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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Maysa - Viver, sofrer e amar demais

Grandes personalidades

Maysa
Viver, sofrer e amar demais
Escrito por Bruno Hoffmann

Ela abandonou o lar – num tempo em que isso era um escândalo – para seguir o sonho de ser cantora. Tornou-se dona de um dos repertórios mais melancólicos da música brasileira, interpretado com uma voz grave que virou sinônimo de dor de cotovelo. “Minhas músicas refletiram meu estado de alma, minha tristeza e solidão. Nunca consegui compor nada alegre.”


Catedral da Sé, em São Paulo, estava cheia de pompa naquela tarde de janeiro de 1955. A família Monjardim, uma das mais importantes do Espírito Santo, dava a mão de uma jovem de 17 anos a André Matarazzo, sobrinho do conde Francesco Matarazzo, um dos homens mais ricos do Brasil. A moça entrou na igreja com um vestido de cetim italiano branco, adornado por pérolas, e foi clicada por ávidos fotógrafos de colunas sociais. Era o enredo de um conto de fadas para boa parte das moças da época. Porém, mais tarde, todos descobririam que Maysa Figueira Monjardim era diferente. Logo depois romperia o casamento, se lançaria como uma das cantoras mais singulares do Brasil, encantaria multidões e seria vítima de desamores e angústias sem fim. A mulher dos enormes e profundos olhos verdes seguiria sua trajetória, como diz a música de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, famosa em sua voz, para “viver, sofrer e amar demais”.

Mayza e André Matarazzo

Nascida em berço de ouro, desde cedo Maysa surpreendia quem se acercava, por seu jeito sincero e corajoso. Na adolescência, era arteira e namoradeira, mas também apresentava tendências à depressão. Nessa época, já tirava algumas notas ao piano. A primeira composição, com apenas 12 anos, revelava seu estado de espírito não muito otimista. Era Adeus, que mais tarde gravou em disco. O namoro com André Matarazzo começou quando tinha apenas 15 anos. Ele era bem mais velho – tinha pouco mais do dobro de sua idade. Depois do casamento, a vida do casal começou a ficar cada dia mais atribulada. Ela queria levar à frente a carreira de cantora. Ele não gostava nada da idéia. Até que um produtor a ouviu cantar numa festa caseira e se encantou com sua voz rouca e sedutora. Insistiu para que gravasse um disco. O marido cedeu, mas exigiu que a capa não trouxesse seu sobrenome e nem a foto da cantora. Assim foi, mas o disco logo começou a fazer sucesso e o casamento a ruir, até Maysa ir para o Rio e confidenciar ao pai: “Não volto mais”. Ser dondoca não era seu projeto. Com o André, teve seu único filho, o hoje diretor da Globo Jayme Monjardim.

Nasce a cantora

Jayme Monjardim
No Rio de Janeiro, Maysa passou a apresentar-se em boates, entoando composições próprias. Era raro mulher compor à época. Logo gravaria outros discos, e o sucesso foi aumentando. Entre as canções emblemáticas, Meu Mundo Caiu, Agonia, Tarde TristeFelicidade Infeliz, Pedaços de Saudade, além de uma magistral versão de Ne Me Quitte Pas. Mas ela se incomodava com a marcação cerrada da imprensa. Como constata a biografia Maysa – Numa Só Multidão de Amores, de Lira Neto, não houve um só dia de 1958 em que não saiu nada sobre a cantora em jornais paulistas e cariocas. Além da carreira em boates do Rio, Maysa começou a se apresentar no exterior, a comandar programas de tevê, a participar de filmes como atriz. Tamanha pressão fez com que bebesse cada dia mais. Também costumava tomar remédios para emagrecer, que lhe pioravam o humor. Mais tarde, admitiria que aquela fora uma das fases mais turbulentas de sua vida.


