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sábado, 14 de agosto de 2010

Ao Vencedor, as Batatas

Artigo Pessoal

Ao vencedor, as batatas
Clóvis Barbosa

Churchill
A guerra. Que troço intrigante. Uns morrem nela. Outros vivem dela. O escandaloso, contudo, é que, no fim, ela acaba em paz. Se por rendição ou eliminação de quem perde, não importa. Relevante é que a guerra não dura para sempre. Pelo menos quando é travada literalmente no campo de batalha. Ali onde ela se concebe enquanto embate político, porém, pode até perpetuar-se. Nesse ponto, deve-se concordar com Churchill. “Política e guerra são igualmente excitantes e perigosas. Acontece que, na guerra, morremos uma única vez, enquanto que, na política, morremos inúmeras”, ensinava o estadista. Com efeito, esse é o inevitável problema da guerra política: saber morrer. Churchill soube. Ainda quando foi vítima de uma medonha injustiça. Isso, a rigor, é o que notavelmente distingue os fracos dos fortes. Estes aceitam a derrota, mesmo que injusta; aqueles não a querem, mesmo quando a merecem.

suástica
Clemente Attlee
Não fosse Churchill, ao invés de o estandarte de uma democracia, a suástica teria sido fincada na lua em 1969. Ou antes. Ou nunca. Mas a terra certamente vestiria uma suástica. Todavia, Churchill venceu a guerra. Pegou o bonde andando em 1940, quando sucedeu Chamberlain, em cujas mãos a Grã-Bretanha e o mundo corriam o risco de soçobrar. Após iniciais baixas, a Inglaterra, pela habilidosa batuta de Churchill, trouxe os EUA para o front. Pois bem, com a derrota da Alemanha, em 1945, o planeta retomou seu curso normal e Churchill, vitorioso, candidatou-se à recondução como premiê, na certeza de que o parlamento inglês reconheceria sua grandeza e o elegeria novamente. Coisa nenhuma. Sobreviveu à grande guerra, mas morreu (temporariamente) na política, perdendo o pleito para o trabalhista Clemente Attlee. O que fez Churchill? Xingou Attlee? Não. Digeriu a derrota e recolheu-se.

Memorias da Segunda
 Guerra Mundial
Resultado? Churchill concentrou-se na conclusão de sua monumental obra (Memórias da 2ª. Guerra Mundial), que lhe renderia o Nobel de literatura em 1953. Em suma, como soube perder, Churchill também saiu vencedor. Tanto que, em 1951, já com 76 anos, Churchill retomou o cargo de primeiro-ministro. É assim que as coisas funcionam na política. Morrem-se inúmeras vezes, mas também se ressuscita inúmeras vezes. Salvo quando a estupidez não autoriza. Estúpidos não sabem sequer administrar vitórias. Se, ao invés de ter sido o maior guerreiro de todos os tempos, Alexandre, o Grande, fosse um estúpido, a batalha de Issus poderia ter tomado itinerário diverso. Após derrotar Dario III, em 333 a.C., Alexandre, cujo exército capturara entes queridos do derrotado, deu-lhes não tratamento de reféns, mas de hóspedes. Ele não tinha em Dario um inimigo, mas um adversário. Saiu duplamente fortalecido.

Marcelo Déda
 Governador do Estado de Sergipe
Eis o arquétipo do político ideal: aquele que detém a magia de transformar derrotas em vitórias e vitórias em conquistas ainda mais memoráveis. Eis o arquétipo do político estúpido: aquele cuja débil ossatura só é capaz de projetar a engenharia do caos. Quando vencedor transforma a vitória em derrota; quando derrotado, transforma a perda em sepultamento. O estúpido, na política, não morre inúmeras vezes. Morre apenas uma. A morte política, entretanto, depende mais da perspectiva do derrotado, do que do tratamento que lhe é conferido pelo vencedor. Daí, a necessidade de encarar cada batalha apenas como uma fase do longo processo que é a biografia política. Veja-se, por exemplo, a biografia política do jovem Marcelo Déda. Perdeu algumas batalhas? Sim. Mas por que transpira um como que de invencibilidade? Porque digeriu as derrotas, capitalizando-as, a fim de, mais tarde, lucrar com elas.

Aqui, vem a calhar uma breve referência a um dos mais imponentes romances de Machado de Assis: Quincas Borba. Nessa obra, Machado introduz uma filosofia de cunho escatológico, à qual dá o nome de humanitismo. No humanitismo de Quincas Borba, há situações em que a própria vida lança seus alicerces na morte de outrem. Esse ponto-de-vista é ilustrado com a seguinte estória: imaginem-se duas tribos rivais famintas diante das quais há uma plantação de batatas. As batatas mostram-se suficientes para alimentar só uma das tribos. Se elas fizerem a paz, no sentido de comerem juntas as batatas, todos morrerão de inanição. Solução? A guerra. A morte de uma tribo viabilizará a vida da outra. Morte, nesse caso, é vida. Ao derrotado, o extermínio; ao vencedor, as batatas. O emprego irônico das batatas para recompensar o êxito demonstra o menoscabo de Ma-chado por quem despreza a vida e a dignidade alheias.

Ao vencedor, as batatas
Numa palavra, quem vê no extermínio do adversário a única saída para a sua vitória, merece como prêmio um punhado de batatas. Quando perdia, Déda atribuía a si próprio a razão da perda. Hoje, um vencedor, Déda atribui ao povo a razão das vitórias. E, mais importante, não humilha o derrotado. Por isso, não lucra tão-somente batatas nas vitórias que galga. Comemora a vitória, vibra com elas. Estupidamente, um dos derrotados no último pleito garantiu que Déda comemorou em demasia a vitória de Edvaldo, arrotando que ele só fez isso porque bebeu uma cervejinha além da conta. Interessante, Alexandre comemorava suas vitórias com vinho. Churchill, com whisky. Obviamente, uma cervejinha acompanhou a vitória esmagadora de Déda e de Edvaldo. Uma coisa é certa. Embora Quincas Borba assegure que batatas ficam para o vencedor, aqui o troféu foi outro. Ao vencedor, a cerveja; ao perdedor, as batatas.

* Publicado no Jornal da Cidade, edição de quarta-feira, 15 de outubro de 2008, Caderno B, pág. 06.

Um comentário:

  1. Ótimo texto. Pela reforma ortogréfica puxa-saco se escreve com ou sem hífen?

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