Aracaju/Se,

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Driblar a Saudade

Artigo Pessoal

Driblar a saudade
Clóvis Barbosa
Elevador Lacerda
Pablo Neruda
Dizem que saudade é a sétima palavra de mais difícil tradução. Mas também é de difícil conceituação. O que é saudade? Neruda dizia que saudade é amar um passado que ainda não passou, é recusar um presente que nos machuca, é não ver o futuro que nos convida. Mas saudade é também lembrança de um tempo que passou e nos deixou marcas indeléveis, seja de um amor, de uma pessoa que já morreu, de um amigo querido, de lugares que vivenciamos, enfim, pode encerrar qualquer forma de sentimento emocional. Minha infância: década de 1950 e começo da de 1960. Vivia na Bahia (nenhum baiano diz que morou em Salvador; diz: eu moro na Bahia). Antes de começar a trabalhar, aos 12 anos, vivia da venda e troca de gibis, na porta do Cinema Santo Antônio, no Centro da cidade, nos sábados à tarde. Durante a semana, estudava e assistia aos treinos do Bahia (o esquadrão de aço), do Botafogo ou do Galícia (o demolidor de campeões), clubes que adotei como os meus preferidos, na ordem acima exposta.

Bahia Campeão Brasileiro
1a. Taça Brasil
As minhas tardes de domingo eram mágicas. Destino: Fonte Nova. Estádio Octávio Mangabeira. Era o Botafogo de Bacabal, Tatuí e Gerson; Valmir, Israel e Hélio I; Teco, Tango, Zague, Roliço e Fiúza. Ou era Lamarona na ponta-esquerda? E o Bahia do goleiro Lessa, do zagueiro Juvenal e daquele time extraordinário, campeão brasileiro: Nadinho, Leoni e Henrique; Flávio, Vicente e Florisvaldo; Marito, Leo, Alencar, Mário e Biriba. Não gostava do Vitória, nem do Ipiranga. Este último, cheio de jogadores violentos. Mas sabia admirar grandes jogadores adversários, como o goleiro Albertino, os zagueiros Valvir, Eloy, Medrado, Pinguela, Nelinho, Boquinha, o atacante Teotônio. Nunca me esqueço da frustração que tive quando o Bahia perdeu um campeonato para o Vitória. Teotônio, do Vitória, arrasou o meu time, mesmo de cabeça enfaixada, marcando dois gols. A Fonte Nova era uma poesia. De um lado, as torcidas frenéticas, gritando pelos seus ídolos; do outro, a magia, surgindo, no cair da tarde, do lado do dique (a lua com todo o seu esplendor).

Estádio da Fonte Nova
Zague
Vi na sua passarela grandes jogadores nas melhores fases, como Pelé, Garrincha, Didi, Nilton Santos, Castilho, Pepe, Coutinho, Mengálvio, Dida, Belline, Mauro, Djalma Santos, Ademir da Guia, Vavá, Mazzola, Gilmar, Manga, Quarentinha e tantos e tantos outros. Era um tempo de emoções, mas também de incertezas no futuro. De família numerosa (13 irmãos), meu pai se estrebuchava de trabalhar num restaurante (de 6h da manhã às 23h) e minha mãe, o dia inteiro, numa máquina de costura. Os mais velhos tinham que trabalhar para ajudar nas despesas da casa. A Fonte Nova era uma válvula de escape naqueles dias de sofrimento. Pois bem, leio, no Cinform, edição de 2 a 8 de agosto de 2010, que a Fonte Nova vai ser implodida. Tem até dia e hora marcados: Domingo, 29 de agosto, 10h. Vestiários, piscinas e o Ginásio Antônio Balbino já foram demolidos. Com a demolição do Ginásio Antônio Balbino (onde participei de vários jogos da primavera) e a futura implosão da Fonte Nova, um pedaço de mim será escalpado sem dó, mas com dor.

Fernando Pessoa
Precisava saber mais. Fui ao site do jornal A Tarde para me informar sobre o adeus à Fonte Nova. Está lá escrito: “Todo o aparato terá como ápice os cerca de 20 segundos de estrepitoso estrondo, entre as detonações seqüenciadas e as estruturas do estádio indo abaixo”. Segundo, ainda, o jornal baiano, o cenário da implosão, no próximo dia 29, segue modelo de um filme hollywoodiano para as cinco horas de operação, não faltando os telões, monitoramento dos órgãos, como a Defesa Civil de Salvador, tela de proteção e corda de isolamento. No local, um novo estádio surgirá, agora sob a forma de uma moderna arena esportiva. Vai atender às exigências da FIFA para receber os jogos da Copa das Confederações, em 2013, e a Copa do Mundo, em 2014. Adeus Fonte Nova. Só vai ficar a saudade. Não. Não. A gente não mata saudade. Saudade é para ser sentida, curtida em toda a sua amplitude. Saudade é vida. É viver. Se todo cais é uma saudade de pedra, no dizer do grande poeta lusitano, Fernando Pessoa, o fim da Fonte Nova será um drible eterno em qualquer tentativa de definir saudade. Eles explodem. E eu silencio.

(*) Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 8 e 9 de agosto de 2010, Caderno B, p. 10.

(**) Publicado no site http://www.nenoticias.com.br/, postado em 09.08.2010, às 04:00 horas.

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