Aracaju/Se,

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Mata Escura (IV)

Crimes que abalaram Sergipe

Mata Escura (IV)
Acrísio Torres


Poucos dias depois de capturado, Mata Escura foi transferido da enxovia para a prisão solitária. Nessa ocasião se percebia um ar de resignação na face do criminoso. Os soldados lhe colocaram as algemas. Mata Escura encarou por um momento as duras algemas, que lhe deram a sensação do fim de sua caminhada fora da lei. Parecia se operar uma transformação em seu espírito, até aí voltado para toda sorte de males. - bem sei que vou morrer – disse com os olhos fixos no chão da prisão. E, após um curto silêncio, como se refletisse, acrescentou: - Morro porque sou pobre. Os ricos cometem mais crimes do que eu, e nunca são punidos. Os soldados haviam se retirado. Na velha cadeia apenas se encontravam Mata Escura e o carcereiro. Na cela, olhando através de uma pequena grade de ferro, continuou imerso nas suas reflexões. - Sou o primeiro homem livre que será enforcado nesta província, como se fosse escravo. Era a idéia dominante na época, mesmo entre os criminosos. Somente aos escravos é que se devia punir de morte. Na verdade, até então haviam sido os pobres negros cativos injustamente os únicos justiçados.

A esse estranho sentimento, sobretudo da parte de um facínora, talvez se possa juntar o relacionado com o trabalho escravo. Houve época, após 1850, em que a falta de mão-de-obra vexou alguns presidentes da província de Sergipe. Tornou-se um grave fenômeno social. Mata Escura continuava olhando o espaço azul de céu por onde pequenas nuvens deslizavam, de estranhas formas. Era um triste fim de tarde. Voltando-se para o carcereiro, disse: - Me dê uns charutos. Os charutos foram dados ao bandido. Mata Escura começou a fumar em nervosas baforadas, a passear de um lado para o outro da estreita cela e a falar cheio de desespero e revolta. O carcereiro procurou inutilmente acalmá-lo. Perguntou mesmo se desejava um padre. O célebre criminoso encarou o seu vigia, por um instante, e lhe gritou rudemente: - Não! Não! – repetiu. Não queria saber de padre. Para ele, também os padres eram responsáveis por muitos crimes sociais e políticos. Não lhe eram estranhos os crimes do clérigo Silva Porto, em Capela, a chacina do vigário de Propriá, e outros delitos semelhantes. Passeando e fumando permaneceu Mata Escura toda a noite. Não podia dormir, como se temesse o próprio sono. Pediu, porém, alguns biscoitos e bebeu um pouco de vinho.



Nasceu a manhã, uma manhã fria e tétrica para o célebre criminoso. Recusou o alimento que lhe foi levado. E, pedindo mais charutos, continuou a fumá-los, agora calmamente, sentado no duro leito de palha. A uma hora da tarde deitou-se e adormeceu. Fora vencido pelo cansaço físico dos passos sem cessar durante a noite e a manhã. Talvez, também, tenha adormecido na esperança de esquecer por um momento a pena que aguardava. Era quase noite quando Mata Escura despertou. Levantou-se, permanecendo alguns minutos na contemplação do céu através da pequena janela da cela. Depois, acendeu um charuto e recomeçou os passos de um lado para o outro da prisão. Não se perturbou quando o carcereiro lhe comunicou que naquela noite uma escolta o conduziria para Itabaiana. Nem mesmo desviou os olhos do chão da velha cadeia. Uma espessa baforada do charuto pareceu ser a resposta do bandido. Tropel de animais rompeu o medonho silêncio da noite. Era a escolta que devia conduzir o criminoso para Itabaiana. Mata Escura deixou a cela e seguiu de pé a longa caminhada, na primeira expiação depois de seu encarceramento.


(*) - Do livro Sergipe/Crimes Políticos I, Cenas da vida sergipana 2, autoria de Acrísio Torres, Thesaurus Editora, prefácio do jornalista Orlando Dantas, páginas 83 a 85.

- Nova postagem de cenas da vida sergipana no dia 8 de fevereiro de 2011. Vai continuar abordando a saga do criminoso Mata Escura, ainda do tempo do império, que foi condenado a morrer enforcado, tudo de acordo com o autor e obra acima.

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