Aracaju/Se,

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A Ordem do Discurso II

Artigo pessoal

A ORDEM DO DISCURSO (II)
Clóvis Barbosa

Bruce Stone

Joseph Jabbra

Diante disso, a carta de recomendação de um político comportará mensagens de realismo e propostas de felicidade. A mensagem de realismo tem premissas. Todas elas trafegam pela noção que o gestor público deve ter da accountability. Segundo os professores Bruce Stone e Joseph Jabbra, as mais consistentes modalidades de accountability são a administrativa e a política. O termo accountability não possui, no vernáculo, expressão correspondente. Uma tradução livre apontaria para a idéia de prestação de contas e de enquadramento da vontade pessoal do gestor ao querer abstrato da lei. A propósito da compreensão do instituto da accountability, vem a calhar episódio dado em abril de 1893, quando o então presidente da república, Floriano Peixoto, ordenou ao ministro Limpo de Abreu que o estado pagasse um conto de réis ao irmão de Deodoro da Fonseca, Pedro Paulino da Fonseca.

Min. Limpo de Abreu

V - ORIENTAR PARA NÃO SER NECESSÁRIO PUNIR. Como não havia dotação para a despesa, o tribunal de contas glosou a determinação de Floriano. Colérico, ele declarou que tal fato só poderia ter saído da cabeça de Serzedello Corrêa, que criara um tribunal que estava acima do chefe do executivo. Ao tomar conhecimento do disparate, Serzedello mandou dizer a Floriano que o tribunal de contas não lhe seria superior quando ele agisse conforme a lei. Mas, ali onde se quisesse tripudiar as leis da república, o tribunal seria superior a qualquer um. Possesso, Floriano mandou reformar o tribunal de contas, ato que fez com que Serzedello Corrêa, então ministro da fazenda, pedisse exoneração. Floriano teve que recuar. Mas a parte da história que interessa neste instante é exatamente essa: a precisa noção que Serzedello possuía da accountability: nada, num estado democrático, pode vir à tona ao arrepio das leis legitimamente postas pelo parlamento.

Floriano Peixoto

A accountability, nesse episódio, foi agraciada com as cores das limitações pecuniárias impostas pelo legislativo. Se o parlamento não autorizou o gasto, não haverá gasto. O que for além disso é despotismo, macula a legalidade, emascula a moralidade e defenestra a eficiência das ações públicas. Ainda assim, o tribunal de contas, nos idos de 1893, não tencionou punir a ilegalidade perpetrada pelo presidente da república. Ele foi pedagógico. A corte, inspirada no espírito de cidadania que afluía da alma de seu idealizador, Serzedello Corrêa, procurou orientar o chefe de estado, como que dizendo: “o caminho é encontrar o beneplácito do legislativo”. Mas a brutalidade de Floriano não lhe deixou agir consoante padrões de razoabilidade. Ele não era realista. Se fosse, ajustaria as velas. O realismo ao qual precisa dar vazão a accountability é exatamente esse: orientar para não ser necessário punir.
 
Thomas Hobbes

VI - A PRAÇA É DO POVO, ASSIM COMO O CÉU É DO CONDOR. Sendo órgão auxiliar do parlamento, o tribunal de contas precisa alçar vôos estratégicos em direção à filosofia pluralista sedimentada com o advento da constituição libertária de 1988. É conseqüência natural de uma nação heterogênea, marcada pela necessária diferença entre os elementos étnicos e sociais que a compõem, a formação de um pensamento franqueado à abertura ideológica. Thomas Hobbes leciona que a única coisa igual entre os homens é que todos eles são diferentes. Por isso, uma corte de contas, ao fazer valer a accountability, precisa levar em consideração tal disparidade. Nem todos os políticos são advogados, ou contadores, ou economistas. Muitos não tiveram a efetiva oportunidade de saborear os manuais científicos que ditam regras nas academias de ciência. E, honestamente, os políticos não devem ser doutores da lei, mas mestres da lógica e do bom-senso.
 
 
Poeta Castro Alves

Contudo, é imprescindível mais bom-senso. Embora os julgamentos do TC zelem pela dogmática, eles também orientam-se pelo primado da ponderação. É que o parlamento não decide como o judiciário. Casas políticas prolatam julgamentos políticos. Daí, a essência do TC: equilibrar ideologias, dando substrato técnico aos arestos que nascerão no anfiteatro popular. O racional, no TC, funde-se ao sensível, ajustando as velas do barco ao vento da realidade cotejada. Por quê? Porque as massas elegeram líderes que representam suas fantasias e sonhos. Não cabe ao julgador de contas inviabilizar políticas gerenciais, ainda que não as melhores (de um ponto-de-vista técnico), se elas não rompem com a moralidade. Tão preeminente como saber se a principiologia normativa foi atingida é aferir se a opção do gestor trouxe felicidade à plebe. Afinal, “a praça é do povo, assim como o céu é do condor”.

