Aracaju/Se,

sábado, 18 de dezembro de 2010

A Nau dos Insensatos

Artigo pessoal

A nau dos insensatos
Clóvis Barbosa (*)

Friedrich Nietzsche
1844-1900
É verdade. Muitos que lêem, aprendem. Outros não. A bíblia, a história, os grandes mestres, a filosofia, as obras literárias, estão cheias de ensinamentos. O homem, entretanto, apesar de ser capaz de desenvolver descobertas fantásticas na área da tecnologia, involuiu no campo do aprendizado com a vida. Teima em repetir erros cotidianamente registrados nos anais da história. Tudo bem. Erra-se inconscientemente, não era essa a pretensão, justifica-se, após produzir o caos e a destruição antes do tempo. Nada disso, conversa fiada! Erra-se porque não é sábio, não assimilou os bons ensinamentos e optou pela mediocridade como exemplo. Incorporou maus sentimentos ao seu cotidiano. Vaidade, auto-suficiência, arrogância e, sobretudo, esqueceu-se de ouvir. Ou ouviu mal. Nietzsche estava certo: "Deus acertou ao limitar a inteligência humana, mas errou em não limitar a burrice". O “conselho” que, conforme se diz, se fosse bom, não se dava, vendia-se, o que não é verdade, é o maior exemplo de como a insensatez predomina na mente dos incautos.

José Ingenieros
1877-1925

Conselho sempre foi bom e faz muita diferença numa situação de conflito, principalmen-te quando é dado por pessoas, como diria Ingenieros (O Homem Medíocre, Ícone Editora), que extasiam-se diante de um crepúsculo, sonham frente a aurora ou se arrepiam na eminência de uma tempestade, que gostem de passear com Dante, rir com Moliere, tremer com as tragédias de Shakespeare ou assombrar com Wagner. Enfim, o conselho sempre é bom quando dado por quem sabe velejar nos mares da sensatez. Agora, só dá certo para quem precisa e para quem quer ser ajudado. Aqueles que se acham argutos, espertos, eruditos, não! Por serem auto-suficientes, e muitas vezes, por assim se acharem, preferem se unir aos vampiros de energia, aqueles que são ornados de todas as virtudes da mediocridade. Tobias (4,18) sempre ensinou seu filho a dar ouvidos aos conselhos dos sábios e a não desprezar nenhum bom conselho.

Tobias fez desses ensinamentos, o seu caminhar pela sua longa vida. E morreu cercado de honra, aos cento e dezessete anos de idade. A mulher de Ló (Gênesis 19,26) recebeu também boas instruções, mas sua índole era cheia de desdém, o que fez com que Deus a castigasse, transformando-a em estátua. Todos sabem como se deu a destruição de So-doma. Justamente por terem amparado os dois anjos da fúria dos habitantes da cidade, foi Ló aconselhado a sair daquele lugar com a sua mulher e as duas filhas antes da destruição, sob a fixa determinação de não olhar para trás e não parar em lugar algum, seguindo para a montanha. Não era para olhar para trás, mas a mulher não quis ouvir o conselho, resultado, virou uma estátua de sal; o rei Roboão (1 Reis 12,8) não aceitou ser guiado pelos ensinamentos dos anciãos, que tantos serviços prestaram a Salomão, seu pai, quando ainda estava vivo, preferindo outro caminho. Seguiu os inaptos, sem cultura, sem experiência, resultado, perdeu dez tribos e continuou sendo um apoucado; se Nabucodonosor (Daniel, 4,24-33) tivesse ouvido Daniel, que o aconselhou a pagar os seus pecados praticando a compaixão e reparando as suas faltas cuidando dos pobres, ele não teria sido transformado em animal, comendo capim como gado e a ficar ao esmo. “Seu cabelo ficou comprido como penas de águia e as unhas cresceram como unhas de passarinho”; e Judas Macabeu (1 Macabeus 9,1-18), o mais forte dos homens, cujos feitos lhe renderam a fama, o herói do povo de Israel, não teria perdido a vida caso houvesse seguido as palavras dos seus companheiros que, sensatamente, tentaram demovê-lo da idéia de enfrentar um exército bem mais numeroso, logo após a deserção desenfreada de seus homens. Portanto, quem ignora e descrê dos bons conselhos, seguindo a sua presunção, perde o bonde da história.

Baltasar Gracian
1601-1658

Faz com que a inteligência seja ofuscada pela mediocridade, ou como diria Flaubert, “um homem que pensa de maneira baixa”. Gracian (A Arte da Prudência, Editora Sextante), acentua que a vida humana é uma luta contra a malícia do próprio homem, adiantando, também, que conhecimento sem bom senso é uma dupla loucura. A insensatez, lamentavelmente, é um cancro que impregna o tecido humano, vicia a alma e destrói os sonhos. Está presente em todas as carreiras, sejam nas áreas das ciências exatas, sejam nas humanas; sejam entre as classes mais abastadas, sejam entre as menos favorecidas. Entristece, contudo, quando a Inteligência sucumbe à insensatez. Não cabe, aqui, discutir as origens desse rebaixamento moral, mas é importante enfrentarmos o dragão verde que solta bolas de fogo pelas narinas existente em nós, como pensado por Nietzsche. Ele não pode continuar impedindo o nosso peregrinar em busca da perfeição.

(**) Publicado no Jornal da Cidade, edição de domingo, 31.10.2010 e segunda-feira, 1º de novembro de 2010, Caderno B, página 4.

Um comentário:

  1. "Nietzsche estava certo: 'Deus acertou ao limitar a inteligência humana, mas errou em não limitar a burrice'. "

    Opino em que Deus acertou em tudo: a inteligência e a burrice são comparáveis à luz e à treva ou com o bem e o mal. A luz é essência, enquanto a treva só existe em decorrêcia da existência dela (a luz); o bem é essência, o mal, consequência.
    Se Deus tivesse limitado a inteligência, com certeza a burrice assim o seria.
    É comparável a um caso matemático de Limite no Infinito e "Deus não jogava dados" (Newton".
    Mas... Filosofia é Filosofia.
    (JJRS).

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