Aracaju/Se,

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Llegó Papá

Artigo pessoal

Llegó papá
Clóvis Barbosa

Era tarde. O horizonte visual ainda estava escuro. Dois casais amigos tinham ido num catamarã para a ilha paradisíaca de Saona, a uma hora e meia de Bahyahiba. Estamos na República Dominicana. A tormenta tropical Emily já havia desviado a rota e não era mais perigo para nós, que passamos dois dias na expectativa de sua chegada, debaixo de um grande vendaval. De repente, apressado, apareceu um barco de pescadores carregado de peixes em direção ao pequeno porto da cidade. Ao seu lado, em perene alegria, seguia um bando de gaivotas em revoada, davam vôos rasantes na barcaça como que tentando cortejar com os seus passageiros. Aguardavam as vísceras que seriam o seu principal prato naquela tarde. Voltei à leitura de um livro que havia comprado em Caracas, capital da Venezuela, “Las Memorias de Mama Blanca”, de Teresa de La Parra, escritora venezuelana. Escrito em 1926, o texto estava me comovendo pelo estilo leve, mas de conteúdo melancólico. Quatro dias antes estava em Caracas observando a cidade, o seu povo. A cidade ainda estava em festa comemorando os duzentos anos de sua independência, acontecida em 1811. Visitei a casa onde o libertador viveu com sua mulher Maria Teresa Del Toro e Alaisa, a sua estátua e seus restos mortais na praça que leva o seu nome, o Capitólio Nacional e a Catedral, tudo localizado num conjunto histórico localizado no centro da cidade. Nas ruas, praças e avenidas o libertador Simon Bolivar era o grande homenageado? Fotos e cartazes do libertador andino por toda a cidade? Qual nada, a impressão que se dava era que o grande herói teria sido o presidente Hugo Chávez, atual presidente da República Bolivariana da Venezuela.
“Independência y pátria socialista, viviremos e venceremos” era o lema espalhado em cartazes por todos os lados. A sublimação do ego é a tônica em toda a cidade. Logo ao desembarcar no aeroporto de Maiquetía, uma foto gigantesca de Chavez com jovens toma conta da paisagem. No centro velho, no metrô, no comércio, suas fotos estão por todos os lados, sempre ao lado de atletas, crianças e idosos. Caracas é uma cidade contraditória. Ao lado das suas belezas naturais convivem cinturões de miséria por todos os lados. Está situada entre duas cadeias de montanhas: a cordilheira do litoral, com 2.500 metros de altura, separando Caracas do mar do Caribe, a apenas 20 quilômetros de distância aproximadamente; e as montanhas do interior, com 1.049 metros, que a separam do resto do país. A serra de Ávila, com 2.153 metros domina a cidade ao norte, enquanto o Rio Guaire divide seu setor meridional em duas partes. Não dá para entender o controle cambial imposto por Chavez desde 2003. O dólar é cotado oficialmente nas casas de câmbio em quatro bolivares e meio, entretanto, no câmbio negro, você troca o dólar à razão de sete e meio ou oito bolivares. A troca de moedas é feita abertamente por distribuidores ávidos por dólares na rua, aeroporto, hotéis, lojas, enfim, em qualquer lugar. O transporte coletivo é uma loucura. Apesar do metrô existente, sempre circulando lotado de passageiros, os demais meios de locomoção são representados por marinetes antigas e taxis velhos, autênticas “carroças” na maior acepção do termo criado pelo ex-presidente Collor. Não há qualquer estímulo ao turismo. Quem ali vai, não quer mais voltar.
A Polícia Antidrogas que fica no Aeroporto Internacional não deixa passar uma mala sequer. Toda bagagem de mão é aberta e revistada meticulosamente, o que contribui geralmente com o atraso dos vôos. A principal empresa aérea do país, a Venezolana, não consegue partir nem chegar no horário. No Brasil seria um escândalo! Para se ter idéia, o meu vôo de retorno da Republica Dominicana para Caracas estava marcado para às 17:00 horas. Embarquei exatamente às 01:40 horas da madrugada do dia seguinte. Resultado: perdi a conexão da TAM que me levaria a São Paulo no dia anterior. Mas deixemos a terra de Carlos, o Chacal. Voltemos à República Dominicana, um país que tem uma história de sofrimentos para contar ao mundo: Assim como o Monte Pascoal foi o primeiro ponto no Brasil avistado por Cabral em 1.500, foi também Santo Domingo, hoje sua capital, o primeiro ponto visto por Cristóvão Colombo na América Central, em 1492. Essa também foi a primeira cidade construída pelos europeus na América, no século XV, fundada por Bartolomeu Colombo, irmão do descobridor da América; foi destruída em 1.502 por um ciclone e em 1930 por um furacão; foi invadida pelo corsário inglês Francis Drake em 1586 que esculhambou principalmente com a capital; no século XVII foram os franceses que invadiram a ilha e a dominaram durante um século até serem expulsos por ex-escravos.

Conquistou a sua independência em 1844 depois de renhida guerra civil com os seus vizinhos, o Haiti, dominado pelos franceses; a constante situação de instabilidade do país levou os EUA a ocuparem até o ano de 1924. Ocorre que logo depois o país passou por uma experiência dramática: a ditadura de Rafael Trujillo, que governou o país até 1961, ano em que foi impiedosamente assassinado. É a terra do famoso playboy internacional, Porfírio Rubirosa, que casou e foi amante de várias mulheres ricas e atrizes famosas nas décadas de 1950 e 1960 e morreu num desastre de automóvel na cidade de Paris. Pois bem, o país está passando por um processo pré-eleitoral, cujas eleições para presidente estão marcadas para o primeiro semestre de 2012. Viajando em direção a Punta Canas passando pela cidade de Higuey chamou-me a atenção a propaganda de um dos candidatos, Hipólito Mejia, do Partido Revolucionário Dominicano (PRD), um ex-presidente que governou o país de 2000 a 2004 numa das administrações mais tumultuadas da história, tendo sido acusado de entreguista e lacaio dos EUA. É chamado pelos seus seguidores de “Papá”: Daí ele ter cunhado a frase que é o bordão da sua campanha. “Esto no tiene madre. Llegó papá”. Pelo que eu vi na República Dominicana não acredito que o povo dominicano esteja atrás de outro pai. De “papá” já bastou o ditador sanguinário Trujillo. O país precisa é de dignidade, de uma transformação social radical, de um processo sério de inclusão através de investimentos nas áreas de educação e saúde, de uma política que privilegie a erradicação da pobreza. E pronto.

(**) Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 14 e 15 de agosto de 2011, Caderno A, p. 7.

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