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Sobral Pinto, A Consciência do Brasil
A Cruzada contra o Regime Vargas
Autor – John W.F.Dulles
John W.F.Dulles é professor universitário de Estudos Latino-americanos na Universidade do Texas, em Austin, onde dá aulas de Política Brasileira. Publicou nove livros no Brasil, incluindo, mais recentemente, os dois volumes da obra Carlos Lacerda – A vida de um lutador, pelo qual foi agraciado com o Diploma Jonatas Serrano (hors-concours) da Academia Carioca de Letras e da União Brasileira de Escritores. Desta vez o historiador Dulles dedicou-se ao estudo da vasta correspondência do advogado brasileiro Heráclito Fontoura Sobral Pinto – que ainda não estava disponível para pesquisadores – ressaltando que o mais constante oponente de Getúlio Vargas foi um verdadeiro reformista, incomparável em demonstrar coragem e veemência face a juízes, tribunais e homens no poder.
Através de casos legais, ativismo em associações católicas e advocatícias, polêmicas jornalísticas e uma volumosa correspondência, Sobral Pinto lutou por democracia, moralidade e justiça, particularmente pelos desfavorecidos, sendo aclamado por seus admiradores como “uma dessas raras figuras heróicas no estilo das de Plutarco” e como “um intrépido Dom Quixote”. Em 1945 Alceu Amoroso Lima chamou Sobral de “O chefe da resistência moral”. E explicou: “Se vejo em Sobral Pinto a maior figura viva da nossa geração e o mais seguro orientador de nossos atos na difícil transição que estamos vivendo, é justamente porque a sua fortaleza moral e as suas convicções jurídicas e democráticas não se apóiam no primado dos acontecimentos ou no capricho das preferências, mas na rocha inabalável da Fé, da Esperança e da Caridade, as supremas virtudes que nos levam a Deus”.
Além dos muitos detalhes que este livro adiciona à história brasileira, ele ilumina o caráter de um homem que sacrificou seu sucesso financeiro no interesse da luta pela justiça e pela caridade. É leitura importante não apenas para estudiosos da história brasileira, mas também para um público mais abrangente, interessado na causa dos direitos humanos e da liberdade política, assim como serve de referência aos reformistas que continuam essa batalha.
O autor
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John Watson Foster Dulles |
John W. F. Dulles:
um historiador do Brasil
(1913-2008)
Por Paulo Roberto de Almeida
Faleceu, no dia 23 de junho de 2008, aos 95 anos, num hospital de San Antonio, Texas, o historiador americano, brasilianista, John W. F. Dulles, deixando atrás de si enorme obra historiográfica sobre o Brasil contemporâneo. Hans Staden foi, provavelmente, o primeiro brasilianista de nossa história. Tendo sido capturado pelos índios tupinambás em meados do século XVI, o aventureiro alemão produziu, em seu retorno à Europa, um relato tão minucioso quanto fantástico de sua estada no Brasil: aparentemente ele conseguiu escapar quando seus algozes já se preparavam para degustar como verdadeiras delicatessen as partes mais saborosas de seu corpo. As práticas canibalescas, rituais ou gastronômicas, dos selvagens americanos estão, contudo, sendo contestadas pela moderna pesquisa antropológica, o que faz de nosso primeiro brasilianista antes um contador de aventuras do que um intérprete fiel da realidade brasileira de então.
Seja como for, nas pegadas de Hans Staden muitos outros visitantes estrangeiros percorreram os caminhos do Brasil em busca do fantástico e do exótico. Nesses cinco séculos de história, a espécie se multiplicou e uma fauna variegada de pesquisadores estrangeiros passou a freqüentar nossos arquivos e bibliotecas, a entrevistar autoridades civis e militares, a visitar fábricas e a palmilhar favelas e frentes de ocupação agrícola. Nem todos eles estariam dispostos a ver em Hans Staden o patrono da tribo dos brasilianistas, mas certamente a maior parte deles concordaria em que John Foster Dulles foi um de seus mais legítimos representantes. O velho Foster Dulles, que foi apelidado de “falcão da Guerra Fria”, nunca conseguiu que seus dois filhos homens trilhassem o caminho dos estadistas da família. O mais jovem, Avery, converteu-se ao catolicismo romano e tornou-se um dos mais respeitados teólogos da Igreja católica norte-americana. O mais velho, John (1913), preferiu ser engenheiro metalúrgico a enveredar pelo Direito e a diplomacia. Foi nessa condição que ele passou 16 anos trabalhando ao Sul do Rio Grande, de onde emergiu como mexicanista ao publicar, em 1961, Yesterday in Mexico, uma das melhores crônicas históricas sobre a revolução mexicana. Nessa época, o historiador amador resolveu aceitar um convite para vir trabalhar no Brasil a serviço da Hanna Mining, onde se consolidou seu gosto pela história narrativa, especialmente aquela ligada aos eventos políticos contemporâneos. De 1959 a 1962, como engenheiro, ele trabalhou na Cia. Mineração Novalimense, em Belo Horizonte.
