quarta-feira, 9 de junho de 2010
O Amalequita que Queria Ter Matado o Rei
Amalequita que Queria Ter Matado o Rei
e a Candidatura de Edvaldo a Prefeito
Edvaldo poderá ser prefeito. Melhor ainda, Edvaldo será prefeito, pois só neste momento Edvaldo é prefeito. Dizer o contrário é propalar uma mentira. O perigo, contudo, é que “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, consoante Goebbels, ministro da propaganda do nazismo. Por isso, a mentira já começou a circular na imprensa. Seu conteúdo aponta para uma interpretação paraplégica do art. 14, § 5º, da constituição. Esse dispositivo estabelece que “o presidente da República, os governadores de Estado e do Distrito Federal, os prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente”. Com efeito, o mandamento constitucional, pela clareza que ostenta, não autoriza outra conclusão, senão a de que Edvaldo está legitimado a candidatar-se no próximo pleito; divulgar o oposto, conforme já certificado, é trapaça de mentiroso.
Por trás da couraça de qualquer mentira, todavia, um motivo sórdido sempre está de tocaia. Isso lembra a história do amalequita que procurou Davi para dizer que havia entregado Saul à morte. A narrativa está logo ali no início do segundo livro dos reis, na bíblia. Tal livro é aberto com a inevitável sucessão imperial. É que, com a morte de Saul, Davi fatalmente assumiria o trono de toda a nação de Israel. No primeiro livro dos reis, que, obviamente, precede o segundo, a literatura bíblica traz à tona o fracasso de Saul frente a nação filistéia. Por conta da derrota na última batalha que travou, Saul suicidou-se. Sucede que um jovem amalequita, ambicionando angariar os louvores de Davi, procurou o futuro monarca para dizer-lhe que Saul estava morto. Porém, o mensageiro atropelou toda a verdade e fez Davi pensar que ele teria sido o responsável pela morte de Saul. Mas por que ele agiu assim?
Simples. No princípio, Saul e Davi até que foram amigos. Com o passar do tempo, no entanto, tornaram-se adversários mortais, não porque Davi o desejasse, mas porque a inveja de Saul não permitiu continuidade da afeição que outrora houve entre ambos. Saul, por exemplo, tentou assassinar Davi algumas vezes, obrigando-o a esconder-se e a viver como refugiado. Mas Davi tinha a noção exata do glamour e da liturgia que cercavam o cargo de Saul. Saul era rei, escolhido a dedo pela divindade, ungido pelo profeta que aclamou sua coroação. Quando Davi olhava para Saul, não via simplesmente Saul, mas o rei de Israel, o representante de Jeová, senhor supremo do povo judeu. Os amalequitas, por outro lado, nação inimiga há muito dos hebreus, não se preocupavam com a honorabilidade dos cargos. Os amalequitas eram uns selvagens, bárbaros sem percepção para degustar a fragrância da túnica real.
Nesse diapasão, foi que aquele amalequita enganador acreditou que agradaria a Davi dizer-lhe que ele seria o responsável pela morte de Saul. Arrebentou-se. Caiu na espada. Davi determinou que fosse executado, exatamente porque não soube respeitar a coroa do rei. Na cabeça de Davi, apenas o seu deus poderia deslegitimar Saul. Mais ninguém. Muito menos um amalequita, tido como subalterno pelos judeus. Da mesma forma, apenas a Constituição Federal poderia deslegitimar Edvaldo. Acontece que ela o legitima. Basta atentar para a expressão “poderão ser reeleitos”. Ora, ser reeleito significa ser eleito novamente para o mesmo cargo. Em 2000, Edvaldo foi eleito vice de Déda; em 2004, foi reeleito (eleito novamente para o mesmo cargo) vice de Déda. Em 2006, Déda renunciou para ser governador. Conseqüentemente, Edvaldo o sucedeu como prefeito. Daí, a indagação: Edvaldo já foi eleito prefeito? Não.
Portanto, ele, na atual conjuntura, pode candidatar-se ao cargo de prefeito, sem empecilho algum. A propósito disso, o TSE, em novembro do ano passado, através de voto do ministro Arnaldo Versiani (consulta 1.469/DF), decidiu que “é vedado ao vice-prefeito reeleito se candidatar ao mesmo cargo, sob pena de restar configurado exercício de três mandatos sucessivos”. “Vice-prefeito reeleito”, continua a corte, “pode se candidatar a cargo de prefeito nas eleições seguintes ao segundo mandato”. Como se vê, Edvaldo não poderia, nas eleições de outubro, candidatar-se a vice-prefeito de novo, mas para prefeito sua candidatura não acha quaisquer óbices, salvo a mentira de algum amalequita, que queira agradar a alguém que ele supõe que será rei. Mas há outra decisão do tribunal superior eleitoral, que tornará ainda mais didática a tese aqui delineada. Trata-se da consulta 1471/DF, de dezembro de 2007.
Nela, o TSE pretextou que “o vice-prefeito que tenha sucedido o titular, tornando-se prefeito, e, posteriormente, tenha concorrido e vencido as eleições para o cargo de prefeito não poderá disputar o mesmo cargo no pleito seguinte, sob pena de se configurar o exercício de três mandatos consecutivos no âmbito do poder executivo”. A decisão, que teve como relator o ministro Cezar Peluso, também foi unânime. Esclarecendo: se Déda tivesse renunciado no curso do seu primeiro mandato, sendo sucedido por Edvaldo, com o adendo de que Edvaldo, e não Déda, teria sido eleito prefeito em 2004, agora, em 2008, Edvaldo não mais poderia ser candidato a prefeito. Mas não foi isso o que ocorreu. Edvaldo, por duas vezes, foi eleito vice-prefeito, tendo sucedido Déda tão-somente no segundo mandato. Logo, poderá, sim, ser candidato a prefeito em outubro vindouro. E será, ainda que um amalequita não queira.
Um detalhe: a maledicência do amalequita poderia ter prosperado, não fosse o caráter de Davi. Quem tentou deslegitimar Edvaldo, ou esqueceu-se de estudar, ou estudou de olhos fechados, ou mentiu para ver se a mentira, repetida, tornava-se verdadeira. Incrivelmente, essa derradeira não é a pior hipótese. Hannah Arendt asseverava que ”as mentiras sempre foram consideradas instrumentos necessários e legítimos, não somente do ofício do político ou do demagogo, mas também do estadista”. Assim, se quem foi para a imprensa dizer que Edvaldo não pode ser candidato a prefeito fez isso consciente de que mentiu, tudo bem; faz parte do jogo. Mas se acredita no que disse, que perigo! Acreditar no disparate e defendê-lo edificou o nazismo. Goebbels sabia disso. Não foi a toa que atestou, acerca de Hitler: “esse homem é perigoso, ele acredita no que diz”. Se quem falou que Edvaldo não pode ser candidato, crê em tamanha parvoíce, essa pessoa é perigosa. Goebbels que o diga.
* Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo à quarta-feira, 3 a 6 de fevereiro de 2008, Caderno B. pág. 7.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário