terça-feira, 29 de junho de 2010
A Teoria dos Jogos
Artigo Pessoal
A escolha do desembargador:
Como a OAB resolveu o dilema
À luz da teoria dos jogos?
Richard Posner está correto. O professor da University of Chicago College preleciona que as decisões judiciais são quase sempre de justificação normativa complicada. A dialética jurídica pugnada por Posner (legal reasoning) leva em conta que cada magistrado prioriza a decidibilidade segundo preceitos não codificados. Assim, o direito, consoante a perspectiva do scholar, seria um conglomerado de regras menos conceituais e mais pragmáticas. O epicentro do pensamento de Posner encontra guarida naquilo que a ciência do direito denomina hard cases (causas difíceis), os quais não podem ser elucidados mediante a simples aplicação do ordenamento, mas do bom-senso. Valores outros, alheios ao mundo jurídico, norteariam o juiz na prolação das sentenças. O utilitarismo da decisão, na visão de Posner, é que faria do direito uma técnica resolutiva. As causas difíceis não se dissecariam pela lei, mas pela razoabilidade.
Agora, por exemplo, a OAB se pôs diante de um hard case. A situação era difícil. Mas, por mais intrigante que fosse, entender por que ela era difícil vem a ser ludicamente fácil. E, como todo hard case, sua conclusão não podia passar tão-somente pelo viés da juridicidade. O que a OAB decidiria devia ser, inexoravelmente, prático e útil. O problema esteve adstrito à formação da lista sêxtupla que conterá os nomes dos candidatos a desembargador na vaga do quinto constitucional. Como ele se explica? Simples. A OAB entendeu que a consulta à classe só atenderia ao princípio da legitimidade se houvesse um quorum mínimo de comparecimento: primeiro número inteiro subseqüente à divisão da quantidade de advogados aptos a votar por dois. Assim, se houvesse três mil advogados aptos, a consulta só seria válida se, e somente se, comparecessem mil quinhentos e um advogados. Do contrário, nulidade do processo.
Porém, seis dos candidatos, de maneira absolutamente lícita, buscaram a tutela jurisdi-cional, utilizando-se de um mandado de segurança, por intermédio do qual alegaram que a exigência de quorum seria inconstitucional, já que não teria respeitado o princípio da anterioridade, estabelecido no art. 16 da CF. Liminar foi concedida, determinando à Ordem que realizasse eleições sem quorum. Essa mesma liminar, todavia, foi cassada no TRF da 5ª. Região, através de suspensão de segurança. Após a cassação da liminar, a OAB realizou uma segunda consulta, já que a primeira restara infrutífera (não alcançou o quorum), a qual, igualmente, fracassou, tendo em vista que faltaram mais de trezentos votos para alcançar o número mínimo imposto. No entanto, a Justiça Federal, há poucos dias, julgou o mérito do mandado de segurança, corroborando a liminar. Qual a conseqüência dessa decisão?
Em princípio, nenhuma. Por que? Porque o juízo de onde ela adveio ressaltou que sua efi-cácia dependeria do trânsito em julgado. Numa palavra, enquanto coubesse recurso, a decisão que determinou à OAB fazer eleição sem quorum não teria aplicabilidade. Eis o hard case. Resta lembrar que todo hard case só acha solução palpável ali onde houver praticidade e utilidade. Nesse diapasão, necessário é laborar em cima de hipóteses. E só havia três. Hipótese A: a OAB recorreria da decisão até a última instância e, enquanto não sobreviesse trânsito em julgado, nenhuma eleição seria realizada. Resultado: calamidade. A experiência tem evidenciado que se percorrem anos para que uma decisão faça trânsito em julgado. E, até lá, a cadeira da OAB no tribunal de justiça ficaria vazia? Hipótese B: recorrer e, concomitantemente, fazer a eleição. Resultado: outra calamidade. Essa, porém, requer uma melhor explicação.
