Cena de Intolerância |
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Ascensão e queda da liberdade de expressão
Artigo Pessoal
Ascensão e queda da
liberdade de expressão
Clóvis Barbosa
Tema amplamente debatido e requisitado pela sociedade contemporânea, a liberdade de expressão tem suas matizes históricas fincadas a muito. David Llewelyn Wark Griffith, ou D. W. Griffith, como ele assinava, nascido em Oldham County, Kentucky, em 1875 e falecido em 1948, foi um cineasta revolucionário no início do cinema. Depois de muito batalhar em Hollywood, realizando mais de 400 filmes curtos em seis anos, tinha uma tara que era fazer um longa-metragem. Essa oportunidade surgiu em 1915, quando ele fez Nascimento de uma Nação, filme que causou ao mesmo tempo aplausos e repúdio, não somente da crítica, mas de todos os segmentos sociais e, principalmente, do establishment da época. O filme é baseado na peça The Clansman: An Historical romance of the Ku Klux Klan, de Thomas Dixon. O pau quebrou no lombo de Griffith, que foi acusado de estimular o racismo através da apologia de um grupo de cachaceiros puritanos, o ku klux klan, tido, na obra, como herói e responsável pela unidade da nação americana. Tentaram de tudo para boicotar o filme, mas ninguém deixou de reconhecer os méritos técnicos e artísticos e a importância que esta obra ainda hoje representa para os estudiosos da sétima arte. Mas a maldição lançada contra Griffith veio influenciar o público na recepção do seu segundo longa, Intolerância, cujo fracasso comercial levou-o praticamente a falência, somente se restabelecendo a partir de 1919, quando juntou-se a Charlie Chaplin, Douglas Fairbanks e Mary Pickford, fundando a United Artists.
Mas o cerne dessa fase de discussão sobre a obra foi o surgimento da censura em obras cinematográficas, prejudicando sensivelmente a criação artística na época. Cenas de crime, beijos, nem falar. Eram terminantemente vedadas. Houve uma reação e os artistas, sob a liderança de Griffith, lançaram um manifesto, intitulado The Rise and fall of free Speech in América (A ascensão e queda da liberdade de expressão na América), que causou grande repercussão. O documento fala da última tentativa de impor a censura no país, mais especificamente na mídia impressa, em 1798, quando o Congresso americano aprovou uma lei que caracterizava como crime qualquer crítica ao governo. No Brasil, as idas e vindas da liberdade de expressão ganharam um contorno diferente após o restabelecimento do Estado de Direito e a promulgação da Constituição de 1988, cunhada como “cidadã”. Nela está inscrita que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Observe a expressão “sob qualquer forma”. Mais adiante, ela estabelece: “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. Atente para a expressão “nenhuma lei conterá” do dispositivo referido.
Pois bem, a lei eleitoral brasileira, que é de 1997, assinala que “a partir de 1º de julho do ano da eleição, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário, veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido ou coligação, a seus órgãos ou representantes”. A parte final, “difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido ou coligação, a seus órgãos ou representantes” entra em choque com “a livre manifestação de pensamento” assegurada pela própria Constituição, ferindo-a de morte e, nesse sentido, obrou em equívoco extremo o legislador ao estabelecer o referido texto, além de dar um tratamento desigual aos órgãos de informação, privilegiando a imprensa escrita em detrimento da falada e vista. Em outras palavras, os jornais e revistas, durante o período eleitoral, podem emitir opinião favorável ou contrária a qualquer candidato, partido, coligação, ou a seus órgãos e representantes, mas as emissoras de rádio e televisão, não podem. Esse dispositivo da lei eleitoral tem onerado em multas impagáveis várias emissoras de rádio e televisão. Em 1998, por exemplo, fui advogado da Rádio Jornal. Na arena da disputa eleitoral pelo governo do Estado estavam João Alves Filho e Albano Franco. A ordem desse último era fechar e inviabilizar financeiramente a emissora, pertencente ao seu adversário.
Para tanto, contratou um caminhão de advogados, inclusive de fora do Estado, a fim de atingir os seus objetivos. A multa mínima aplicada em cada infração ao mencionado texto legal era de 20.000 UFIR’s (aproximadamente 20 mil reais), duplicada na reincidência e podendo ser cumulada com a suspensão das transmissões da emissora. Veja um caso ocorrido na época. No dia 27 de agosto de 1998, no programa “Impacto”, levado ao ar pela Rádio Jornal, apresentado pelo jornalista Eduardo Abril, o ex-prefeito de Porto da Folha, de nome Antônio Pageú, fez duras críticas ao candidato ao senado, Jackson Barreto, afirmando que ele não valia nada e que nunca conseguiu terminar uma administração quando foi prefeito de Aracaju. Outro ouvinte, de nome “Dodó”, de São Cristóvão, teria dito que sua esposa foi exonerada da direção de uma Escola estadual porque ele tinha simpatia pela candidatura de João Alves. Nesse processo, que foi julgado improcedente, a coligação de Albano Franco queria que fosse aplicada uma pena de suspensão das transmissões da emissora por 48 horas, pagamento de multa de 100 mil UFIR’s e que esta fosse duplicada para 200 mil UFIR’s. Para encurtar a história, foram mais de 300 processos ajuizados na Justiça Eleitoral contra a Rádio Jornal, sendo a mesma condenada em aproximadamente 70 a 80 processos, redundando num total de multa que chegou a quase 700 mil reais.
O pior de tudo é que o próprio Tribunal Superior Eleitoral, que conta, na sua composição, com dois ministros do Supremo Tribunal Federal, rechaça a tese da inconstitucionalidade do referido texto da lei eleitoral, aduzindo, quase sempre, a necessidade de tratar com igualdade os candidatos, além do fato de que os assuntos da eleição têm que ser veiculados no horário da propaganda eleitoral gratuita. A permanecer esse dispositivo na lei eleitoral, teremos que obstruir a democracia de todo o período da campanha eleitoral. A imprensa radiofônica e a televisada terão que cerrar as suas portas para o noticiário político, calando-se diante dos atos públicos de interesse da sociedade. Evidente que não se quer aqui uma liberdade de manifestação absoluta. Não! Contra os excessos a própria legislação prevê as punições que devem ser aplicadas, sejam de ordem penal, civil ou administrativa. Ademais, como bem dito pelo ex-ministro do TSE, Luiz Carlos Lopes Madeira, no processo PMN vs Tv Manchete Ltda, “a imprensa, hoje, é empresa mercantil. Vive (...) da audiência das suas emissoras, que lhe conferem resultados ou lucros. Com perdão da redundância a imprensa noticia o que é notícia. Errado seria forjar”. Pois é, já pensou a humanidade, por causa do cerceamento da liberdade de expressão, sem conhecer a Bíblia, a Ilíada de Homero, Fausto de Goethe e as peças de Shakespeare?
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 16 e 17 de janeiro de 2011, Caderno B, p. 11.
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