matar e ser absolvido pelo Alto. Não concebia essas duas realidades entremeadas pela morte legal aplicada pelos seus semelhantes. Não devia esperar confiantemente a misericórdia de Deus, como assegurara o reverendo Aires da Mata. E, separada a alma do criminoso corpo, ir gozar da bem-aventurança eterna. Separada a alma... A reticência livrou de Mata Escura o rude metafísico, e seu pensamento se fixou na terra. Tinha a face serena. Lembrava a de um homem que, na proximidade do fim, despedia-se dos parentes, dos cúmplices. Um doloroso adeus ao pai, à mãe, aos irmãos, para sempre. Também aos cúmplices. Nos seus olhos pareciam ler-se uma serena advertência aos que eram espectadores de sua morte na forca.

- Olhem para o meu fim! Não podiam entendê-lo. Talvez mesmo, no fundo d’alma, lamentassem o réu e condenassem a lei que o eliminava na forca. É possível que, segundo Sykes, os criminosos expressem mesmo os nossos impulsos sufocados. Havia chegado a hora do sacrifício de Mata Escura. Deixou o condenado a cadeia de Itabaiana escoltado por dois guardas, percorrendo as ruas até o cadafalso. Tinha a face serena. Chegado ao local, de joelhos, depois de receber as últimas consolações e absolvição final, subiu os degraus do patíbulo. Disse que queria falar ao povo. Desejava manifestar os seus crimes. Foi dada a permissão pelo juiz de execução. Pediu um copo de vinho, bebeu e pronunciou palavras memoráveis. Tinha a voz pausada, mas firme e clara. – Meus irmãos, vejam a minha desgraça!

Exortava a todos que o tomassem como um triste exemplo, a fim de que não caíssem onde ele havia caído. Naquele momento parecia acreditar que ninguém mais cometeria crimes. Estranho, insondáveis os sentimentos de muitos criminosos nos últimos minutos de vida. Pode ser que suas advertências decorram de fundos anseios, porque existe egoísmo mesmo no matar. Talvez influa a certeza de um juízo final. Lembrara-se de Deus, e por seu amor pediu que não matassem para que não morressem como ele ia morrer. Mas, de repente, assumiu uma brusca atitude. – Os ricos foram a causa do meu fim! Esperava que nenhum pobre mais haveria de cometer os males que os poderosos ordenassem, pelo poder do dinheiro. Haviam-no levado àquela condição, e na sua desgraça o abandonaram.

Houve uma ligeira pausa. Pesado e lúgubre silêncio envolvia a multidão na tarde fria. Depois, Mata Escura começou a confessar os seus crimes. Ninguém devia ser culpado da morte do filho de Tobias do Socorro, proprietário de salinas. Foram ele e... Não revelou o nome do cúmplice. A ninguém se devia culpar de um tiro em Estácio Furtado, senhor de engenho em Capela. Era ele o culpado e não o irmão da vítima, que se achava preso inocentemente. Também fora ele o autor do tiro fatal dado em Manoel Florêncio, feitor do sítio Bonfim, em Divina Pastora. Nova pausa. Na face do condenado retornava a decisão de acusar os poderosos. – As mortes que ma mandaram cometer... Interveio o reverendo Ayres da Mata, que havia acompanhado Mata Escura ao patíbulo.

– Filho, não perca a sua alma, disse-lhe o sacerdote. O condenado calou. Nada mais podia manifestar sem revelar o nome dos autores intelectuais de seus crimes. Talvez fosse melhor morrer sem acusar, nem a esses. Não devia perder a alma, insistia o sacerdote. Nada mais disse Mata Escura. Entregou-se às mãos do carrasco. No entanto, por lembrança dele próprio, desejou lançar-se por si mesmo da forca. – Filho, não faça isso! – Gritou o reverendo. Para o velho sacerdote Aires da Mata era cometer mais um crime, um suicídio. Perderia a sua alma, advertira o assistente religioso. Deteve-se o condenado. Devia deixar o algoz cumprir o seu oficio, ao que Mata Escura se resignou, e pagou com a vida todos os seus crimes. Negra noite envolveu o horrível cenário.

(*) - Do livro Sergipe/Crimes Políticos I, Cenas da vida sergipana 2, autoria de Acrísio Torres, Thesaurus Editora, prefácio do jornalista Orlando Dantas, páginas 86 e 87.

- Chegamos ao final da obra do professor Acrísio Torres, membro da Academia Sergipana de Letras. Ele é autor das seguintes obras: História de Sergipe, 2ª. Edição (1967); Geografia de Sergipe, 1ª. Edição (1970); Literatura Sergipana, 2ª. Edição (1974); Minha Terra, Minha Gente, 1ª. Série, 1º grau; Aracaju, Minha Capital, 2ª. Série, 1º grau; História de Sergipe, 3ª. Série, 1º grau; Geografia de Sergipe, 3ª. Série, 1º grau; Sergipe e o Brasil, 4ª. Série, 1º grau; Leituras Sergipanas, 1ª. Série, 1º grau; Leituras Sergipanas, 2ª. Série, 1º grau; Leituras Sergipanas, 3ª. Série, 1º grau; Leituras Sergipanas, 4ª. Série, 1º grau; Virgínio de Sant’Anna, (1967); O Secretário de Guilherme Campos (1968); Graccho Cardoso (1973); Zózimo Lima (1973); Augusto Leite (1974); Os amores de Pedro II em Sergipe (1981); Cátedra e Política (1988) e Imprensa em Sergipe, I (1993).

- A próxima e última postagem do livro será feita no dia 8 de março de 2011, oportunidade em que estaremos apresentando o prefacio da obra, de autoria do jornalista Orlando Dantas, onde ele traça o perfil do autor e manifesta a sua discordância em relação ao momento do crime de Fausto Cardoso. Orlando Dantas foi proprietário do jornal Gazeta Socialista, mais tarde transformada em Gazeta de Sergipe, um dos jornais que fez história na imprensa de Sergipe.

Um comentário:

  1. Dr. Cloves, bom dia e muito prazer!

    Sou Adeval Marques, Canindé e Propriá, e acompanho ao seu, Vosso, blog há algum tempo. A maneira como o senhor escreve e discorre sobre o assunto, além, é claro, dos temas abordados é o que mim faz passar por aqui e tomar o "cafezinho cultural" que senhor nos oferece. De já e logo, parabéns!

    Gostaria de colocar um link do seu blog em nosso espaço: www.revistacaninde.blogspot.com

    Lá é o blog diversificado e tem a intenção de informar e levar assuntos de reflexão para a sociedade.

    Estou escrevendo algumas biografias de algumas pessoas, antigos, de Canindé e da cidade de Propriá a título de Hercílio Britto, Dona Marinhinha, Seu Daniel entre outros, além de escrever sobre o assunto das antigas Canos de Tolda que navegavam de Brejo Grande à cidade Piranhas, não sei se é do Vosso conhecimento.

    Bem... Parabéns e aguardo.

    adevmarques@gmail.com

    Abraços,

    Adeval Marques

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