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quarta-feira, 14 de julho de 2010

A Batalha de Berna - Copa do Mundo de 1954

Curiosidades

A BATALHA DE BERNA
LUIZ ANTONIO SIMAS (*)

Não acho que a maior batalha que envolveu o Brasil em sua retumbante história militar tenha sido a de Monte Castelo, na Segunda Guerra Mundial. Meu voto vai para a Batalha de Berna, título pelo qual foi imortalizado o épico jogo entre o Brasil e a Hungria pela copa do mundo de 1954 , realizado naquela cidade suiça. Justifico a escolha.

O regulamento do certame de 1954 foi o mais doido da história dos mundiais. Seja como for, e para poupar os leitores da maluquice dos cartolas, vamos ao que interessa: Brasil e Hungria se enfrentaram nas quartas de final. Nossa seleção, mal saída do trauma da derrota de 1950 - a maior tragédia da história brasileira desde 1500 - encarou o esquadrão húngaro dos cracaços Czibor, Cocsis, Toth e Hidegkuti (Puskas, contundido, não jogou). O retrospecto da Hungria naquela copa foi assustador - 9x0 na Coréia do Sul e 8x2 na Alemanha Ocidental. A mesma Hungria, pouco antes da copa, deu uma surra histórica, 6x3, no English Team em pleno estádio de Wembley, onde os súditos da rainha eram até então considerados imbatíveis.

Antes do início da partida o vestiário do Brasil foi invadido por dirigentes dispostos a estimular o time a um milagre com exortações patrioticas. João Lira Filho fez um discurso exaltado, comparando os jogadores aos inconfidentes mineiros e desfilando com uma bandeira usada pela Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial. Obrigou os jogadores a beijar a bandeira e, aos prantos, declarou que naquele jogo contra os húngaros os canarinhos deveriam se empenhar para vingar os mortos de Pistóia - cemitério italiano onde foram enterrados os pracinhas que morreram na guerra. Não ocorreu a ninguém recordar ao dirigente que os brasileiros e os húngaros não se enfrentaram no charivari armado por Hitler e Mussolini.

Segundo o testemunho do insuspeito Nilton Santos, o time entrou em campo com os nervos em frangalhos. Brandãozinho, um dos nossos meio-campistas, ainda estava assustado com a cena de João Lira Filho o segurando pelos ombros e dizendo aos berros :

- Como é o seu nome?
- Brandãozinho.
- Não! Você hoje se chama Ignácio de Alvarenga Peixoto. Você é um inconfidente! Você é um inconfidente!

O pobre Brandãozinho, semi-alfabetizado, não entendeu bulhufas. Didi, comparado a Tiradentes, começou a achar que Lira Filho tinha enlouquecido. O técnico Zezé Moreira tentou expulsá-lo do vestiário, mas o patriótico dirigente estava com a corda toda. Nilton Santos, até ele, tentou estimular o goleiro Castilho com um argumento inusitado:

- Olha Boris (Nilton chamava Castilho de Boris Karloff por sua semelhança com o ator de filmes de terror) : confio em você. Os húngaros são comunistas. São ateus. E você é o São Castilho. E santo não perde para ateu.

Zezé Moreira armou uma estratégia para segurar o jogo nos primeiros dez minutos, formando uma barreira inexpugnável na retaguarda canarinho. Resistindo os primeiros momentos, calculou Zezé , partiriamos para dentro dos adversários.

Foi nesse clima que o escrete brasileiro entrou em campo, escalado com Castilho, Djalma Santos, Pinheiro e Nilton Santos ; Brandãozinho e Bauer ; Julinho, Didi, Índio, Humberto e Maurinho. A Hungria veio de Grosics, Buzansky, Lantos e Zakarias; Bozsik e Lorant ; M. Toth, Cocsis, Hidegkuti, Czibor e L. Toth. No apito, o árbitro inglês Arthur Ellis.

O que se viu a partir da entrada dos times no gramado, debaixo de uma chuva bíblica , foi um dos jogos mais emocionantes, violentos e desvairados da história do futebol .

O técnico Zezé Moreira insistiu na recomendação aos jogadores: a chave para a vitória contra os húngaros era resistir os primeiros dez minutos e depois partir para o ataque. Não deu certo. Com oito minutos do primeiro tempo a Hungria já tinha feito dois gols em Castilho.

Com surpreendente poder de reação, o Brasil descontou aos 17 minutos, em um pênalti bem cobrado por Djalma Santos. A partir daí o jogo foi pau a pau, com nosso ponteiro Julinho Botelho fazendo o diabo em campo. Não empatamos na primeira etapa por pouco.

