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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Zuzu Angel, quem é essa Mulher?

Grandes Brasileiros

ZUZU ANGEL
Quem é essa mulher?
Natália Pesciotta

Foi por necessidade que ela começou a costurar, mas  fez da  profissão arte  e manifesto. Pioneira, Zuzu Angel inseriu o Brasil na moda, e a moda do Brasil no exterior. Soube domar tanto a beleza ingênua quanto a estética conceitual. Se o assunto for moda como linguagem, é ícone maior. Que mensagens podem ser maiores do que o assombro e a morte?  

Estilista Zuzu Angel
A passarela mais importante do País foi coberta por nuvens e, pairando no ar, bonecos fúnebres compunham o cenário. Não, não se trata de desfile assinado por Zuzu Angel. A criação de Ronaldo Fraga na São Paulo Fashion Week de 2001, no entanto, só existiu porque décadas antes essa mulher tinha inventado a moda de contestação. O trabalho levava nome sugestivo: “Quem Matou Zuzu Angel?”. Uma homenagem à pioneira. “Ela foi a primeira em buscar a identidade da moda brasileira, a falar de Brasil sem trajes típicos, a acreditar no poder panfletário da moda”, listou o estilista, mineiro como ela. Zuzu nasceu em Curvelo, 1923. Passou a juventude com os tios em Belo Horizonte e lá conheceu o norte-americano Norman Angel Jones, que trabalhava como caixeiro-viajante. O casal viveu um tempo em Salvador, onde teve três filhos: Stuart, Hildegard e Ana Cristina. Depois mudaram-se para a capital carioca, que veria nascer a marca Zuzu Angel.

Zuzu Angel

A cara do Brasil

A estilista – ou figurinista, como se dizia na época – declarou ao New York Times, em 1975: “Acham que moda é futilidade. Eu tento dizer que moda é comunicação, além de garantir emprego para muita gente”. A referência ao lado econômico revela sua própria história. Entrou no mundo dos panos e linhas para sustentar a família. Desquitada do marido, quase um palavrão nos anos 1950, passou a costurar para fora, incansavelmente.Com criatividade e ousadia, bolava roupas de identidade própria. Descobriu que os figurinos tinham algo a dizer. Montou uma equipe e uma loja, mas nunca deixou de ser costureira. E não se restringia a modelos magérrimas, como os ateliês tradicionais. Seu trabalho também não era privilégio de poucos, costume dos escassos nomes da moda nacional daqueles tempos: Clodovil e Denner.Numa realidade em que bonito era o que vinha de fora, Zuzu lançou coleções baseadas na mulher rendeira, em Maria Bonita, Carmen Miranda. Levou para a butique elementos tipicamente nacionais, antes considerados démodé: rendas e bordados nordestinos, chita, madeira, conchas e, para as roupas mais sofisticadas, pedras. Sem falar nas estampas sempre repletas de brasilidade.


Stuart Angel
Outra imensidão

O estilo fez sucesso aqui e nos Estados Unidos, tanto em desfiles quanto nas vendas. Foi parar em grandes lojas de departamento nova-iorquinas. Tendo como logotipo um anjinho, a carreira de Zuzu deslanchava. Foi então que um turbilhão mudou sua vida e, consequentemente, sua obra. Estava acostumada a traduzir imensidão em roupas. Só que, no lugar de um país, passaria a retratar a morte e a dor. O filho Stuart Angel, militante político, entrou para a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) aos 19 anos. Conheceu Carlos Lamarca no movimento comunista e era homem de sua confiança. Os dois integraram depois outro grupo armado, o MR8, e Stuart – codinome Paulo – vivia na ilegalidade, tendo pouco contato com a mãe. Em 1971 um telefonema anônimo avisou que ele tinha sido preso. Zuzu procurou o responsável por cada Força Armada, e nenhum assumiu ter detido Stuart. Pouco tempo depois, a carta de um companheiro de prisão política narrou os requintes de crueldade com que ele fora brutalmente assassinado. A mãe não podia publicar nem anúncio fúnebre. O nome do rapaz estava proibido de sair na imprensa.

Esse lamento


A arte de Zuzu 
 Zuzu não se conforma. Seu drama pessoal era o mesmo de tantas outras famílias que não tinham ao menos o direito de enterrar os entes assassinados. Dedica o resto da vida a denunciar o que acontecia nos porões da ditadura. Procura autoridades, firma contato com a Anistia Internacional. Escreve incontáveis cartas para artistas, deputados, pessoas influentes. E usa seu trabalho como arma. A marca do anjo vira uma espécie de símbolo contra o governo militar. De luto, passa a usar um colar com um anjo rodeado de flores. Na cintura, muitas cruzes, medalhas e patuás. A nova coleção trazia estampas bélicas, crucifixos e quepes. Organiza um desfile-protesto: vestidos brancos com desenhos do sol atrás das grades, canhões, anjos amordaçados. Para não desrespeitar a lei que proibia falar mal do Brasil no exterior, o evento se deu na casa do cônsul-geral do Brasil nos Estados Unidos, considerada território brasileiro. A dedicação ao assunto leva a estilista a um marco conceitual na história da moda. Por outro lado, acaba encerrando cedo uma carreira promissora.Quando descobriu que estava sendo seguida e passou a ser ameaçada, preparou uma declaração: “Se eu aparecer morta por acidente, assalto ou outro meio, terá sido pelos mesmos assassinos do meu filho”.

Túnel Zuzu Angel no Rio de Janeiro

Logo depois, em 14 de abril de 1976, morre em um estranho acidente de carro no túnel que hoje leva seu nome, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, Chico Buarque, em parceria com Miltinho, compõe Angélica: Quem é essa mulher / Que canta sempre o mesmo arranjo / Só queria agasalhar meu anjo / E deixar seu corpo descansar.


Patrícia Pilar, que interpreta Zuzu no filme de
Sérgio Rezende
SAIBA MAIS
Zuzu Angel, filme de Sérgio Rezende (2006).
Ouça a música Angélica, de Miltinho e Chico Buarque


Jornalista Natália Pesciotta
Autora da matéria
 
Matéria publicada no site http://www.almanaquebrasil.com.br/ilustres-brasileiros/zuzu-angel/

Almanaque Brasil

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