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sexta-feira, 14 de maio de 2010

A hora e a vez de Cezar Britto

De todos os atributos humanos, o talento certamente é o mais excêntrico. É que ele, ordinariamente, não se compatibiliza com outras qualidades. A título de exemplo, e lançando mão do próprio discurso popular, é lícito afirmar que os homens talentosos, no mais das vezes, não são humildes; são vaidosos. Não são metódicos, mas intuitivos. Não são organizados, mas extremamente confusos em suas arrumações. Não são cautelosos; são impacientemente agoniados. Vê-se, por conseguinte, que o talento acaba por espantar características igualmente desejáveis como modéstia, disciplina, esmero e paciência. De que forma, por exemplo, se poderia esquecer do talentoso pai da relatividade, ganhador do Nobel, que, aqui e ali, desafiava Deus, fazia cálculos no verso de envelopes usados, tirava fotos com os cabelos assanhados e mostrava a língua quando ia cumprimentar alguém?

Numa palavra, o talento traduz uma bomba. Mas nem sempre. Às vezes, o talento propicia um saboroso e colorido espetáculo de pirotecnia. Especialmente quando o talentoso é, ao mesmo tempo, modesto, disciplinado, esmerado e, acima de tudo, paciente. Nesse ponto, é que vem a calhar a biografia de um sergipano que, neste momento, está passeando de asa-delta em céu de brigadeiro: Cezar Britto. Com efeito, o momento histórico que Cezar protagoniza é ímpar. Não apenas pelo cargo com o qual ele está sendo brindado (Presidente da OAB Nacional), mas pela pessoa que vai brindar o cargo. Hoje, é lícito crer que ele e o cargo se aperfeiçoam simultaneamente. E as razões são várias. Todas elas, a propósito, passam pelos atributos da modéstia, da disciplina, do esmero e, principalmente, da paciência.


Nesse diapasão, quem não se lembra de Augusto Matraga, personagem de Guimarães Rosa? “Cada um tem sua hora e sua vez. A sua há de chegar”. Isso foi dito a Matraga, protagonista do conto, que integra o livro Sagarana. Digno de nota, no entanto, é que Guimarães fez questão de ressaltar que “Matraga não é Matraga. Matraga não é nada. Matraga é Esteves”. Ou seja, as pessoas não são o que os outros pensam acerca delas. As pessoas são o que efetivamente são. E a hora e a vez dos homens dependem não do que se pensa sobre eles, mas do que eles fizeram na prática para alcançar o êxito. Afinal de contas, “Matraga é Esteves”. E César é Sergipe. Foi aqui que ele nasceu. Foi aqui que ele se criou. Foi aqui que a advocacia o viu amadurecer. No tempo dele, é claro. Mesmo porque “cada um tem sua hora e sua vez”.


Em tal sentido foi que cheguei a imaginar, um dia, movido pelo êxtase que me foi causado pelo tirocínio de César, que já tinha chegado sua hora para ser presidente da OAB em Sergipe. É que, anos antes, quando dirigia a entidade, eu o estimulara a entrar na Ordem, ocupando o cargo de conselheiro seccional. Fiquei espantado em ver como um garoto podia ter tanta desenvoltura para a coisa. Era o início da década de 90. Todavia, quando lhe propus suceder-me, falou a modéstia: “Cada um tem sua hora e sua vez. A minha ainda não chegou”. Tudo bem. Mas veio o fim da década de 90 e, com ele, chegou a hora de César. Numa vitória acachapante, ele galgou a presidência da Ordem. E, aí, falaram a disciplina e o esmero. César reestruturou a Ordem segundo uma perspectiva ainda inédita.

A rigor, durante os meus mandatos, falava-se muito sobre “A Ordem para os advogados”. Naquele momento atribuí outra amplitude ao enfoque: “A ORDEM PARA TODOS”. A OAB, em verdade, surge pelos advogados, mas permanece pela cidadania. E César deu continuidade, abrindo, ainda mais, as portas da OAB para o homem do povo, para a imprensa, para a sociedade civil amplamente considerada. Esse foi o seu diferencial. Numa administração marcada principalmente pelo diálogo, César soube conversar com os oprimidos, com os marginalizados, com os aflitos, sem nunca se esquecer de ouvir os reclamos da categoria. Deu certo por aqui. É um modelo que precisa ser levado para Brasília, mesmo porque o cidadão necessita de uma caixa de ressonância que lhe permita ser ouvido pelos salões onde os passos do poder se tumultuam. O sucesso foi óbvio.


Por tudo isso é que Sergipe não pode perder a oportunidade de aplaudir. É a primeira vez que chegamos lá. Com Alberto Barreto Melo, que também era sergipano, a satisfação foi de uma superficialidade primária, pois ele se limitou a nascer em Sergipe. Com César é diferente. César nasceu, cresceu, educou-se, militou na advocacia de maneira extenuante e provou, antes de mais nada, que o vencedor é 5% inspiração e 95% transpiração, conforme um dia categorizou Einstein. Hoje, advogado compacto, íntegro e bem-sucedido, César está pronto para mostrar ao Brasil que o pequeno Estado de Sergipe não cabe no País. A Bahia, o Maranhão, o Piauí e o Rio Grande do Norte que, sozinhos, formariam uma nação, nunca tiveram um presidente no Conselho Federal da OAB. Sergipe, quase do tamanho de Israel, agora tem um. E por falar em Israel, vale a pena destacar aquele velho ensinamento do Eclesiastes, que realça a literatura israelita: “tudo tem o seu tempo”. Pois bem, Cezar, chegou o seu. Chegou o nosso. Abra as portas da OAB Federal para todos. É chegada a hora de isso também acontecer. Sergipe, agora, é você.


* Publicado no Jornal “CINFORM”, edição de 29 de janeiro de 2007, caderno especial sobre Cezar Britto, página 15.

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