Os Crimes que abalaram Sergipe
15. Gilberto Amado-Aníbal Theófilo. O crime (*)
Acrísio Torres
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Gilberto Amado |
No dia 20 de junho de 1915, tarde de sábado, um incidente doloroso causou a mais profunda impressão na população do Rio, então capital federal. O triste caso ocorreu à entrada do Jornal do Comércio, entre o deputado federal Gilberto Amado e o literato Aníbal Theófilo, no instante em que no salão do dito jornal realizava-se uma festa literária.
Estava presente grande número de intelectuais. Durante a festa o poeta Aníbal Theófilo repelira o cumprimento de Gilberto Amado, que, no final, por intermédio do advogado Paulo Hasslocker, pedira satisfações pelo ato de incivilidade. Não só negou-se a dá-las, o poeta, mas fez referências desabonadoras ao ofendido.
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Estância-SE, cidade onde nasceu Gilberto Amado |
Então, Gilberto Amado desfechou três tiros de pistola contra Aníbal Theófilo, sendo este prostrado ao solo por um dos projéteis, que atingira a nuca da vítima. Tombara morto o poeta gaúcho. Gilberto foi preso em flagrante, e recolhido ao quartel da brigada policial. Número considerável de amigos, deputados e senadores, passou a visitá-lo, lamentando o infeliz incidente. Por outro lado, o enterro de Aníbal Theófilo, no Cemitério de São Francisco Xavier, teve numeroso acompanhamento, falando à beira do túmulo Alcides Maia, Flexa Ribeiro e Vicente Souza. Logo depois a Sociedade dos Homens de Letras constituíra o advogado Bernardino Bandeira para, como representante da família do morto, acompanhar o processo. Coelho Netto, na ocasião, fez amargas censuras a Gilberto, censuras injustas, aliás, enquanto literatos e jornalistas dividiram as opiniões dos jornais cariocas.
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Coelho Netto |
Há tempos havia entre Gilberto e Aníbal, uma irreconciliável discórdia. Muitas vezes Gilberto sofrera agressões de Aníbal, de quem sempre temera. No seu depoimento diz que, certa vez na redação de Careta, não só o poeta recusou apertar a sua mão, mas disse: “Sai, senão cuspo-lhe na cara”. Não chegou a cuspir na cara de Gilberto, mas fê-lo no solo escarnecedoramente. Leal de Souza e Bilac Guimarães presenciaram o fato e o reafirmaram em juízo. Gilberto confessa haver deixado, envergonhado, a redação de Careta. Nunca antes havia sofrido humilhação tamanha. Não pudera, nunca, mesmo, compreender as desfeitas de Aníbal, que sempre admirara. Na opinião geral, não passavam de “coisas de literatos”. No entanto, continuaram os escárneos e as humilhações de Aníbal Theófilo ao jovem literato sergipano.
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Alberto de Oliveira |
De outra vez, a propósito da derrota de Gilberto Amado para ingressar na Academia Brasileira de Letras, Aníbal lhe dissera na face: “A Academia não quer, dentro dela, covardes e bandidos!”. Humilhações assim teriam um trágico desfecho, no salão da Hora Literária, realizada no Jornal do Comércio. No salão de conferências, sentado ao lado de Alberto de Oliveira, Gilberto foi avistado por Aníbal, que passou a ameaçá-lo. Terminada a festa literária, as provocações de Aníbal continuaram, enquanto a mulher de Gilberto lhe pedia calma. Gilberto talvez estivesse disposto a suportar passivamente mais um insulto, quando Paulo Hasslocker lhe disse: “Gilberto, um homem não suporta isso! Meta a bengala neste bandido”. Gilberto respondeu: “Paulo, nunca tomarei atitude contra inimigos desta ordem!”. Não importava a Gilberto Amado o juízo que dele fizessem, na sua atitude de passividade ante as agressões de Aníbal Theófilo. Nada tendo feito a Aníbal, preferia desprezá-lo sempre, a brigar com ele. Não há negar que Gilberto sentia vergonha de si mesmo, mas sua disposição era de resignação e sacrifício próprios. Para ele, isso era necessário à sua família, mulher e filhos. Nada disso demoveria Aníbal de seus intentos, pois este o aguardava no andar térreo, em atitude de agressão. Procurou uma saída pelos fundos, mas Aníbal o tolhera. Encaminhando-se para o agressor, Paulo Hasslocker teve de recuar a um golpe de Aníbal. Nessa ocasião, sentiu Gilberto que sua desonra e desgraça precisavam de limites, e, conforme declarou no depoimento, sentira que, dentro dele, qualquer coisa de estranho, de confuso, lhe tomara a consciência. Matara Aníbal Theófilo (**).