Sua reputação de brasilianista competente foi inaugurada desde a aparição, em 1967, de Vargas of Brazil, uma sólida e equilibrada biografia política do grande líder brasileiro, que mereceria uma segunda edição nacional. Já definitivamente ligado à Universidade do Texas em Austin, John W. F. Dulles – como ele preferia ver o seu nome grafado, sendo que o W é de Welsh – deu prosseguimento a uma das mais consistentes carreiras acadêmicas ligadas ao estudo da história do Brasil contemporâneo nos Estados Unidos, junto com Thomas Skidmore, Robert Levine e Joseph Love. Em curto espaço de tempo ele publicou vários livros de história política brasileira: Unrest in Brazil (Agitação no Brasil, 1970), um precioso relato das crises político-militares dos anos 1955-1964, infelizmente ainda não editado em nosso país; Anarquistas e Comunistas no Brasil (1973), obra de consulta obrigatória para quem quiser reconstituir a história do movimento operário nas primeiras quatro décadas do século XX; dois volumes da minuciosa biografia do Presidente Castelo Branco (1978 e 1980), ambos oportunamente publicados no Brasil, aparentemente sem grande sucesso editorial e de público. Na seqüência das biografias, ele trataria ainda de Carlos Lacerda e Sobral Pinto, dois personagens que lutaram, cada um à sua maneira, pela democracia no Brasil.
Em 1983, a Editora da Universidade do Texas publicava o seu extremamente bem documentado Brazilian Communism, editado no Brasil pela Nova Fronteira em 1985, tendo sido precedido no Brasil, em 1984, pelo substancioso relato histórico sobre A Faculdade de Direito de São Paulo e a Resistência Anti-Vargas. Em ambos os livros, mas sobretudo em O Comunismo no Brasil, Dulles revela os inegáveis méritos e as inevitáveis insuficiências da narrativa histórica tradicional: o desfile impressionante de imensa quantidade de eventos, personagens e datas, a par do reduzido, ou quase nulo, esforço interpretativo. Essas características estão sobretudo presentes nos relatos biográficos, mas são também evidentes nas extensivas pesquisas sobre o movimento comunista brasileiro. Na maior parte dos casos, a abundância de informações factuais, rigorosamente precisas e alinhadas cronologicamente, conduz à submersão do processo histórico global, confirmando o velho dito de que uma árvore pode encobrir a floresta. Na verdade, não há nada de errado na compulsão documentalista do método do Professor Dulles: os ensaios interpretativos nunca poderiam ser feitos sem a matéria-prima da chamada histoire événementielle. Na França, aliás, a pátria de eleição da história estrutural no estilo dos Annales, assiste-se a uma retomada da história tradicional, depois de décadas de ditadura do processo sobre o evento. Em defesa do “narrador” Dulles deve ser dito que jornais antigos, documentos raros, protagonistas diretos e testemunhas privilegiadas não costumam freqüentar voluntariamente os gabinetes dos historiadores “interpretativos”. É preciso um árduo esforço de leituras, disposição para realizar centenas de entrevistas pessoais e, muitas vezes, uma resistência comprovada a poeira, traças e diversos tipos de roedores “críticos” para que obras do quilate das de Dulles venham à luz. A já vasta produção historiográfica do brasilianista de Austin tornou-se assim um referencial obrigatório para os historiadores e cientistas sociais brasileiros, fornecendo substrato material a uma visão global de nosso processo de desenvolvimento político e social.
O mais famoso brasilianista americano, que dividia seu ano acadêmico entre as cadeiras de Estudos Latino-americanos na Universidade do Texas em Austin e de História na Universidade do Arizona em Tucson, trabalhou em seus últimos anos em biografias políticas, uma das quais de Carlos Lacerda. A apresentação meticulosa e objetiva, ainda que elogiosa, da atuação política e jornalística do mais famoso tribuno do regime de 1946, pode abrir caminho a uma reavaliação crítica dessa figura controversa de nossa história. Lacerda foi odiado ou exaltado, por adversários e admiradores, mas raramente examinado com isenção. A historiografia contemporânea produzida no Brasil, geralmente de orientação progressista quando não esquerdista, tem sido implacável com o “demolidor de Presidentes”, como era conhecida essa figura de proa da UDN. Indiferente a nossas paixões partidárias, o Professor Dulles contribuiu recuperar para o presente um animal político que parece irremediavelmente extinto no cenário nacional: o líder de massas e o insuflador de opiniões. Ele não deu, infelizmente, continuidade à sua pesquisa sobre as correntes de esquerda na política brasileira. Anarquistas e Comunistas cobria os primeiros 35 anos do século XX e O Comunismo no Brasil contava a história do PCB entre 1935 e 1945. A documentação acumulada por Dulles sobre o período mais recente lhe permitiria, por exemplo, reconstituir a história do comunismo no Brasil em sua fase de ascensão e declínio, isto é, 1945-1964, e depois relatar a experiência dos movimentos de esquerda entre o golpe militar e a anistia de 1979. Cumprido este programa, o filho do ex-Secretário de Estado de Eisenhower teria deixado uma marca indelével na historiografia política brasileira, revelando a muitos de nós detalhes pouco conhecidos de nossa própria história.
Infelizmente, ele veio a falecer em junho de 2008, em plena atividade intelectual. Seu último livro publicado (em 2007) foi, justamente, Resisting Brazil's Military Regime: An Account of the Battles of Sobral Pinto, já traduzido e publicado no Brasil. Independentemente de considerações metodológicas que se possa fazer sobre sua obra, sua história “narrativa” vai seguramente resistir à marca do tempo e fornecer a mais de uma geração de historiadores brasileiros o fio condutor de sábias “interpretações” e doutas “lucubrações” sobre a política brasileira no decorrer do século XX.
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