O papel da Ordem
O Ex-Presidente Mário Sérgio Duarte Garcia toma a iniciativa do debate. Confiram.
Com a modernidade, aprendeu tanto a trabalhar em equipe como a usar a internet. A preocupação maior é com as mudanças no processo que visam a acelerar os julgamentos mas que podem cercear o acesso à Justiça. E se tem alternativas para oferecer, indica a arbitragem como uma saída para o congestionamento da via judicial. "Pode não ser barato, mas é eficaz e resolve os problemas."
Além de sócio do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados faz parte do corpo de árbitros do Centro de Arbitragem da Câmara do Comércio Brasil-Canadá, da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Conselho Arbitral do Estado de São Paulo (Caesp).
Nesta entrevista, da qual participaram as jornalistas Lilian Matsuura e Geiza Martins, Mário Sérgio fala do papel da OAB, dos rumos da arbitragem, das mudanças do processo e também da globalização da advocacia: seu escritório é uma das raras firmas brasileiras que receberam autorização do governo da China para instalar uma filial naquele país.
Mário Sérgio Duarte Garcia — Sim, houve uma mudança radical. Estou formado há 55 anos e dois anos antes de me formar eu já trabalhava em um escritório com três advogados. Exercia um tipo de advocacia completamente diferente da que existe hoje, seja em relação à clientela, seja quanto aos mecanismos que você tinha para exercer a advocacia. Trabalhava com manuscritos e datilografava na máquina de escrever. É claro que isso mudou muito de lá para cá. Os escritórios cresceram muito, partindo da experiência pioneira do Pinheiro Neto, que tinha uma estrutura parecida com a dos escritórios europeus e americanos.
Mário Sérgio — Deixou-se de exercer um tipo de advocacia em que o contato com os clientes era direto. Hoje esse contato é feito através da equipe de advogados do escritório. Com isso o profissional ganha a oportunidade de diversificar a sua atividade. Além disso, novos campos de atuação surgiram, como o Direito Ambiental e o Direito de Informática. Os escritórios mais importantes de São Paulo e do Brasil, acabaram se espalhando pelo país todo. Nós temos escritório
Mário Sérgio — À medida que o escritório cresce, diminuem as condições para dispensar um atendimento pessoal. Com o volume de serviço não temos condições físicas de participar de todos os atos e reuniões relativos ao processo. Muitas vezes, isso gera desconforto para o cliente. Eu procuro estar presente, mas quando não consigo os advogados que trabalham diretamente comigo fazem essa tarefa. Isso é conseqüência, em parte, destas mudanças e não é só no meu escritório. Nas organizações maiores não existe o advogado escoteiro, aquele que atende um cliente, pega procuração, manifesta, recorre para o Tribunal e sustenta. Nesses escritórios o trabalho é distribuido por funções. Eu, por exemplo, sou o advogado que mais atua no âmbito dos Tribunais. E fico sabendo do que está acontecendo no caso através da troca de informações com os outros advogados.
Mário Sérgio — Hoje existem mecanismos mais ágeis para exercer a advocacia. Antigamente o cliente tinha que telefonar, ir até o escritório para fazer uma consulta, depois mandar por escrito. Na época chegava pelo correio ou vinha por um portador. Além da agilidade de receber e mandar informações por e-mail com a internet, temos o sistema de moto-taxi, até mesmo o correio se tornou mais ágil. Isso constitui em maior demanda no exercício da advocacia, mas a gente vai se acostumando. Eu, quando estiver bem acostumado já estarei chegando na hora de me aposentar. Estou com 79 anos.
Mário Sérgio — Ela trouxe uma nova estrutura para os escritórios, com isso é possível se comunicar aqui e também no exterior. Nosso escritório ocupa 4 andares e meio, e nós fazemos muita reunião por e-mail.
Mário Sérgio — Nós fomos convidados pelo governo da China em uma ocasião em que o país abriu oportunidades para escritórios estrangeiros. Estudamos as perspectivas da China e chegamos à conclusão que convinha a nós. Estamos lá há vários anos e hoje temos um advogado residente lá. Somos um dos poucos escritórios brasileiros que tem essa condição. Outros escritórios importantes aqui de São Paulo nos antecederam na China.
Mário Sérgio — Temos atuado muito com chineses que têm vindo para o Brasil. Fomos advogados de uma siderurgica nacional da China que fez uma joint-venture com a Vale do Rio Doce, para se instalar no Brasil, mais precisamente no Maranhão. Mas não deu certo porque a burocracia brasileira afugentou esse grupo chinês e eles acabaram não formalizando o negócio. Foi um trabalho muito intenso, muito grande.