(*) Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres – SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 61/63.
(**) “... Aníbal Theófilo, assassinado covardemente pelo deputado Gilberto Amado, que, por isso, foi promovido a senador”. Humberto de Campos. Diário Secreto, I, Quarta-feira, 4 de abril de 1928.
- Nova postagem sobre Os Crimes que abalaram Sergipe em 14 de dezembro de 2010. Vai falar sobre o julgamento do crime praticado por Gilberto Amado contra o poeta Aníbal Theófilo, ocorrido no Rio de Janeiro no dia 20 de junho de 1915, tudo de acordo com o autor e obra acima referidos.
Adendo
Poemas do poeta Aníbal Theófilo
Súplica
A provar que hei perdido a segurança
Desde, Senhora, que cheguei a ver-vos,
Ao juízo recusam-se-me os nervos,
E sucede-me insólita mudança.
Tremo por mim, pesar que a linda e mansa
Face vossa me induza a vir dizer-vos
Esta infinita insânia de querer-vos
E na alma quanto sinto de esperança.
Apiedai-vos de mim, cuja loucura
Em toda parte só divisa abrolhos
Depois de ter o olhar de leve posto
Em vosso airoso talhe, em vossa alvura,
Nas duas noites que mostrais nos olhos,
Nas duas rosas que trazeis no rosto.
Cegonha
Em solitária, plácida cegonha
Imersa num cismar ignoto e vago,
Num fim de ocaso, à beira azul de um lago,
Sem tristeza, quem há que os olhos ponha?
Vendo-a, Senhora, vossa mente sonha
Talvez, que o conde de um palácio mago,
Loura fada perversa, em tredo afago,
Mudou nessa pernalta erma e tristonha.
Mas eu, que em prol da Luz do pétreo, denso
Do Ser ou do Não-Ser tento a escalada,
Qual morosa, tenaz, paciente lesma,
Ao vê-la assim, mirar-se n’água, penso
Ver a Dúvida humana debruçada
Sobre a angústia infinita de si mesma!
Biografia de Gilberto Amado
Gilberto Amado, jornalista, político, diplomata, poeta, ensaísta, cronista, romancista e memorialista, nasceu em Estância, SE, em 7 de maio de 1887, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 27 de agosto de 1969. Eleito em 3 de outubro de 1963 para a Cadeira n. 26, na sucessão de Ribeiro Couto, foi recebido em 29 de agosto de 1964, pelo acadêmico Alceu Amoroso Lima. Era o primeiro dos 14 filhos do casal Melchisedech Amado e Ana Amado. Fez os estudos primários em Itaporanga, também no interior do Sergipe. Depois estudou Farmácia na Bahia e diplomou-se pela Faculdade de Direito de Recife, da qual se tornou, ainda muito moço, catedrático de Direito Penal.
Em 1910, transferiu-se para o Rio de Janeiro, iniciando a sua colaboração na imprensa, no Jornal do Commercio com um estudo sobre Luís Delfino. Passou depois a ocupar uma coluna semanal, em O País. Em 1912, realizou sua primeira viagem à Europa assunto de um de seus livros de memórias e em 1913, como era então a moda, pronunciou, no salão nobre do Jornal do Commercio, a convite da Sociedade dos Homens de Letras, uma conferência em que fez o elogio do espírito contemplativo A chave de Salomão, que no ano seguinte, juntamente com outros escritos, seria publicada em livro.
Em 1915, foi eleito deputado federal por Sergipe. Sua atuação na Câmara se fez sentir, sobretudo, através de discursos que se tornaram famosos, como o que pronunciou na sessão de 11 de dezembro de 1916 sobre "As instituições políticas e o meio social no Brasil". Nos últimos anos da República Velha, exerceu mandato no Senado, até encerrar-se a sua carreira política, com a Revolução de 1930. Em 1931, chamou a atenção do país, e especialmente dos revolucionários de 30, vitoriosos mas indecisos, para problemas de direito político, como os sistemas representativos, a representação proporcional, o sufrágio universal. Depois de um curso de conferências sobre esses temas, publicou Eleição e representação (1932), de viva atualidade ainda hoje. Por essa época, voltou ao magistério superior, na Faculdade de Direito do Distrito Federal, iniciando um novo e fecundo período em sua vida, de estudos e trabalhos.