Tertuliano
VII - A LIBERDADE DOS HOMENS E DOS PÁSSAROS. Mas quem é o povo? Que melodia transborda do pulsar que o coração das massas entoa? Não é difícil achar respostas para essas perguntas. Não é necessário recorrer ao teólogo Tertuliano, que professava ser o absurdo o alicerce da crença e da fé: “creio porque é absurdo”. Não. Creio porque é real. A vontade do povo é real. E ela vem à tona quando um chefe de estado se vê ungido pela pia batismal do voto. Irreal, por outro lado, é querer atribuir vontade soberana a um fragmento das massas. É querer dar sopro de vida à patifaria e à arrogância que acreditam poder espatifar o sonho plebeu de ver sua geração a ditar os rumos de um governo, já que foi essa a geração que conseguiu tomar democraticamente o poder. Todo poder emana do povo. E o povo, cujo sangue se espalha pela praça festejada nos versos de Castro Alves, dá tonalidade e vitalidade ao discurso de quem foi por ele coroado e entronizado.
 
Ari Folman

Não é, por exemplo, o concurso público quem outorga poder. Não é a origem oligárquica quem o consolida. Quem sedimenta o poder (o verdadeiro poder) é a voz humana que se confunde com as asas dos pássaros. Conseguir ser ouvido atribui tanta ou mais liberdade do que ter o dom de voar. Hoje, a geração – que uma corja de assassinos tentou calar com baionetas – faz ecoar seu grito de liberdade, como quem sobrevoa muralhas. Não há vida num governo de baionetas. E não há vida por uma razão: as massas não amam quem ascendeu, não porque teve asas, mas porque as pisoteou. A liberdade que o povo clama é aquela que se congrega à profecia que o cineasta judeu Ari Folman externou em “Valsa com Bashir”: ninguém escapa de si ou de sua geração. A geração das baionetas morreu. E, com o seu sepultamento, abriram-se as portas para que a minha geração, a geração que lutou pela liberdade, pudesse voar.
 
Min. Vitor Nunes Leal

VIII - A GERAÇÃO DO OLIMPO. Por isso, embora seja Clóvis Barbosa quem, hoje, toma assento nesta corte de contas, quem de fato se empossa no cargo de conselheiro é uma geração de liberdade que já está no Olimpo: (01) Antônio Jacinto Filho (advogado), (02) Carivaldo Lima (ferroviário), (03) Clóvis Marques (gráfico baiano), (04) Gervásio, o Careca (jornaleiro), (05) Gilberto BURGUESIA (servidor público), (06) Gonçalo Rollemberg Leite (professor), (07) Jackson Sá Figueiredo (advogado), (08) João Cardoso Nascimento Jr. (professor e ex-reitor da UFS), (09) João Santana Sobrinho (advogado), (10) José Rosa de Oliveira Neto (jornalista e advogado), (11) Mário Jorge Vieira (poeta), (12) Osman Hora Fontes (procurador da república), (13) Paulo Barbosa (jornalista), (14) Pedro Hilário (ferroviário), (15) Professor Diomedes, (16) Silvério Leite Fontes (professor), (17) Tonico ALFAIATE, (18) Vítor Nunes Leal (ministro do STF, cassado pela ditadura) .

Por causa dessa geração – a geração que me credenciou a amar intensamente a liberdade – é que hoje, 29 de maio, coincidentemente dia em que nasceu o poeta italiano Dante Alighieri, todos nós podemos repetir os versos da Divina Comédia: “cuida da liberdade com a sabedoria de quem sabe que a liberdade é mais importante do que a própria vida” .

(*) - Os nomes estão ordenados alfabeticamente.
(**) Canto I do purgatório. Tradução livre dos versos 71 e 72: “libertà va cercando, ch'è sì cara, come sa chi per lei vita rifiuta”.
(***) Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de terça-feira, 9 de unho de 2009, Caderno B, página 6.

Curiosidade
Sobre o Ministro da Fazenda Serzedelo Corrêa

Serzedello Corrêa

INOCÊNCIO SERZEDELO CORRÊAnasceu em Belém do Pará em 16.06.1858 e faleceu no Rio de Janeiro/RJ - 05.06.1932. Ingressou na Escola Militar onde concluiu o Curso de Estado-Maior de Primeira Classe. Nomeado Governador do Paraná ocupou as pastas das Relações Exteriores e da Indústria Viação e Obras Públicas. Em 1892 assumiu a pasta da Fazenda e em sua administração destacaram-se: fusão dos Bancos da República e do Brasil sob a denominação de Banco da República do Brasil autorizando-o a emitir bônus ao portador; instalação do tribunal de Contas; criação da Bolsa de Valores; implantação no Ministério da Fazenda da primeira reforma administrativa da República. Foi Ministro Interino da Justiça e da Justiça e da Agricultura (1892). Administrou o Rio de Janeiro como Prefeito por duas vezes. Reformou-se no posto de General-de-Brigada (1910).


Na sua bibliografia destaca-se o seguinte:
- Relatório. Rio de Janeiro imprensa Nacional 1893.
- 0 problema econômico no Brasil em 1903. Rio de Janeiro Imprensa Nacional 1903.
- Discurso sobre a Caixa de Conversão. Rio de Janeiro 1906.

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