Ronaldo Bôscoli
e Maysa
As músicas eram uma saída para desvelar sua personalidade melancólica. “Minhas composições sempre refletiram meu estado de alma, minha tristeza e solidão. Nunca consegui compor nada alegre”, confessou ela, autora de mais de 50 canções. Para Manuel Bandeira, seus grandes olhos verdes eram “dois oceanos não pacíficos”. Os relacionamentos amorosos tinham a mesma intensidade da carreira de Maysa. Uma de suas grandes paixões foi o então jornalista Ronaldo Bôscoli, que conheceu em 1961. Até mudou o repertório para gravar um disco só de bossas dele e de Roberto Menescal. Os dois seguiram juntos para uma turnê em Buenos Aires, mesmo com Bôscoli mantendo um relacionamento sério com Nara Leão. O clima foi apaixonado, mas também houve brigas homéricas em restaurantes e hotéis. Na volta, Bôscoli estava decidido a ficar só com Nara. Mas não esperava que Maysa fosse capaz de fazer tudo por amor. Ainda no aeroporto do Galeão, convocou a imprensa e disparou: “Quero anunciar que vou me casar com Ronaldo Bôscoli”. O sujeito não soube o que fazer. Nara, sim, e o relacionamento acabou para sempre. A história de Bôscoli com Maysa, porém, se manteria, entre indas e vindas, durante mais alguns anos, mesmo após ela se casar com o espanhol Miguel Azanza. Quando descobriu que o jornalista compositor iria se casar com Elis Regina, Maysa encontrou a cantora num bar e esbravejou: “Gauchinha, você não canta porra nenhuma”, e quase acertou-a com uma garrafa de uísque. Mais tarde, afirmou: “A Elis é a melhor cantora do Brasil”.

“Sou uma mulher só”

Já saturada de apresentações e sentindo que o momento era de músicas diferentes, Maysa decidiu passar uma temporada na Espanha. Voltou em 1969, quando fez um antológico show no Canecão. O público exigiu que ela retornasse oito vezes ao palco. A revista Visão escreveu, na semana seguinte: “Quando sua voz quente, rouca, inapelável se estendeu, abraçando o Canecão inteiro, houve o silêncio. Nem um som, nem o menor ruído, nem o gelo de milhares de copos ousavam sequer tilintar”. Depois que separou-se de Miguel, conheceu o ator Carlos Alberto, com quem se casaria mais uma vez. O casal foi viver em Maricá, cidade em que Maysa ficaria até o fim da vida. O casamento lhe fez beber menos, e sua alegria lhe traria de volta a beleza arrebatadora. Também voltou a gravar discos e a participar de novelas. Mas a relação aos poucos foi se desgastando, até a separação, em 1975. A melancolia e o medo da solidão voltavam a assombrá-la.

Acidente que matou Maysa
Ponte Rio-Niterói

No comecinho de 1977, recebeu a notícia de que seria avó. Encheu-se de alegria pela novidade, mas continuava triste com todas as outras coisas da vida. Para piorar, os remédios que tomava para emagrecer não a deixavam dormir há dias. Entrou em sua Brasília e seguiu do Rio para Maricá. Mas não conseguiu completar a travessia da ponte Rio-Niterói. O acidente, em 22 de janeiro de 1977, abreviava a vida de uma das personalidades mais singulares da música brasileira. No seu diário, uma das últimas anotações foi: “Tenho 40 anos. 20 de carreira. Sou uma mulher só. O que dirá o futuro?”.

SAIBA MAIS

Maysa, de José Roberto Santos Neves (Mauad, 2008). Caixa de DVDs da minissérie Maysa – Quando Fala o Coração (2009), dirigida por Jayme Monjardim.

Republicado do site: http://www.novo.almanaquebrasil.com.br/categoria/ilustres-brasileiros/


Almanaque Brasil
Adendo

Meu Mundo Caiu

Composição: Maysa

Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim

Não sei se me explico bem
Eu nada pedi
Nem a você nem a ninguém
Não fui eu que caí

Sei que você me entendeu
Sei também que não vai se importar
Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar


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