Cordel
Seu Lunga,
O Campeão do mau-humor
Vou contar aos meus eleitores/a estória de um senhor/zangado e impaciente/com seu interlocutor/eleito nacionalmente/campeão do mau-humor.
Quem na vida cria fama/fará no mundo um alarde/às vezes nem faz a coisa/ Mas és que o espinhaço arde/cria fama que acorda cedo/e pode dormir até tarde.
Assim vive hoje Seu Lunga/tolerando o seu calvário/mas pra pergunta imbecil tem resposta pro otário/e cada vez cresce a fama/do seu mau-humor lendário.
Seu Lunga é sujeito grosso/igual papel de enrolar prego/mas tudo tem duas faces/e essa sua outra entrego/que às vezes é criativo/isso é verdade não nego.
Seu Lunga foi tomar pinga/na bodega de Zé Brás/retornou enfurecido/Com o erro desse rapaz/que errou o litro de pinga/e serviu-lhe o litro de gás.
Lunga gritou: Bodegueiro/com uma ira que transpassa/ - Pegue aqui esse dinheiro/Cobre essa falsa cachaça/Que hoje viro candeeiro/No meio da tua raça!
Seu Lunga vendia relógios/na feira de Juazeiro/era uns relógios bonitos/custando pouco dinheiro/que ele vendia aos gritos/aos visitantes romeiros.
- Olha o relógio garoto!/gritava quem quer comprar?/um sujeito pega um relógio/e começa a se engraçar/pergunta: - Seu Lunga, posso/banho com ele tomar?
Seu Lunga encara o rapaz/com ar de indignação:/ - a pergunta que tu faz/num tem nem explicação/eu tô vendendo é relógio/não é sabonete não!
No velório do vizinho/visitando Lunga está/ver-se o carteiro sozinho/com seu Lunga a cochilar/ - tenho a missão difícil/de uma carta pra entregar.
Pois faz hoje quinze dias/que o dono da carta morreu/e essa carta chegou hoje/ e como o carteiro sou eu/ vim procurar o seu Lunga/pois ele era primo seu.
Lunga olhou pro carteiro/ e respondeu bem baixinho/disse: - só tem uma solução/pra esse teu entravesinha/pegue a carta do meu primo e manda pelo meu visinho.
No curso de alfabetização/tava seu Lunga a estudar/a professora diz então:/ - hoje a tarefa escolar/é uma pequena redação/um texto pra copiar.
Numa fala da professora/que não era lá tão leiga/chamando Lunga a atenção/a professora Ineida/disse: - cupia seu Lunga.../e Lunga: - não, cú peida.
Certa vez no seu comércio/um garoto pergunta bem/tem ovos aqui pra vender/e seu Lunga diz: - não tem/o garoto diz: - deveria ter/e seu Lunga: - de viria tem.
Um sujeito chega a seu Lunga/e diz: - eu vim saber de você/no meio dessa olímpiada/o que acha do karater?/ e Lunga: - oxente cabra idiota!/é melhor do que não ter!
Um outro tempo seu Lunga/teve ruim período astral/foi num passeio diurno/numa estrada vicinal/que num descuido infortúnio/capotou sua rural.
Mas colocou na oficina/ pra desamassar e pintar/disse: - quero um serviço perfeito/não importa o que vou gastar/ pra ficar do mesmo jeito/de antes dela capotar.
Depois da rural já pronta/o mecânico foi lhe entregar/disse: - tá aqui sua rural/prontinha para rodar/vamos dá uma volta, dirija/prá saber como ela está.
No meio da volta o mecânico/num deslize colossal/foi perguntar prá seu Lunga/dum jeito bem informal:/ - como é que foi que seu Lunga capotou essa rural?
Seu Lunga os lábios tremeu/de forma desnatural/responde: - foi assim sujeito/que capotei minha rural/e a capotou do mesmo jeito/da estrada vicinal.
Seu Lunga tava num rio/com um lençol a manejar/aparece um pescador/e somente prá lhe irritar/pergunta: - Lunga o senhor/veio ao rio pescar?
Seu Lunga quebra a vara/sacode o anzol no chão/olha irado o pescador/diz: - não inteligentão/vim ensinar a nadar/minha minhoca de estimação.
Uma cabeça de porco/foi Lunga ao açougue comprar/quando voltava pra casa/um rapaz veio perguntar:/- essa é pra comer seu Lunga?/-não imbecil, é pra criar.
Lunga em cima do telhado/umas goteiras tirando/passa um conhecido e pergunta:/- seu Lunga tá retelhando?/ele diz: - não abestado/tô meu telhado quebrando.
Seu Lunga é comerciante/em Juazeiro do Norte/homem de pouca conversa/por ter um caráter forte/e se a pergunta for besta/sua resposta é de morte.
Tava Lunga na calçada/com uns amigos a conversar/seu Vizinho disse: - Lunga, pra mim é de admirar/o senhor coçar a cabeça/sem o seu chapéu tirar.
- Me venha cá sujeitim/foi lhe falando seu Lunga/-responde perto de mim/com sua admiração profunda/por acaso tu tira as calças/quando vai coçar a bunda?
Lunga procura uma vidente/pra seu futuro adivinhar/bate palma à porta dela/para a Vidente chamar/ela pergunta: - quem é?/ele diz: - vai se lascar!
