Nesse instante, surge a citada responsabilidade: ter olhos quando os outros os perderam. Em síntese, no momento em que aquele ex-prisioneiro deixou de ter apenas a capacidade de olhar, passando a poder ver, mister se faz, também, que ele “repare”, ou seja, observe, perscrute, questione. Percebe-se, pois, que reparar, isto é, observar, perscrutar e questionar dependem de um elemento imprescindível: saber qual é a verdade. Assim, quem julga sem os componentes da verdade, julga mal. Aliás, não julga. Termina por produzir um falso julgamento, um julgamento que não mantém consonância com o universo compacto das idéias. Nessa esteira, o Direito não poderia deixar de conceber tal apanhado filosófico. Assim foi que, na Alemanha, o jusfilósofo Zaccharie edificou o postulado da existência dos atos jurídicos. Para ele, os atos jurídicos só existiriam quando estivessem presentes, concomitantemente, agente capaz, objeto lícito e forma estabelecida ou, pelo menos, não proibida pela ordem normativa. É a dicção do atual art. 104 do Código Civil brasileiro.
Essa dogmática vale, analogamente, para os atos administrativos. Por exemplo, quem se vê aprovado em um concurso público, a fim de que possa ser nomeado, precisa provar que é capaz. Mas como? Elementar. Basta que o candidato comprove, por exemplo, sua reputação ilibada, através de certidões negativas, obtidas junto às várias justiças (estadual, federal, eleitoral). O ordenamento faz exigências similares para que alguém venha a ocupar cargos como os de desembargador e conselheiro do Tribunal de Contas (art. 71, II, da Constituição do Estado de Sergipe). O que aconteceria, porém, se fosse escolhido como conselheiro do Tribunal de Contas alguém que não preenchesse o requisito da idoneidade moral? Alguém que, por exemplo, estivesse, à época da escolha, sendo investigado pela Polícia Federal pela prática de crimes contra a Administração Pública? Alguém que, após a escolha, tivesse decretada sua prisão preventiva por uma Ministra do STJ, em face dos supramencionados ilícitos, todos levados a cabo sem que aqueles que o escolheram pudessem aferir tal dado relevante? Alguém que, certamente, não seria escolhido se quem o escolheu soubesse que ele estava envolvido com tudo que, agora, o descredencia, ou melhor, que sempre o descredenciou?
É o caso de Flávio Conceição. A digressão, no entanto, não é pessoal. Nada contra a pessoa íntima de Flávio. A questão é jurídica. Ela envolve o homem público que é Flávio: inidôneo, em tese, para o cargo, por falta de capacidade jurídica (leia-se reputação ilibada). A escolha de Flávio foi um dramático “ensaio sobre a cegueira”. Quem o escolheu, fê-lo porque não viu o mundo do lado de fora da caverna. Viu a sombra de Flávio. Mas a Polícia Federal trouxe a luz. E, com ela, o mundo real. Descobriu-se que, dentro de Flávio, há uma coisa que não tem nome, e essa coisa é o que ele é: inapto para o exercício do cargo de conselheiro do Tribunal de Contas. Em suma, o ato mediante o qual se deu sua escolha, pela falta de agente capaz, simplesmente não existe. É nulo. Qual a solução para o impasse, por conseguinte? Fácil. Não é preciso ir muito longe. Basta viajar para o século XIV. Ali, viveu o filósofo William de Ockham, o qual idealizou a seguinte teoria: Quando existirem inúmeras explicações para um mesmo fenômeno, opte-se pela mais simples. Tal máxima entrou para a His-tória como “A Navalha de Ockham”, muito usada na matemática, a exemplo da “Complexidade de Kolmogorov”. Parece ininteligível. Mas não é. Quem aprecia algoritmo vai compreender: ao invés de usar 1.000.000.000, use-se 109. É a lógica da simplificação. Daí, hoje, em vez de grandes computadores, utilizarem-se notebooks, laptops, palmtops etc.
- (Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de 07 de novembro de 2007, quarta-feira, Caderno B, página 6. Republicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de 2 e 3 de agosto de 2009, domingo e segunda-feira. Caderno B, página 8).
apreciar o blog do senhor é tão gratificante e prazeroso, que não sobra tanto tempo para comentarios. muito inteligente, parabéns.
ResponderExcluirte desejo: saúde e paz.
José Orlando de Frades