Mário Sérgio — Quando abrimos o nosso escritório na China houve por parte do governo a exigência de que tivéssemos escritório
Mário Sérgio — Ele não pode atuar nos tribunais, e a rigor ele não pode nem prestar assessoria para empresas brasileiras se for sobre direito chinês. Só sobre direito brasileiro.
Mário Sérgio — O escritório estrangeiro se inscreve no Brasil, mas só pode tratar de assunto relativo a direito estrangeiro. Quando temos algum problema que exige uma atuação na China, trabalhamos com outro escritório chinês.
Mário Sérgio — Está certo no sentido de evitar que eles possam vir a constituir ou praticar uma simulação, advogados estrangeiros que estejam desbordando em direito brasileiro aqui. A atuação dos escritórios estrangeiros deve ficar subordinada a uma fiscalização efetiva de que o serviço está sendo prestado exclusivamente em matéria de direito estrangeiro.
Mário Sérgio — Escritórios estrangeiros têm vindo para o Brasil e aqui contratam advogados brasileiros. Fica muito difícil saber se o advogado estrangeiro está fazendo ou não um serviço que é de possibilidade exclusiva do brasileiro. Há algum tempo houve um problema na Ordem porque havia uma mistura de escritório inglês com escritório brasileiro atuando no mesmo lugar. Mas isso foi regularizado, eles foram separados, o inglês ficou cuidando só de direito inglês, e os brasileiros de cliente brasileiros.
Mário Sérgio — Atualmente, em um país democrático a Ordem tem que se dedicar aos assuntos da classe muito mais do que aos assuntos que dizem respeito a vida institucional do país. Mas assim mesmo ela tem atuado institucionalmente quando ocorrem fatos que reclamam sua manifestação. Hoje, temos até mais, possibilidade de atuação. Por força de um dispositivo constitucional, a Ordem indica membros da classe para comporem os tribunais superiores. Isso exigr um esforço grande da Ordem, inclusive quando surgem problemas como quando o Superior Tribunal de Justiça rejeitou uma lista que a Ordem encaminhou.
Mário Sérgio — Não. O STJ não recusou oficialmente a lista apresentada pela OAB. Apenas afirmou que não atingiu o número de votos necessários para aprovação. Isso provocou uma ação da Ordem perante o Supremo Tribunal Federal, mas infelizmente a OAB não teve êxito nessa tentativa de questionar a decisão do STJ e agora está organizando três listas para as vagas da dvocacia no tribunal. Temos ainda listas pendentes no Tribunal Superior do Trabalho e no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Mário Sérgio — A cassação do governador do Distrito Federal aconteceu no inicio do mandato do Ophir Cavalcante, no período em que o Conselho não estava reunido. Então, ele foi obrigado a adotar a atitude que lhe pareceu a mais adequada. Em fevereiro, quando o Conselho se reuniu, essa questão foi objeto de muito debate e o Conselho acabou aprovando a decisão do presidente. Entendo que, a rigor, não seria possível qualquer atitude da ordem pedindo prisão de alguém. No caso do governador, a despeito de todos os ilícitos que ele possa ter cometido, defendo que qualquer criminoso tem direito a ser defendido. Então, discordei, mas o Conselho entendeu que o movimento foi legítimo.
Mário Sérgio — Não, mas se o preso lidera facções criminosas a permanência dele em um presídio comum é deletéria na medida em que ele acaba liderando os demais presos na cadeia. O ideal é isolar, como ocorre no presídio federal
Mário Sérgio — A rigor não poderia ter a gravação da conversa entre preso e advogado porque quebra o sigilo essencial ao exercício da advocacia, no sentido de que você possa defender o preso. Não advogo na área criminal, mas acompanho o que está ocorrendo. No Conselho Federal vemos muito problema dessa natureza.
Mário Sérgio — A Lei de Anistia teve origem na própria luta que a Ordem travou pela anistia. Eu era presidente da OAB
Mário Sérgio — Eu respeito a posição de quem defendeu a revisão e com razões de peso, mas em verdade é reviver um assunto que está sepultado. Lastimavelmente passamos por um período negro da vida do país, muito triste, mas isso passou, e, inclusive, muitos políticos que se viram atingidos foram contra a revisão do caso.
Mário Sérgio — Sim. Teve o caso da Argentina, onde houve revisão. Acho que o país de certa forma anuncia que pode sofrer sanções internacionais pelo fato de não ter aplicado a lei ou deixado de aplicar a lei de anistia a quem cometeu esses delitos. Porque, em verdade, não é uma apreciação romântica. Quem lutou e sofreu violências, lutava por um ideal de busca da democracia. Então, até sob esse aspecto eu cumprimento a posição de quem defendeu a inaplicabilidade da Lei da Anistia para quem foi acusado por esses crimes.