Uma cigana ver seu Lunga/toma-lhe logo a mão/diz: - vou fechar o teu corpo/contra praga e maldição/Lunga responde: - pois feche/pra minha satisfação.
Quando o serviço acabado/ela falou: Oi Ganjão!/o teu corpo está fechado!/seu Lunga, em desafirmação:/- acabei de soltar um pum!/tá fechado todo não!
Lunga vai a feira de animais/com um jumento de lado/um trocador de voz fina/pergunta descadeirado/- troca o jeguim numa égua/que eu apanhei de um soldado?
Lunga olha prá bichinha/irado e desconfiado/disse: - eu troco hoje esse jegue/até num gato pintado/mais fica tu já sabendo/que não troco num viado.
Com a perna esquerda doendo/seu Lunga o médico procura/- doutor vim me consultar/é grande a minha amargura/minha perna esquerda dói muito/vê se o doutor ela cura.
O médico disse: - não curo/lhe digo com honestidade/isso aí é reumatismo/falo com capacidade/Lunga, vá se acostumando/isso é um mal da idade.
E Lunga irado: - doutor/sua afirmação corrói/essa consulta ta errada/vou procurar doutor Eloi/a direita é da mesma idade/e eu lhe garanto, não dói.
- Quanto custa essa enxada?/pergunta a Lunga um fulano/Lunga diz: - é dez reais/e o fulano criticando:/- lá no mercado é só cinco/é pena que tá faltando.
Lunga olha pro sagaz/feito uma cobra fumando/diz: - vá pro mercado rapaz/que qualquer hora lhe chamo/e dou-lhe enxada de graça quando aqui tiver faltando.
Lunga tomava caipirinha/e segurava um limão/vem um gaiato cretino/e só pra ver sua explosão/pergunta a Lunga insistindo/isso na mão é um limão?
E seu Lunga enfurecido/o limão no olho espremendo/- olha só cara de burro/vê bem o que tô fazendo/isso aqui é colírio/será que tu não tá vendo?
Na residência de Lunga/um genro seu desastrado/que há muito vivia longe/matutão atrapalhado/observa um aparelho/de televisor desligado.
Aí, procura seu Lunga/prá do aparelho saber/- seu Lunga essa TV inda pega?/e Lunga põe-se a responder:/- me diga cara de égua/ela já pegou você?
Chega ao balcão do seu Lunga/um sujeito de Juazeiro/todo metido a falante/desses meio farofeiro/que tinha passado três meses/lá no Rio de Janeiro.
Disse: - bom dhia Lunga/por favor não dei-me as cosstas/temos cá passta de denthe?/e seu Lunga: - não, temos bossta/seu cabra bessta dementhe/eu cá pergunto: - tu gossta?
Quando Lunga era solteiro/já era bem consciente/numa visitinha à zona/lhe pergunta uma indecente/quer mulher com muito seio?/e Lunga: - não, dois é suficiente!
Então seu Lunga é isso/um homem mau-humorado/insípido, mas muito amigo/e já ficou comprovado/que esse mau-humor/é coisa de antepassado.
Sua bisavó ao morrer/faltou vela, aí, então/quem tava a lhe socorrer/botou-lhe areia na mão/e na mão colocou uma brasa bem acesa do fogão.
Antes do último suspiro/de sua bisavó morrendo/não lhe faltou mau humor/prá quem tivesse vendo/sobre a brasa esbravejou:/- é morrendo e aprendendo!
Essas estórias de seu Lunga/que pro meu leitor narrei/se alguém achar diferente/se alguém falar que errei/arrume outra prá contar/por que essas eu já contei.
E não garanto a ninguém/essas estórias provar/simplesmente me convém pro meu leitor repassar/esses causos absurdos/que vieram me contar.
De todos me despeço/e agradeço a atenção/aos patrocinadores/toda minha gratidão/e outras de Lunga eu conto/em uma próxima edição.
(*) in Literatura de Cordel, Seu Lunga, o campeão do mau-humor, Oscar de homem mais bruto do mundo. Causos e anedotas, a maioria inédita – 25ª. Edição – autor: Anchieta Dantas, o Ze do Jati, Fortaleza-Ceará, outubro de 2008.
(**) – Sobre o autor: “José Anchieta Dantas Araújo, é escritor e poeta, natural de Jati - Ceará. Em 1999, resolve abraçar os escritos de versos populares (cordéis). Nesse complexo destacam-se: ‘A Guerra dos Brasileiros pra se livrar dos Fernandos’, ‘A verdadeira Estória da História do Brasil’,’ A guerra da Nossa Gente contra o Mosquito da Dengue (cordel instrutivo)’, ‘A Visita do Juiz Nicolau ao Inferno’ e ‘A Corrupção no Brasil’. Citado pelo humorista e menestrel Juca Chaves, como o maior cordelista do país. Dessa forma, Anchieta Dantas, vai aos poucos através dos seus cordéis cheios de humor, sátiras e irreverências, confirmando a condição de grande poeta popular do Brasil.Ele é o autor dos livros ‘Nós e a Metrópole’, ‘O Passageiro do Tempo’ e ‘Rancho Nova Esperança’.Lea Queiroz. Jornalista”
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