Aracaju/Se,

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Operação Valquíria

Artigo Pessoal

Operação Valquíria
CLÓVIS BARBOSA*

Valquírias Nórdicas
Deuses Vikings
Nunca jamais maquine contra o príncipe. A não ser que você tenha o aval de um deus. Entre os escandinavos, por exemplo, as valquírias (deusas-menores) desempenhavam a importante missão de estabelecer o destino dos príncipes humanos. Tal papel achava especial destaque durante as guerras. Nelas, as valquírias praticamente ditavam o desfecho. Interessante é que, pelos costumes nórdicos, príncipes deviam lutar e deuses podiam morrer. Fala-se que os deuses vikings tinham uma dieta composta de maçãs sagradas, porquanto precisassem viver até a batalha final, denominada Ragnarok. Daí, a exigência de permanente cautela, pois decidir errado seria um convite à morte. Por isso, as valquírias não agiam sem o consentimento de Odin, o deus-pai. Elas não apontavam a queda de um príncipe, salvo se isso fosse desejado pela divindade. Ainda assim, o espírito do nobre era guiado a um recinto celeste (walhala).

Deus Odin
Claus von Stauffenberg
Há um detalhe. Tão-somente os espíritos dos mais intimoratos guerreiros, mortos em batalha, tinham o direito de entrar no Walhala, a fim de serem recebidos pomposamente por Odin. Essa tradição de honrar os intrépidos, ainda que derrotados, foi bem assimilada pela cultura germânica. Parece, porém, que a veneração post mortem requisitava o endosso divino. Um exemplo histórico: o coronel alemão Claus Stauffenberg foi o mentor da “operação valquíria”, consistente num plano para matar Hitler. Para tanto, Stauffenberg contava com a anuência de Erwin Rommel, “a raposa do deserto”, um deus guerreiro entre os alemães. A eliminação do führer estava agendada para 20 de julho de 1944. Tudo ocorreria numa convenção, a realizar-se na toca do lobo, um dos quartéis-generais do ditador. Stauffenberg, pessoalmente, foi à toca do lobo, onde, sub-repticiamente, deixou uma mala, dentro da qual havia explosivos.

Adolph Hitler
Erwin Rommel
Estaria selado o destino de Hitler. Metaforicamente, as valquírias o teriam marcado para morrer, consagrando o final da 2ª. Guerra. Pois bem, também metaforicamente restava saber se esse era o projeto de Odin. Não foi. A bomba que Stauffenberg quis deixar no colo de Hitler feriu gravemente cerca de dez pessoas e matou algo em torno de cinco. No führer, todavia, ela apenas causou imperceptíveis escoriações. Identificados os autores do atentado, todos foram fuzilados, com exceção de Rommel (um deus, como dito acima), a quem foi outorgado o direito de praticar suicídio. Contudo, e malgrado a medonha conspiração, fez-se valer a práxis nórdica. Os cortejos fúnebres, tanto de Stauffenberg quanto de Rommel, ostentaram distinções que só são estendidas a chefes de estado. Embora facínora, Hitler, na linguagem maquiavélica, sabia proceder como um príncipe, possuindo os atributos de um: virtù e fortuna.

Churchill
Maquiavel
Virtù, em Maquiavel, não é bondade e justiça. Virtù é a aptidão para melhor visualizar o tabuleiro político, o que permite ao príncipe jogar energicamente para conseguir e sustentar o poder. Fortuna (ou acaso) traduz-se pela oportunidade de pôr em prática a virtù. No caso da “operação valquíria”, uma inegável conspiração contra o príncipe, Hitler pôde contar com a fortuna. E não deixou de aplicar a virtù. Com vigor, eliminou todos os que quiseram pôr uma bomba no seu colo. No capítulo XV de “o príncipe”, Maquiavel ensina que “para se manter príncipe é necessário aprender a ser mau, valendo-se disso quando necessário”. Isto não é uma defesa do nacional-socialismo. É uma defesa do príncipe. Churchill dizia que “quando se tem de matar um homem, não custa nada ser educado”. Não vejo educação alguma em planejar jogar uma bomba no colo do príncipe, até porque o colo do príncipe é um colo sacrossanto.

* Publicado no Jornal da Cidade, edição de domingo e segunda-feira, 16 e 17 de novembro de 2008, Caderno B, pág. 6.


2 comentários:

  1. Parabéns conselheiro pela verdadeira aula de história. Realmente fatídica a morte de olímpio campos. Obrigado pela oportunidade das informações. Pena que a maioria dos sergipanos não tem a preocupação de saber mais sobre os personagens da história política de sergipe.

    Marcílio Nocrato

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  2. Gostaria de parabenizar-lhe pela propriedade com que mescla fatos históricos e dilemas da atualidade dando alma ao saber. Como estudante de direito e amante da história universal, fico em estado de êxtase ao absorver todo esse conhecimento de forma tão simples e atrativa. Suas associações demonstram que a história é cíclica e que precisamos entendê-la para gozar do presente e prever o que o futuro nos reserva. Ansioso por um novo texto, lhe desejo sucesso na missão de propagar o conhecimento e defender a coisa pública.
    Jorge Elias
    jorgeelias@infonet.com.br

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