Aracaju/Se,

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Mata Escura (VII)

Crimes que abalaram Sergipe

Mata Escura (VII)
Acrísio Torres

Era noite quando retornou à cadeia o reverendo Aires da Mata. Procurou persuadir Mata Escura a receber os socorros da religião. - Devia confessar-se, insistiu. Mas o condenado persistiu na recusa. Deu a entender, porém, de que talvez o desejasse no outro dia. Retirou-se o velho sacerdote. Fez-se um curto silêncio, que Mata Escura interrompeu dirigindo-se aos guardas. Pedira-lhes charutos. Fumou-os demoradamente. – Preciso dormir – disse o bandido. Atirou o resto do charuto a um canto da cela e deitou-se no duro leito de palha. Logo adormeceu. E, no mais fundo do seu ser, desejou não mais despertar. Tudo caiu no mais completo silêncio. A noite avançava, fria, escura, cheia de expectativas. Um dos guardas também havia adormecido. Eram quatro horas da madrugada quando Mata Escura espertou.
Não pôde mais dormir. Acendeu um charuto e recomeçou a fumar, sentado no velho catre. Havia uma decisão nos seus olhos, que se escoavam através da pequena grade da cela. Nuvens passavam lentamente. Eram seis horas da manhã. Os guardas perceberam a fisionomia mudada do condenado. Aproximaram-se e lhe indagaram se desejava alguma cousa. Talvez se tivesse decidido à confissão. Mata Escura voltou-se para os dois guardas com olhos de contrito. Desprendeu duas longas e meditativas baforadas do charuto. Depois, começou a falar de seus crimes. – Mandem vir um padre – disse. Pouco depois se achava junto ao condenado o reverendo Aires da Mata. Escutou-o em demorada confissão. Terminada a confissão, ministrou-lhe os sacramentos. Ao receber os sacramentos o bandido sorriu ligeiramente.

Não pôde deixar de compreender o contraste entre seus crimes e aquele ato de santificação da alma. Nasceu-lhe a dúvida. Entretanto, depois da confissão e sacramento Mata Escura tornou-se outro. Transformou-se-lhe o espírito. Havia agora uma certa resignação nas suas palavras, nas suas atitudes. Fumava continuamente. No entanto, nada mais disse, senão poucos momentos antes de se encaminhar ao patíbulo. Parecia meditar acerca de seus crimes. Um dos guardas perguntou ao condenado se queria alguma cousa para comer. Mata Escura respondeu sem olhar o vigia, como se não desejasse interromper os seus pensamentos. – Quero, para me sentir mais forte. O famoso bandido tinha na mente a horrível visão do patíbulo. Comeu pouco. Todavia, bebeu diversos copos de vinho e voltou a fumar.

Deixava-se dominar mais e mais pelas suas reflexões. Não tinha mais dúvida do fim próximo. Talvez pensasse em transformar as horas que lhe restavam em advertências aos que sonhassem seguir os seus passos. Pouco depois, a pedido do condenado, retornava a sua cela o reverendo Aires da Mata. Tivera a lembrança de escrever à mãe, em Capela. Pedira ao reverendo a cópia de uma carta. O velho sacerdote indagou à autoridade policial se isso era permitido. Não havia impedimento em lei. E, deste modo, ouviu do condenado em que sentido queria que escrevesse. Preparada a cópia, foi lida pelo reverendo, que logo depois se retirou. Mata Escura pediu ao cabo do destacamento que a reproduzisse, pois não sabia ler nem escrever. Enquanto o cabo reproduzia a carta ficou o bandido a refletir nos seus termos.

Escrevia à mãe da cela aonde o conduziram os seus crimes. – Os meus numerosos crimes, pensava amargamente. Na minuta o reverendo não se limitara ao desejo do condenado. Este o compreendera. Havia sido levado ao crime pela má educação dada pelos pais, principalmente pela mãe. O seu triste destino era um exemplo a ela para melhor saber educar os outros filhos. Tinha o pensamento no futuro dos irmãos. Não podia conceber pudessem eles palmilhar como ele a senda do crime. Lembrara também haver sido conduzido ao crime pelo patronato de ricos senhores. Servira-lhes de instrumento para assassinar. E advertia os irmãos a que não se deixassem enganar por esses desalmados senhores.

(*) - Do livro Sergipe/Crimes Políticos I, Cenas da vida sergipana 2, autoria de Acrísio Torres, Thesaurus Editora, prefácio do jornalista Orlando Dantas, páginas 86 e 87.

- Nova postagem de cenas da vida sergipana no dia 1º de março de 2011. Vai concluir a saga do criminoso Mata Escura, ainda do tempo do império, a caminho do patíbulo, onde paga, enforcado, pelos crimes cometidos, tudo de acordo com o autor e obra acima.

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