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Tratado sobre a tolerância
Autor – Voltaire
Tradução de William Lagos
Editora – L&PM
Contra-Capa Um clamor contra a injustiça e a intolerância
Na França, nas décadas anteriores à Revolução Francesa, Jean Calas, um comerciário protestante da cidade de Toulouse, foi acusado de assassinar o filho, que queria se converter ao catolicismo. A sentença foi a pena de morte, e a execução – no suplício da roda, sob tortura – ocorreu em 1762. Voltaire, convencido da inocência do condenado, denunciou a injustiça e escreveu Tratado sobre a tolerância, texto com o qual iniciou uma campanha para sua reabilitação. O caso ganhou proporções enormes, transformando-se numa triste metáfora dos conflitos religiosos que há séculos grassavam no país. Devido à repercussão deste libelo, em 1765, Jean Calas foi postumamente inocentado.
Com uma ironia ferina e seu estilo inimitável, o filósofo iluminista faz um apelo em prol do respeito aos credos e da liberdade religiosa. Escrito em 1763, Tratado sobre a tolerância revela-se, hoje, dois séculos e meio depois, uma reflexão atualíssima sobre o sistema judiciário, sobre a responsabilidade dos juízes e sobre os efeitos perversos que as leis podem ter.
O autor
Nascido em Paris, a 21 de novembro de 1694, François-Marie Arouet foi o quinto filho de um tabelião. Após a morte de sua mãe, o jovem Arouet, criança brilhante e lúcida, foi matriculado para estudar com os jesuítas no Colégio Louis-le-Grand. A partir de 1712, passou a freqüentar os salões literários e recusou-se a seguir a carreira jurídica que seu pai queria impor-lhe: o que desejava era escrever e foi então que redigiu alguns dísticos desabonatórios ao Regente, cujo resultado foi primeiro seu afastamento de Paris e depois a prisão por um ano na Bastilha. Depois disso, tornou-se famoso por uma tragédia, Édipo, cuja encenação alcançou grande sucesso em 1718. Foi nesse mesmo ano que decidiu trocar de nome e tornou-se Voltaire. Ele passou a ser o favorito da melhor sociedade, e a jovem rainha, Marie Leszczy Ska, abriu-lhe as portas da Corte Real. Porém, ele ridicularizou o cavaleiro de Rohan, que mandou espancá-lo, prendeu-o novamente na Bastilha e depois determinou seu exílio na Inglaterra. Lá ele permaneceu durante vários anos, familiarizando-se não só com “os encantos” do comércio inglês, mas também com sua efervescência política, social e econômica. De volta a Paris, começou a escrever comédias e tragédias, marcadas pelas influencias de Shakespeare. Foi então que conheceu Émilie Du Châtelet, uma jovem liberada, filósofa e geômetra. Sua ligação durou quinze anos.
Entre 1733 e 1734, ele publicou as Cartas sobre os Ingleses ou Cartas Filosóficas, que provocaram um imenso escândalo. Nelas, sustentava que a grandeza da Inglaterra devia-se ao fato de que lá todos trabalhavam, que nada se recusava ao talento e que o sistema parlamentar tornava impossíveis as arbitrariedades pelo fato de dividir os poderes entre o soberano e o povo. O Parlement francês condenou essa obra como sendo “adequada a inspirar a libertinagem mais perigosa para a religião e para a ordem da sociedade civil”. Voltaire fugiu para a província da Lorena a fim de evitar ser aprisionado outra vez na Bastilha. Ao retornar, refugiou-se em casa de Madame Du Châtelet, em Cirey, onde levou uma existência simultaneamente mundana e dedicada aos estudos. A publicação de um poema cheio de verve, O Mundano, o forçou a exilar-se durante algum tempo na Holanda. Nessa mesma época, iniciou uma correspondência assídua com o rei Frederico II da Prússia, com quem somente se encontraria em 1740. Um de seus antigos companheiros, o marques d‘Argenson, foi então nomeado Ministro, e, beneficiando-se igualmente de sua amizade com o duque de Richelieu, Voltaire pôde retornar à corte. Escreveu a peça teatral A Princesa de Navarra, para ser apresentada durante as comemorações do casamento do Delfim, o herdeiro do trono, e, recuperando a graça real, foi nomeado historiador do rei em 1745, antes de ingressar na Academia no ano seguinte. Mas sua pena não podia ser controlada, e a primeira versão de Zadig, surgida sob o título de Memnon, o obrigou novamente a abandonar a corte. Após a morte de Madame de Châtelet, ele se instalou em Berlim, onde completou O Século de Luiz XIV e escreveu Micrômegas, uma obra cujo herói deixa a estrela Sírio, em que nascera, com a intenção de educar a mente e o coração, viaja para Saturno e depois vem à Terra. Assim ele contempla com um olhar totalmente novo esse mundo em que reinam “os preconceitos”. Infelizmente, a tolerância de Frederico II tinha seus limites, e Voltaire foi forçado a deixar a Prússia, após ter zombado imprudentemente de Maupertuis, então presidente da Academia de Berlim. Proibido de estabelecer-se em Paris, instalou-se na Suíça, perto de Lausanne, com sua sobrinha e amante, Madame Denis. Em 1758, ele comprou o castelo de Ferney, em que recebeu uma sucessão de artistas, escritores e comediantes. Seu Poema sobre o desastre de Lisboa fez explodir um antagonismo com Jean-Jacques Rousseau. Redigiu novamente contos, como Candide, em 1759, cujos breves capítulos são outras tantas etapas da aprendizagem do jovem e ingênuo Cândido. Em 1762, o caso Calas mobiliza-lhes todas as energias: em Toulouse, Marc-Antoine Calas foi encontrado enforcado dentro da mercearia de seu pai.
Os boatos insinuam que o jovem protestante, que pretenderia converter-se ao catolicismo, teria sido morto pelo próprio pai, Jean Calas. Este foi preso e executado. Voltaire, convencido de sua inocência, esforçou-se para que o processo fosse revisado e Calas, inocentado. Foi então que redigiu o Tratado sobre a tolerância,em que luta contra a intolerância em nome da religião natural (*). Interessou-se a seguir por outros casos e empregou sua pena a serviço da justiça. Cansada de viver em Ferney, Madame Denis o convenceu a voltar a Paris após a morte de Luiz XV. Ele retornou triunfalmente em 1778, mas a viagem e as honras recebidas exigiram demais das energias do ancião. Ele morreu a 30 de maio de 1778. Seu corpo foi mais tarde depositado no Panteão, em 1791, com o seguinte epitáfio: “Ele combateu tanto os ateus quanto os fanáticos. Inspirou a tolerância e defendeu os direitos do homem contra a servidão do feudalismo. Poeta, historiador e filósofo, engrandeceu o espírito humano e ensinou-o a ser livre”.
(*) - A religião natural é baseada na razão e na experiência, em oposição à religião de revelação, baseada na bíblia. (N.E)
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