Aracaju/Se,

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O Mata Escura

Os Crimes que abalaram Sergipe

(I)
O Mata Escura
Acrísio Tôrres (*)
 

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Peretti
Era o ano de 1842. Anselmo Francisco Peretti era presidente da província de Sergipe. Havia nele inteligência desenvolvida, sólidos conhecimentos, acentuada prática de administração pública. Era, porém, homem simples, modesto. “Venho executar uma tarefa muito superior às minhas forças”, dissera ao assumir o poder em 1842, nos primeiros anos do segundo reinado. Dois partidos políticos dividiam e dilaceravam a província de Sergipe. Eram partidos hostis, irreconciliáveis. Os seus chefes, Travassos e Botto, haviam chegado em 1837 a uma paz aparente nas lutas de Santo Amaro. É verdade que a intensidade de seu ódio recíproco começou a enfraquecer, depois da posse de Peretti na administração. Para isso, procurou o presidente da província guardar entre esses chefes a mais completa imparcialidade. Peretti não pertencia nem especulava em nenhum partido político, e logo compreendeu que esses partidos não representavam a expressão generalizada da população. Inteligentemente, colocou-se no centro dos interesses gerais da província. Não eram opiniões políticas divergentes que separavam esses partidos. Eles as tinham inteiramente idênticas, por mais estranho que a assertiva possa parecer.

Eram desagregados por motivos de interesses individuais, afeições e desafeições contrárias, aspirações de predomínio, de superioridade. Nasciam dessas circunstâncias gravíssimos excessos. Homens honestos, de conduta particular ilibada, figuravam em um e no outro partido. Eram incapazes de cometer crimes, de ordenar mesmo a prática de atos infringidores de normas sociais e políticas. Todavia, era à sombra deles que os mais perversos celerados, depois de perpetrarem os seus crimes e atentados, encontravam refúgio e amparo. Estranho contraste, somente explicável pela mentalidade política da época. O homem, acostumado a cevar as suas paixões, afrontava a moral e tudo ultrajava. Perseguia o seu semelhante, atirava-se contra ele, feria-o de morte, e logo proclamava-se membro de um dos partidos políticos da província. Desde então estabelecia-se forte simpatia entre o criminoso e pessoas as mais avessas à pratica de delitos, que o acolhiam, protegiam, defendiam. Era o ódio particular sobrepairando o respeito ao semelhante, à lei, sem o intento consciente de feri-la, nem contrariar autoridades.

As autoridades que não eram coniventes apavoravam-se à vista do patronato que recebia o crime. E, assim, por vezes esmorecia o braço que tinha de erguer a espada da lei, para que não caísse a venda de Temis. Não era necessário a Peretti revolver fatos outrora ocorridos para prova dessa verdade. Pouco antes de sua posse, à luz do dia, assassinos haviam tirado a vida ao vigário da freguesia de Propriá e a mais quatro pessoas, e nem ao menos foram processados. O padre Manuel José da Silva Porto, seguido de trinta sicários, pôs em cerco durante cinco horas a casa de José Álvares Pereira, juiz de paz da vila de Capela. Em presença das autoridades, contra o sitiado, venceu-o afinal, matou-o, e sadicamente lhe fez abrir o ventre. Toda essa pavorosa cena se passou ante os olhos da família do magistrado morto. No entanto, o assassino, padre Silva Porto, havia achado asilo na sua província e na de Alagoas, não tendo expiado ainda, até Peretti, tamanha manifestação de ferocidade. Havia insegurança nas próprias cadeias. Uma infeliz viúva foi espingardeada, como antes o marido, no quartel de um destacamento, onde, por estar em custódia, devia julgar-se segura.

Os criminosos, que suprimiram à miserável mulher a existência e lhe roubaram o ouro, viviam impunes. Não temiam a opinião pública, as autoridades, a justiça, os seus agentes. Eram, pelo povo, ironicamente chamados “chefes de polícia”. Peretti foi austero em favor da consecução e conservação da ordem, da tranquilidade pública na província de Sergipe. Perseguiu sem alívio os criminosos, envidando os seus esforços e os recursos da presidência no sentido de que fossem presos e punidos. Foi peremptório o presidente da província. “E se tais meios não bastarem, invocarei o auxílio do Imperador, … a fim de que aqui não haja quem por si ou por alheio socorro se julgue superior às leis e às autoridades”. Peretti havia assegurado não consentir, em sua administração, que nesta parte do Império, na província de Sergipe, o fraco continuasse à mercê do prepotente, e o homem pacífico a ser vítima da sanha de rivais sem consciência, avezados a transpor os limites do justo e do honesto. A população começou a respirar.

(*) - Do livro Sergipe/Crimes Políticos I, Cenas da vida sergipana 2, autoria de Acrísio Torres, Thesaurus Editora, prefácio do jornalista Orlando Dantas, páginas 75 a 77.

- Nova postagem de cenas da vida sergipana no dia 4 de janeiro de 2011. Vai continuar abordando  a história de Mata Escura, um criminoso sergipano, ainda do tempo do império, que foi condenado a morrer enforcado, tudo de acordo com o autor e obra acima.

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