Mário Sérgio — A Ordem tinha uma atuação muito grande na base institucional do país. No tempo em que eu fui presidente do Conselho Federal, de
Mário Sérgio — A Ordem realizou dois congressos muito importantes a esse respeito e levou ao Congresso Nacional contribuições e sugestões, no sentido de que nós tivéssemos uma carta magna adequada aos interesses nacionais. Com apoio popular, somando esforço com todas as entidades da sociedade civil que lutavam pela nova Constituição, a OAB acabou deflagrando um movimento. , houve apresentação até de um projeto que o governo quis encaminhar através de uma comissão sub-constituida, mas que acabou não dando nenhum resultado objetivo e instalou-se a constituinte.
Mário Sérgio — Os advogados contribuíram para a Constituinte com sugestões e pressão política, Depois de todo esse trabalho, por uma proposta do deputado Michel Temer, foi incluido na Constituição Federal o dispositivo que estabelece que o advogado é elemento essencial à aplicação da Justiça. E isso congregou todos os democratas que ansiavam por uma lei maior nova no país.
Mário Sérgio — Há certos setores que estão acompanhando. Mas alguns estados como o Rio Grande do Sul e São Paulo ainda não conseguiram acompanhar com a mesma rapidez o trabalho que foi feito por outros Tribunais, naturalmente com menos processos. Já no Superior Tribunal de Justiça não existe mais papel. Tudo que vai para o STJ é digitalizado. O Supremo Tribunal Federal está querendo também caminhar nesse sentido e já tem algum progresso para fazer determinados processos via digital. Pode provocar rapidez maior no andamento dos processos. A única preocupação é quando os tribunais estabelecem certar modificações processuais com o objetivo de reduzir recursos e acabam impedindo que os processos cheguem aos tribunais.
Mário Sérgio — Além de um rigor excessivo dos Tribunais, no sentido de formular determinadas exigências que muitas vezes podem não ser atendidas, acabam impedindo o conhecimento de recursos que por lá tramitam. O STJ passou a punir recurso de Agravo Regimental. Quando se impetra um Agravo de Instrumento para ser decidido pela Turma, que também pode ser decidido monocraticamente, e é negado, pode-se usar o Agravo Regimental. O problema é que o prazo é de apenas cinco dias para entrar com o Agravo Regimental, e muitas vezes você não tem oportunidade de consultar o cliente. E a multa é de 1 % sobre o valor da causa. Se for uma questão grande você pode pegar uma multa pesada. Essas medidas têm decorrido da quantidade de recursos, mas é ruim para a distribuição da Justiça. Por outro lado, acredito que o excesso de recursos acarreta em morosidade.
Mário Sérgio — Sim. No Supremo, a Repercussão Geral é aplicada como forma de restringir o número de processos. É compreensível, porque o Supremo, a rigor, deveria ser apenas um tribunal constitucional, mas têm subido para lá questões que só têm importância para o autor. A Súmula Vinculante também foi importante, porque fixa uma orientação que está já solidificada a respeito de determinados termos jurídicos. Mas isso também acarreta uma restrição na apreciação de questões, por exemplo, a Súmula 7 do STJ que diz que não pode ser apreciada
Mário Sérgio — No projeto do Código do Processo Civil eles estão querendo excluir uma série de recursos e estabelecer a coletivização das ações. Imagine se um advogado inexperiente de uma cidade do interior do Maranhão entra com uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Se houver uma ação dessa natureza que possa se repetir então esse novo dispositivo do Código de Processo estabelece então a coletivização da ação, enquanto não for decidida aquela primeira ação nenhuma outra pode ser decidida. Se um juiz de primeira instancia, inexperiente, decidiu errado, isso vai ter reflexo em todas as ações subseqüentes. Sob esse aspecto, o judiciário muito preocupado com o número de recursos, pode afetar profundamente a boa distribuição da Justiça.
Mário Sérgio — A esperança é a ultima que morre. Mas vamos ver em que medida esses projetos de mudanças do Código de Processo pode afetar direitos fundamentais. A Constituição já estabelece que a lei não pode impedir o acesso ao judiciário.
Mário Sérgio — Eu tenho feito muita arbitragem. O único problema é que a arbitragem não permite que você recorra da decisão. É definitiva, a não ser que haja alguma ilegalidade cometida durante a arbitragem. É uma formula alternativa de solução de controvérsias, que atinge o seu objetivo e resolve questões. Acho que isso tem contribuído para resolver problemas, solucionar divergências, e aplicar aquilo que no judiciário levaria muitos anos para se resolver.
Mário Sérgio — A arbitragem é cara em termos, se você pegar a arbitragem do CCI [Câmara de Comércio Internacional, de Paris], por exemplo, os honorários dos árbitros são fixados em função do valor
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