Se a OAB fizesse uma eleição e formasse a lista sêxtupla, ao mesmo tempo em que ia re-correndo da decisão, Sergipe, pela primeira vez na história do judiciário, teria um desembargador sub judice, que, daqui a alguns anos, poderia ser destituído. Uma sensação de infortúnio, tanto para a OAB, quanto para o tribunal. Mas não só. Também para o jurisdicionado. Afinal de contas, como ficariam as decisões prolatadas por um desembargador que, passado algum tempo, poderia ser convidado a se retirar da corte que integrou a título precário? A sociedade seria a grande penalizada num quadro de tamanha instabilidade. Não se diga que isso é superstição. Já aconteceu em Roraima, onde o STF destituiu dois desembargadores (Ação Originária nº 188). Hoje, no Tocantins, existem dois desembargadores sub judice: Luiz Gadotti e Jacqueline Adorno (ADPF 76), exatamente por imbróglios com o quinto constitucional.
Qual a saída, então? Ela era oferecida pela teoria dos jogos e, mais especificamente, pelo jogo cognominado “dilema do prisioneiro” (prisioner’s dilemma), inspirado no equilíbrio de Nash. John Nash, Nobel da economia em 1994, criou uma doutrina segundo a qual a impossibilidade de o jogador mudar sua estratégia, unilateralmente, sem prejuízo, estabeleceria um equilíbrio tal, a ponto de o jogador só vencer com a vitória dos demais. A esse tipo de jogo, convencionou-se chamar jogo de soma diferente de zero. No jogo de soma zero, um jogador só vence quando o outro perde: Jogador A (+1), jogador B (-1). No jogo de soma diferente de zero, um jogador só vence quando o outro ou os outros também vencem: jogador A (+1), jogador B (+1) etc. A OAB, nesse jogo judicial, não tinha interesse em soma zero. Ninguém podia perder: nem ela, nem o tribunal e, muito menos a sociedade. Só havia uma escapatória.
Aplicar o “dilema do prisioneiro”. Como assim? Imagine-se que a polícia prendeu A e B, mas não tinha provas para condená-los. Assim, a policia joga com eles, obrigando-os a jogar entre si. É dito para ambos: (1) se você confessar e seu parceiro silenciar, você será absolvido; ele, condenado a dez anos. (2) se vocês dois silenciarem, pegarão um ano. (3) se, afinal, ambos depuserem contra o parceiro, cada um pegará cinco anos. Acontece que um não sabe o que o outro fará. Vale dizer, o jogo é jogado na expectativa de que o outro pense como você: amavelmente, como se diz na teoria dos jogos. Qual o meio mais prático e útil? Elementar: silenciar e torcer para que o outro também silencie. Traduzindo: pensar no próximo, esperando que o próximo pense em você. Essa devia ser a jogada da OAB. Agir com tal performance, que ela fosse a única que a sociedade esperaria: adotar uma atitude prática e útil.
Qual a postura mais prática e mais útil? Hipótese C: não recorrer e fazer nova eleição sem quorum. Por que? Porque assim ganha a OAB, que resolveu de uma vez por todas o impasse; ganhou o tribunal de justiça, que terá seu novo desembargador, sem estar na condição sub judice; ganhou a sociedade, que não correrá riscos com a validade das decisões desse magistrado. Em síntese: soma diferente de zero. Assim procedendo, a OAB consagrou o equilíbrio de Nash e o hard case em que se viu envolvida foi resolvido de modo mais lucrativo para todos. O quorum foi produto de uma ideologia: a da legitimidade. Seis candidatos, também legitimamente, o questionaram. Fazia parte do jogo. A decisão, contudo, gerou um dilema, em face do qual a sociedade seria a mais prejudicada. A saída não podia ser egoísta, mas amável. Vitória coletiva. Só falta admitir que a Ordem também merece um nobel: o da paz.
(*) - Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 9 e 10 de março de 2008, Caderno B, página 9.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário