Aracaju/Se,

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Orlando Silva - O cantor das multidões

Grandes Personalidades

ORLANDO SILVA
O dono da voz
Escrito por Natália Pesciotta   

Foi Francisco Alves que afirmou: “Nenhum intérprete brasileiro jamais alcançou o nível de Orlando Silva”. Com grandes sucessos, o trocador de ônibus conquistou o Brasil nos anos 1940 e inspira gerações de cantores até hoje. Há quem diga que ninguém no mundo soube aliar o microfone a uma voz potente como o cantor das multidões.
Esta é a história de uma voz. “Talvez a mais bela que o cancioneiro popular já utilizou. Uma voz que surge do nada, paira por um curto tempo entre os mortais para logo desaparecer numa bruma tão misteriosa quanto o relâmpago que a fez surgir”, descreve o biógrafo Jorge Aguiar. Desde a mais remota memória de Orlando, em que os Oito Batutas ensaiavam na sua casa, ele já se interessava por música. Celeste, o pai, poderia ter sido definitivamente um dos oito do grupo de Pixinguinha, se não tivesse três filhos para criar. Deixou a profissão de violinista pela de ferroviário, mas mesmo assim conviveu pouco com o caçula. Morreu de gripe espanhola em 1918, sem deixar muita coisa. E sem tampouco imaginar que algum dia o pequeno de três anos teria um programa de rádio aberto com tema especialmente feito por Pixinguinha e João de Barro: Meu coração / Não sei por que / Bate feliz / Quando te vê... Além de Carinhoso, Orlando consagraria outras tantas músicas feitas por compositores que conheciam exatamente seu gosto e timbre. Marchinhas, sambas-canção, valsas, baladas. Por fim, influenciaria cantores tão distintos quanto Cyro Monteiro, Nelson Gonçalves e João Gilberto.
 
Modelo do antimodelo

Orlando costumava levar para a escola folhetos de modinhas entre os livros. Acompanhava os sucessos do rádio na casa dos vizinhos que tinham o aparelho. Depois das aulas, subia descalço em um pé de amora no jardim e desfiava canções. As primeiras ouvintes do “cantor das multidões” moravam nas casas ao lado e gostavam de escolher as músicas. O gogó e a interpretação impecável faziam sucesso também na linha de ônibus em que o garoto trabalhava como trocador. O emprego era bom porque permitia que ficasse sentado – anos antes sofrera um trágico acidente no pé, quando subia em um bonde para fazer entregas. Os passageiros e vizinhos o incentivavam a cantar, mas na quarta vez em que foi até uma rádio no centro por indicação de um conhecido, começou a desanimar. Para Jonas Vieira, outro biógrafo, por ser “o modelo do antimodelo de artista e de grande ídolo, ainda mais puxando de uma perna”, a figura mulata e suburbana não conquistava atenção nas emissoras. Mais adiante, as roupas do cantor rasgadas por fãs enlouquecidas e a disputa do público por qualquer bituca de cigarro atirada na calçada comprovariam que as profecias estavam erradas.

Uma voz na multidão

O compositor e boêmio Bororó entrava na Rádio Nacional quando ficou paralisado. Perguntou ao menino que cantarolava na antessala: “Ei, você é da Nacional?”. Ao saber que não, insistiu: “Guanabara, Rádio Clube, onde você canta?”. Levou-o imediatamente até Francisco Alves. Depois de uma breve demonstração em seu carro, o Rei da Voz levou o menino de 17 anos para seu programa. O apresentou com o nome artístico Orlando Navarro. O pessoal de Engenho de Dentro, no entanto, reclamou, e o novato preferiu ficar com o nome da família: Orlando Silva, o cantor das multidões. O título famoso e definitivo foi dado por causa de uma apresentação em 1938. O auditório da Rádio do Comércio tinha ficado pequeno para ele. Improvisaram a sacada do prédio paulista para um show aberto, que reuniu 60 mil pessoas. Mas a nomenclatura representa também algo ainda maior: pelas ondas radiofônicas, foi imbatível sucesso de público. Nos anos 1940, era o campeão de vendas de discos e tinha o mais alto cachê. Os produtores brincavam que seus discos tinham lado A e lado A, pois tudo que gravava era um estouro. Durante toda a década de 1950, era sagrado o seu programa Quando os Ponteiros Se Encontram, ao meio-dia dos domingos, na Rádio Nacional. Certa vez, Orlando procurou no Teatro Municipal Tito Schippa, cantor lírico italiano com quem gostaria de tomar aulas. Ao ouvir Lágrimas na sua voz, porém, Tito vetou: “Não estude jamais. Cante exatamente desse jeito em qualquer lugar do mundo”.

Melhor do mundo
“É possível arriscar que, de 1936 a 1942, ele foi o melhor cantor popular do mundo, ao saber como ninguém aliar a tecnologia do microfone a uma voz já potente”, defende o jornalista Ruy Castro. Os oito anos a partir de 1936 são considerados o período de ouro de Orlando. Depois disso, os mais críticos notam que não havia mais a limpidez absoluta peculiar. Há quem diga que a voz, quase uma entidade independente, o deixou depois de uma desilusão na conturbada relação que mantinha com a radioatriz Zezé Fonseca. Como no samba A Primeira Vez, em que cantava: Um dia você partiu / Meu pinho emudeceu / E a minha voz na garganta morreu. Mas há também quem aponte fatores mais concretos: Orlando precisou arrancar alguns dentes, o que o fez entrar em contato e se viciar em morfina. Com isso e com a separação sofrida, afundou-se em bebida. Quem o tirou da situação foi outra mulher. A partir do casamento com Maria de Lourdes, o jeito manso de falar e a pureza do olhar estavam de volta. Além disso, ninguém jamais negou a afinação, o timbre e a postura do cantor das multidões, que também se poderia chamar de cantor dos mandachuvas – Getúlio Vargas tinha como xodó A Jardineira; já Juscelino Kubitschek preferia Sertaneja. Continuou afamado em apresentações e LPs pelo Brasil todo. Em 7 de agosto de 1978, quando morreu, já tinha se recolhido com a esposa para uma vida calma na Ilha do Governador. Voltou para a Zona Sul do Rio para ser velado na sede do Flamengo, seu time do coração, como um dia havia pedido.

Obs. Clássicos da músiva popular brasileira gravadas por Orlando Silva:
Aos Pés da Santa Cruz, de Marino Pinto e José Gonçalves.
A Jardineira, Benedito Lacerda e Humberto Porto
Nada Além, de Custódio Mesquita and Mário Lago.
Atire a Primeira Pedra, de Ataulfo Alves e Mario Lago
Sertaneja, de René Bittencourt

A Autora
Natália Pesciotta

Artigo publicado no http://www.almanaquebrasil.com.br/ 

Banner

 ASSINE:



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...