O segundo tempo foi eletrizante. Os húngaros fizeram o terceiro gol - Lantos de pênalti - mas o Brasil descontou logo com Julinho. Mandamos duas bolas na trave, pressionamos, perdemos Nilton Santos e Humberto expulsos, eles perderam Bozski e, em vantagem no número de jogadores, liquidaram o jogo com um gol de Cocsis aos 42 do tempo final : 4x2 para a Hungria.

Mal o juiz Mr. Ellis apitou o fim do jogo e a verdadeira batalha começou. Puskas, que assistira ao prélio das arquibancadas, desceu ao gramado e provocou Pinheiro na entrada do vestiário. O zagueiro canarinho revidou e os 22 jogadores se envolveram na pancadaria.

Um policial imenso, com mais de 130 quilos, foi correndo apartar a briga, tomou uma rasteira do radialista brasileiro Paulo Buarque e caiu estatelado no gramado, para delírio do público. A polícia revidou e jornalistas e dirigentes acabaram se envolvendo no furdunço. O técnico Zezé Moreira viu um gringo de terno correndo em direção ao vestiário e não teve dúvidas, enfiou o cacete no cabra com as chuteiras que Didi trocara durante o jogo e estavam em suas mãos. O agredido era o ministro do Esporte da Hungria, Gustavo Sebes.

No setor reservado às estações de rádio, para a surpresa dos discretos suiços, o árbitro brasileiro Mário Vianna urrava nos microfones impropérios contra o juiz inglês : Ladrãããão. Safaaaado. Comunistaaaa. Covarrrrrde. Rateeeeiro. Escroooooque. Apoplético, e insistindo na tese de que foramos vítimas de uma conspiração dos comunas, Vianna tentou invadir o vestiário do árbitro para, segundo suas palavras, aplicar-lhe um corretivo e desafiar os espiões de Moscou.

O final dessa zorra foi o mais inesperado e surreal da história das copas. No Brasil, a população acompanhou o match pelas rádios e, insuflada sobretudo pelas acusações de Mário Vianna, resolveu agir. No Rio de Janeiro, por exemplo, a massa partiu para a vingança imediata. Perdemos o jogo para a Hungria, a copa foi na Suiça mas, no calor das emoções, os indignados torcedores canarinhos erraram o alvo e quebraram a embaixada da Suécia.

(*) - Luiz Antonio Simas nasceu no dia de finados de 1967 e é Império Serrano.É mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor de História do ensino médio. É considerado um dos profissionais mais importantes do Rio de Janeiro em sua área de atuação. Publicou em parceria com o caricaturista Cássio Loredano, o livro O vidente míope, sobre o desenhista carioca J. Carlos, indicado pela Revista de História da Biblioteca Nacional como uma das publicações mais relevantes da área no ano de 2007. Desenvolve pesquisas sobre a cultura popular carioca, mais especificamente nos campos do futebol e da música popular. Foi o responsável pela pesquisa da exposição Todas as Copas, evento realizado no Brasil e nos Estados Unidos durante a Copa do Mundo de 1994. Seu trabalho foi considerado pela FIFA como um dos mais completos levantamentos já realizados sobre a história dos mundiais de futebol. É atualmente consultor da área de carnaval do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.

4 comentários:

  1. Formidável, Simas, muito bem escrito. De fato, minha mãe, já com quase 90 anos, ainda insiste que fomos derrotados pelo tal do "comunismo internacional" e que a Seleção, inocente nisso, acabou servindo de "... exemplo de como o capitalismo fracassou ..." rs, rs, rs. Parabéns pelo texto, excepcional. Mas uma coisa te digo: que os húngaros baixaram o pau no jogo, ah, isso baixaram sim ... Abração Frederico Garcia

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  2. Delícia de texto.Formidable.

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  3. Excelente texto Simas,meu velho pai c/98 anos q já se foi era Ex-combatente da II Guerra Mundial e sempre dizia q perdemos p/os
    comunistas pq eles eram melhores e quase imbatíveis.Grande abraço.
    LESSA de ROXI.

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  4. Essa seleção de 1954 era muito boa e foi esquecida de nossa memória... Se não fosse o juiz "Ladrãããão... Safaaaado... Comunistaaaa... Covarrrrrde... Rateeeeiro... Escroooooque... Apoplético.. e agente de Moscou" teríamos sido nós a supresa de 1954.

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