Em 1934, deu início ao que foi, desde então, a sua atividade permanente: a diplomacia. Foi nomeado consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores, sucedendo a Clóvis Beviláqua. Desse posto passou ao de embaixador, sendo a sua primeira missão junto ao governo do Chile (1936). De 1939 a 1947, foi ministro na Finlândia. A partir de 1948, tornou-se membro da Comissão de Direito Internacional da ONU, sediada em Genebra. Os arquivos do Itamarati guardam os numerosos relatórios, pareceres e teses de Gilberto Amado, documentos da sua contribuição ao estudo do Direito Internacional, durante o período de 28 anos em que integrou essa Comissão. Foi também delegado do Brasil a todas as sessões ordinárias da Assembléia Geral da ONU, desde as primeiras, realizadas ainda em Lake Success, logo depois da assinatura da Carta de São Francisco, até à última a que pôde comparecer, reunida em Nova York em 1968. São de sua autoria publicações que se encontram no Anuário das Nações Unidas, tais como: "Direitos e deveres dos Estados", "Definição da agressão", "Processo arbitral", "Reservas às Convenções multilaterais", e outras.
Afastado do Brasil em missões oficiais no exterior, Gilberto Amado aos poucos foi se tornando, entre nós, figura mítica. Periodicamente vinha ao Brasil, fazendo quase sempre coincidir sua permanência no Rio com o lançamento de um novo livro. Como toda figura mítica, tornou-se conhecido, sobretudo, pelas lendas e anedotas que circulavam a seu respeito, reproduzindo ditos espirituosos e atitudes inusitadas. A carreira de escritor seguiu sempre paralela à do político e do diplomata. Em 1917 publicou os versos de Suave ascensão, lírico intermezzo numa fase de intensas preocupações críticas, filosóficas, jurídicas e sociológicas, que se exprimem em sucessivos ensaios sobre problemas brasileiros. Em 1932, publicou Dança sobre o abismo, em que retorna ao ensaio literário, e, no ano seguinte, Dias e horas de vibração, crônicas de Paris. Surgiu como romancista, em 1941, com Inocentes e culpados e, no ano seguinte, com Os interesses da companhia. Em 1954 iniciou a publicação de sua memórias, com História da minha infância, a que se seguiram mais quatro volumes.
Obras: A chave de Salomão e outros escritos, ensaios (1914); A suave ascensão, poesia (1917); Grão de areia, ensaio (1919); Aparências e realidades, ensaio (1922); Eleição e representação, conferências (1932); Dança sobre o abismo, ensaio (1932); Espírito do nosso tempo, ensaio (1933); Dias e horas de vibração, crônicas (1933); Inocentes e culpados, romance (1941); Os interesses da companhia, romance (1942); Poesias (1954); Assis Chateaubriand, ensaio (1953).
MEMÓRIAS: História da minha infância (1954); Minha formação no Recife (1955); Mocidade no Rio e primeira viagem à Europa (1956); Presença na política (1958); Depois da política (1960).
Bom Dia Dr. Clovis, meu nome e Lula Torgersen e sou bisneta do Poeta Anibal Teofilo, cadeira de numero 28 na Academia Amazonense de Letras em 1915, quando foi assassinado a tiros pelo entao deputado Gilberto Amado. Em primeiro lugar gostaria de agradece-lo por trazer a tona o triste episodio do assassinato de meu bisavo em seu blog!
ResponderExcluirSeu blog alem de muito informativo, e completamente verdadeiro no que diz respeito aos fatos ocorridos naquele 19 de junho de 1915. Meu recem falecido pai, Arnaldo Rodrigues, neto de Anibal Teofilo, que foi pesquisador, poeta, literario e pintor, buscou homenagear seu avo escrevendo um livro robusto ‘A Vida e A Morte de Anibal Teofilo’ que nao teve tempo de publicar. Alem de autor de varios outros livros de poesias e contos, este especificamente, demonstrou seu valor como pesquisador e estudioso do cenario literario brasileiro do inicio do seculo XX.
Estamos agora publicando seus trabalhos em um site chamado Livro Virtual (http://www.livrovirtual.com/?a=163F9)e tambem em seu blog http://myblogarnaldorodrigues.blogspot.com/ , atualmente organizado e atualizado por minha mae Elza Rodrigues e irmas Cristina e Fatima Rodrigues.
Se do seu interesse for, por favor refira-se a estes sites como fonte de inspiracao e pesquisa para futuros artigos ligados ao tema. Se desejar, sinta-se a vontade para divulgar os links para promover os trabalhos dos dois autores.
Agradecidamente, Lula Torgersen
Lamento informar que houve um engano na foto postada acima, que é de Machado de Assis e não de Alberto de Oliveira.
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